leafar. Primeiro gostaria de agradecer a gentileza de responder ao post. Respeito a religião/ciência espírita, mas a sua doutrina, a meu ver é, no mínimo, contraditória. Não vou apelar para conceitos já estabelecidos, como: "A quem afirma algo, cabe o ônus da prova". Se houvesse uma prova concreta da existência de espíritos, talvez esse fórum não existisse, ou, estariam nele apenas meia dúzia de cabeças-duras. A questão é que o espiritualismo Kardecista, á luz da lógica e do bom senso, está repleto de falácias grosseiras.(Espero que os espíritas ou simpatizantes da doutrina neste fórum, não se ofendam com as minhas críticas; pelo contrário, refutem minhas palavras se eu estiver falando asneiras) Os comentários abaixo estão intercalados com fragmentos de outros textos. Eis alguns pontos incongruentes sobre o espiritualismo:
Obrigado igualmente pela civilidade ao responder às minhas proposições, ainda que não concorde com muitas delas. Às vezes isso não ocorre aqui no fórum e tentam derrubar um conceito derramando o ridículo sobre ele. Eu jamais me ofendo com qualquer crítica e nem com eventuais agressões. Muito pelo contrário, uma agressão contra a minha pessoa me facilitaria muito o trabalho de vencer um debate, embora não haja o menor mérito em vencer desta forma. As pessoas aqui são geralmente bastante educadas, tirando-se alguns elementos que considero "pontos fora de curva", e pelo que parece você não será um deles.
Posso até ser inconscientemente, mas não me considero uma "cabeça fechada". Estou sempre disposto a analisar todos os argumentos pró e contra e, se encontrar algo que pareça fazer mais sentido vindo da oposição, em princípio estaria disposto a me render a ela. Infelizmente isso até hoje não aconteceu, ou seja, não houve sequer um único argumento cético capaz de arranhar as minhas convicções a respeito do Espiritismo, que o defendo como uma opinião pessoal, ou seja, que poderia de público repetir como se fossem minhas próprias, inclusive aquelas consideradas polêmicas. Mas vamos às suas questões:
"1. É muito interessante uma doutrina se julgar cristã, mas renunciar a maior parte dos ensinamentos do próprio Jesus, fragmentando e destacando frases e passagens escolhidas a dedo, as quais, curiosamente, são as que justamente renunciam a possibilidade da coexistência cristianismo-kardecismo numa única pessoa, pois são excludentes entre si. Vamos dar a luz aqui ao fato notório de que os ensinamentos do Nazareno são irreconciliáveis com a doutrina de Kardec. Na minha opinião pessoal, é fato notório que Jesus sequer existiu, para aqueles que contemplam da mesma opinião sabem, de antemão, que o kardecismo já começa errado ao admitir a passagem física de Jesus pela Terra. (Le q. 856, 802, 665, 131)
Quanto à passagem de Jesus pela Terra, se não me falha a memória existem alguns documentos que o comprovariam. O segundo ponto é que os espíritos o confirmaram. O mais importante na passagem de Jesus foram os seus ensinamentos, que Kardec aproveitou os essenciais. Sob o ponto de vista de ciência espírita, é irrelevante se Jesus existiu ou não em carne. Sob o ponto de vista moral, há algumas sérias implicações: se ele não veio, a história da crucificação é falsa e conseqüentemente todos os exemplos resultantes desse evento, que são as bases do cristianismo e do espiritismo, seriam apenas palavras, do tipo: "façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço." Seria um grande baque na imagem que temos de Jesus. O dia que provarem que ele não veio em carne e que não sofreu corporalmente na cruz, conversamos.
Outra coisa fundamental a se levar em conta é:
a Bíblia não é o nosso "Livro Santo". Com isso, sentimo-nos na liberdade de dela aproveitar o que quisermos, rejeitarmos o que quisermos, e darmos a interpretação que quisermos para as palavras de Jesus e de qualquer profeta ou apóstolo. Kardec dela aproveitou o que era essencial em seu livro "O Evangelho segundo o Espiritismo" e nós a usamos como referência histórica e para refutar a Igreja. A Bíblia não nos pode condenar, porque não a seguimos, mas serve para condenar aqueles que a consideram totalmente divinamente inspirada, porque é ela que corrobora muitos de nossos ensinos, enquanto dizem que somos seita demoníaca. Se a querem considerar infalível, têm de explicar também os trechos que corroboram os nossos ensinos.
Quando o levaram dali tomaram um certo Simão, cireneu, que vinha do campo, e puseram-lhe a cruz às costas, para que a levasse após Jesus (…) E levavam também com ele outros dois, que eram malfeitores, para serem mortos (…) Quando chegaram ao lugar chamado Caveira, ali o crucificaram, a ele e também aos malfeitores, um à direita e outro à esquerda.
(…) Então um dos malfeitores que estavam pendurados, blasfemava dele, dizendo: Não és tu o Cristo? salva-te a ti mesmo e a nós. Respondendo, porém, o outro, repreendia-o, dizendo: “Nem ao menos temes a Deus, estando na mesma condenação? E nós, na verdade, com justiça; porque recebemos o que os nossos feitos merecem; mas este nenhum mal fez.”
Então disse: “Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reino.”
Respondeu-lhe Jesus: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso.” (Lc 23:26-43)
Se um malfeitor em uma única vida, só por ter se arrependido e confessado sua fé em Deus e Jesus conseguiu absolvição imediata, aonde os kardecistas viram nos ensinamentos de Jesus algo como a salvação segundo as obras? Por que este malfeitor não precisou de centenas de vidas para poder adentrar no mundo de Jesus (espírito superior)? Em que vida tal malfeitor pagará pelos seus pecados se ele pegou passagem direto para os reinos superiores?
Aonde está escrito que o ladrão arrependido não teria que reparar seus erros num tempo futuro? A doutrina espírita ensina que aqueles que se arrependem são imediatamente acolhidos. Mas isso não os isenta de reparar e/ou expiar os erros do passado num momento futuro. Por que você acha que mártires aceitaram serem mortos antes de rejeitar as suas crenças? Uniram reparação e expiação a um bom exemplo a ser dado para a humanidade.
Além do mais, que sabes a respeito da vida que esse ladrão teve, suas experiências anteriores, os motivos que o levaram a roubar, etc...? Sabe-se que aqueles que erram sabendo são mais duramente punidos do que aqueles que erram por ignorância. Tudo isso não é revelado no texto de Lucas e as interpretações são livres a esse respeito.
3.Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? E em teu nome não expulsamos demônios? E em teu nome não fizemos muitos milagres? Então lhes direi claramente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim. (Mateus 7:21-23)
Não se achará no meio de ti quem faça passar pelo fogo o seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro, nem encantador, nem quem consulte um espírito adivinhador, nem mágico, nem quem consulte os mortos; pois todo aquele que faz estas coisas é abominável ao Senhor, e é por causa destas abominações que o Senhor teu Deus os lança fora de diante de ti. (Dt 18:10-12)
E, como aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo depois o juízo (Hb 9:27)"
A aceitação da existência de Jesus, e a exaltação de sua importância para a formação da doutrina espírita, (conforme Allan Kardec) são constrangedoramente desmentidos pelos versos acima. Kardec, aliás, supostamente psicografou uma mensagem de Jesus. Ainda há outros problemas em relação a crença da reencarnação. Por exemplo: Se até mesmo o ser em estado não-corpóreo tem livre-arbítrio e sofre, convive com outros espíritos, conversa, se move, para que serve então reencarnar? Qual o propósito, leafar? Se o esquecimento dos atos do passado, da vida anterior, é supostamente uma benção, como afirma os espíritas, então de que vale reencarnar, se vou esquecer as experiências das minhas vidas passsadas? Se eu matei uma pessoa em uma vida passada, e não me lembro, então não posso me arrepender. Eu vou nascer de novo com a "ficha limpa?" E se, como reflexo de uma encarnação passada repleta de delitos ou maldades, eu nascesse com um deficiência física ou mental, qual seria a vantagem, se eu não puder me lembrar do que fiz? Não parece apenas um ciclo de vingança interminável?
Não entendi aonde quis chegar com os primeiros versículos de Mateus 7:21-23. Poderia ser mais claro?
Quanto ao trecho de Deuteronômio, enquanto algumas traduções usam a expressão "consultar os mortos", o que se quer realmente proibir é a necromancia, ou seja, a adivinhação pelos mortos. Ora, práticas adivinhatórias também são condenadas pelo Espiritismo. Mas tudo bem. Vamos supor ainda que o trecho se referisse a nós. A igreja disse que Jesus aboliu uma série de leis do antigo testamento, inclusive os que estão no referido capítulo de Deuteronômio. Por que só o que está acima e abaixo deve ser abolido e não a proibição da comunicação com os mortos? Por que não estamos apedrejando adúlteras, matando homens, mulheres e animais que mantém relações fora dos padrões judaicos, etc... Por que a anulação atingiu somente o que estava acima e abaixo do referido versículo e não atingiu o próprio? Dois pesos e duas medidas?
Sobre Hebreus 9:27, em primeiro lugar são palavras de apóstolos (ou nem isso), e não de Jesus. E segundo, podemos interpretar: o homem morrerá somente uma vez. Sua alma então será julgada. Quando reencarnar, será um novo homem, que também só morrerá uma vez, vindo depois o juízo, e assim sucessivamente.
Quanto à reencarnação, ela representa uma oportunidade de sermos provados naquilo que aprendemos no mundo espiritual e nos comprometemos a seguir. São provas, na acepção da palavra. No mundo espiritual estudamos, analisamos nossos erros, fazemos menção de melhorar, nos comprometemos com determinados objetivos, etc... Na encarnação, somos conduzidos a situações que nos oferecem oportunidades de provarmos se assimilamos bem as lições. Muitas pessoas só conseguem agir corretamente quando sabem ter alguém vigiando-as. E se elas se achassem sozinhas, vendo que nada ganhariam fazendo o bem? Será que seriam boas? A incredulidade e a falta de provas nos prestam esse benefício, para que, se vencermos, tenhamos conseguido demonstrar um altruísmo pleno e não forçado.
Quanto ao esquecimento, ele só se dá com relação àquilo que seja em nosso próprio benefício. Um assassino arrependido dificilmente conseguiria se reerguer numa sociedade inferior como a nossa se todos se lembrassem de seus crimes. Desafetos não resolveriam seus problemas. Inimigos poderiam continuar inimigos se se lembrassem do que um fez ao outro, etc... Se dois espíritos tivessem sido grandes inimigos numa existência e, depois em nova oportunidade, fossem grandes amigos, com certeza no mundo dos espíritos, quando se lembrassem de tudo novamente, a animosidade não teria mais sentido.
Quanto às aptidões, essas não se perdem. O Espírito mantém a intuição do conhecimento adquirido anteriormente e se lembra gradativamente a medida que for sendo colocado em contato durante a vida, que se revela como a extrema facilidade que algumas pessoas têm de assimilar certos conhecimentos. Que importa se lembrar de como adquiriu o conhecimento, desde que o tenha? Eu não me lembro exatamente de como eu aprendi a falar, pois quando dei por mim eu já falava. Mas de que me importa agora saber como, se hoje eu falo?
Entretanto, há alguns casos em que determinadas aptidões são impedidas de se manifestarem na encarnação por limitações corporais. Por exemplo, um espírito de um grande cientista que reencarna com o objetivo de desenvolver habilidades humanas, pode ter o cérebro propositalmente atrofiado para as ciências exatas. Se ele conseguisse desenvolvê-las, provavelmente em vida encontraria melhores meios de sobrevivência na ciência, por ser mais habilidoso, desviando-se do seu objetivo principal. Então, o fato de determinado indivíduo ser fraco em determinada área, não implica que seu espírito necessariamente o seja. Na Terra, ele seria medíocre na ciência por limitações corporais, e medíocre em humanas por limitações espirituais, com o corpo, contudo, preparado para desenvolver a habilidade que falta ao espírito.
"Kardec afirma que "Todo espírito que, em suas comunicações, trai um mau pensamento, pode ser classificado na terceira ordem.". Julgar o que é o "bem" e o que é o "mal" é uma tarefa muito difícil, bastante subjetiva, e também fortemente sujeita aos nossos condicionamentos culturais e históricos. Por exemplo, o espírito "São Luís" (que era tido mais ou menos como um "presidente espiritual" da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas ao tempo de Kardec) em algumas ocasiões emitiu opiniões que para mim parecem claramente oriundas não de um "Espírito Superior", como ele era considerado por Kardec e demais membros da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, mas na verdade procedentes de um espírito da terceira e mais inferior das ordens espíritas: a ordem dos espíritos imperfeitos. (Barros: 2003, p.24)"
Sobre os epíritos superiores:
"Reunem a ciência, a sabedoria e a bondade. Sua linguagem, que só transpira benevolência, é sempre digna, elevada e freqüentemente sublime."
Kardec também afirma que é possível diferenciar um espírito evoluído de um inferior através da linguagem com a qual estes se comunicavam. Não seria uma forma de preconceito? Elitização espiritual? Um espírito é inferior quando tem deficiências gramaticais?
Essa questão tem alguns desdobramentos. O médium, dependendo do modo como foi obtida a comunicação, pode influir. Por exemplo: o espírito tem a intenção de escrever a palavra "laranja". Se o médium não fala a língua na qual se quer expressar essa palavra, como por exemplo, em inglês, o espírito pode soletrar, transmitindo as idéias do "o", "r", "a"..."e", que o médium conhece. É uma comunicação mais segura, mas igualmente mais trabalhosa e lenta. Se, por outro lado, o médium é instruído e está escrevendo na própria língua, o espírito pode inspirar somente a idéia de uma laranja. O médium então interpreta e encontra em seu vocabulário a palavra adequada para exprimir a idéia. É uma forma mais cômoda e rápida para as comunicações, mas há igualmente o risco de as idéias do médium se misturarem nas idéias do espírito, que é o fenômeno chamado de "animismo" no meio espírita. É normalmente dito que grande parte dos textos espíritas tem a sua parcela de animismo. O primeiro caso só é usado para atestar autenticidade absoluta e formar convicções. O segundo é usado quando a convicção já existe e se deseja agilizar e facilitar as comunicações.
Essa introdução foi só para chegar ao ponto da sua pergunta. Erros gramaticais simples não denotam necessariamente inferioridade, principalmente se o médium não for especialista na língua. Erros gramaticais grosseiros só se justificariam se o médium tiver quase nenhum conhecimento da língua, ou se o espírito for ignorante. Mas se o médium é pessoa notoriamente instruída e sábia, assim como o espírito, a linguagem não pode ser inferior. Se for inferior, ela não poderia ser atribuída ao médium, que nesse caso estaria dissimulando. Então trata-se de um espírito pouco instruído, ou seja, ignorante. Veja que ignorante não é necessariamente mau, mas já denota certa inferioridade, ainda que somente intelectual. E se forem ambos, o médium e o espírito, conhecedores da língua, e mesmo assim forçam nos erros gramaticais, então trata-se com certeza de uma mistificação, pois não há motivos para isso.
Mas uma linguagem, mesmo simples e com pequenos erros gramaticais, pode ter os caracteres de elevação, dignidade e sublimidade. Basta não ter acrimônia, preconceitos, dissimulação, orgulho, imposições, inutilidades, bajulações, etc... Muitas vezes uma mensagem, com linguajar perfeito e erudito, denota inferioridade e até tentativa de mistificação, por terem os caracteres acima. Eu diria até que os espíritos superiores usam da máxima simplicidade possível nas mensagens, evitando a verborragia. A linguagem erudita demais, com muitos termos novos e idéias estranhas, deve ser bem analisada, pois normalmente trata-se de tentativa de mistificação. Vede as obras de Ramatis, Pietro Ubaldi, Roustaing e outras, que entenderá o que digo.
É claro que muitas vezes não podemos atestar veracidade absoluta numa comunicação, mas muitas vezes podemos atestar a sua falsidade. Entretanto, o processo como um todo é um constante aprendizado. Somos enganados hoje, aprendemos com a experiência, e não seremos enganados da mesma forma amanhã. Quem não quiser aprender às custas dos próprios erros, que observe os inúmeros exemplos que existem por aí e aprendam com os erros dos outros. Não esperem ninguém do mundo espiritual para dizer: "essas mensagens são verdadeiras; aquelas são falsas." O trabalho de discernimento nos cabe.
Sobre o suicídio, segundo Kardec:
"À primeira vista, como ato de abnegação, este suicídio poder-se-ia considerar desculpável. Efetivamente assim é, mas não de modo absoluto. A esse homem faltou a confiança em Deus, como disse o Espírito S. Luís. A sua ação talvez impediu a realização dos destinos do filho; ao demais, ele não tinha a certeza de que aquele sucumbiria na guerra e a carreira militar talvez lhe fornecesse ocasião de adiantar-se. A intenção era boa, e isso lhe atenua o mal provocado e merece indulgência; mas o mal é sempre o mal, e se o não fora, poder-se-ia, escudado no raciocínio, desculpar todos os crimes e até matar a pretexto de prestar serviços.
(…) O suicídio mais severamente punido é o resultante do desespero que visa a redenção das misérias terrenas, misérias que são ao mesmo tempo expiações e provações. Furtar-se a elas é recuar ante a tarefa aceita e, às vezes, ante a missão que se devera cumprir. (2Ci V)
Curioso que ninguém viu o mérito de se impedir que o filho cometesse homicídios e diversos outros tipos de destruições na guerra. Kardec enxerga a possibilidade de que a "a carreira militar talvez lhe fornecesse ocasião de adiantar-se.", mas não assinala que isso se daria às custas possivelmente da morte de outros. E ele incorre em inacreditável incoerência ao dizer "mas o mal é sempre o mal, e se o não fora, poder-se-ia, escudado no raciocínio, desculpar todos os crimes e até matar a pretexto de prestar serviços.". Ele considera o suicídio do pai um mal que não deixou de ser mal apesar das nobres intenções; por um lado, "condena o ato de matar a pretexto de prestar serviços"; e acaba, em franca contradição, apoiando o ato de matar a pretexto de prestar serviços (na guerra). De fato, para mim, neste ponto (e de acordo com os meus "condicionamentos culturais e históricos"), São Luís manifestou uma opinião má. Mas Kardec foi ainda pior. (Barros: 2003, p.25)
Discordo. Não considero o ato de matar numa guerra uma ação má e ilegítima. Eu mataria numa guerra se fosse obrigado a participar. Isso não é crime nem aos olhos de Deus, nem aos olhos humanos e não representa falta de caridade. Devemos cumprir as nossas responsabilidades perante a sociedade e perante a nação, porque isso é também cumprir a Lei de Deus. O homem só é culpado, numa guerra, das crueldades que cometa ou de que for causa, e que estivesse efetivamente sob o seu poder evitar ou atenuar. E quanto a isso, só a Deus cabe julgar. E esteja certo que cada um responderá pela sua culpa.
Que me diria se fôssemos um dia invadidos (pela Venezuela, por exemplo rsrsrs) e todos os soldados, como o fim nobre de não matarem, cruzassem os braços e não lutassem? A nossa nação seria entregue de graça e o progresso seria entravado. Que dizer da polícia que se recusa a perseguir bandidos porque corre o risco de matar ou de morrer? Não, não é correto moralmente. É antes covardia do tipo: "que outros façam o trabalho sujo, mas não eu."
Além do mais, sob o ponto de vista espiritual, o que é a morte? Nada. É apenas uma passagem para outro mundo. Coloque-se sob o ponto de vista de quem crê que a morte não existe e o texto acima que você citou não lhe parecerá tão absurdo.
Então, logo em seguida, colocamos a luz sobre outro caso, no mesmo capítulo, onde narra o suicídio de um ex-noivo com uma facada no próprio peito a porta da casa da ex-pretendente. A separação teve como causa uma discussão “por motivos fúteis” onde o rapaz falou que não mais voltaria, se arrependeu e, no dia seguinte, voltou à casa da moça, ela não o atendeu, e então ele se matou. O espírito do rapaz é evocado e afirma sobre seu amor: “Paixão somente, creia; pois se o amor fosse puro eu me teria poupado de lhe causar um desgosto.”.
São Luís, contudo, fez algumas afirmações curiosas. Kardec perguntou: "E o suicídio de Luís tem desculpa pelo desvario que lhe acarretou a obstinação de Victorine?”, São Luís responde: “Sim, pois o suicídio oriundo do amor é menos criminoso aos olhos de Deus, do que o suicídio de quem procura libertar-se da vida por motivos de covardia.”.
Observem que: no suicídio do pai que queria evitar que o filho fosse para a guerra, Kardec comenta abertamente que "o suicídio mais severamente punido é o resultante do desespero que visa a redenção das misérias terrenas". Já no caso do apaixonado suicida, "São Luís" fala do atenuante do "amor"! Ou seja, segundo "Kardec-São Luís" é menos punível quem se mata porque a noiva desistiu do casamento do que quem se mata devido a anos de dores lancinantes com alguma doença terminal, como o câncer. (Barros: 2003, p.26)
Por isso se vê ainda uma nova confirmação da justiça que preside à distribuição das penas, conforme o grau de responsabilidade dos culpados É à moça, neste caso, que cabe a maior responsabilidade, por haver entretido em Luís, por brincadeira, um amor que não sentia. Quanto ao moço, este já é de sobejo punido pelo sofrimento que lhe perdura, mas a sua pena é leve, porquanto apenas cedeu a um movimento irrefletido em momento de exaltação, que não à fria premeditação dos suicidas que buscam subtrair-se às provações da vida. (2Ci V)
Então, segundo o juízo de Kardec, é à moça que cabe a maior pena??!! O rapaz abandona a mesa do almoço durante a discussão, sai da casa da sogra dizendo que não vai mais se casar, volta somente no dia seguinte arrependido, e tem que ser recebido com braços abertos? (…) Se mata, e a culpa maior é da moça?"
Isso parece justo? Amor, segundo a ciência, é apenas uma reação química do cérebro. Essa tal reação química seria uma atenuante para o suicídio? O que dizer então de um paciente com câncer terminal, como descrito acima. O sofrimento físico extremo não seria uma boa razão para se tirar a própria vida?
Suicídio é sempre crime, a menos quando cometido em estado de loucura. Eu não conheço todos os agravantes e ateuantes da situação, por isso é difícil opinar. Me parece que o rapaz cedeu a um momento irrefletido de exaltação. Se tivesse desistido, ido para casa e refletido um pouco mais, provavelmente não o faria. As paixões nos colocam por vezes em estado de semi-loucura, o que por vezes pode causar esses desatinos. O rapaz será punido, mas não da mesma forma que o seria alguém que premeditou o ato por longo tempo antes de o praticar.
Quanto aos doentes terminais quererem abreviar os seus sofrimentos, é covardia, digam o que disserem. O homem deve prolongar sua vida tanto quanto lhe seja possível. O dia que Deus achar que basta o sofrimento, ele o leva. É simplesmente uma questão de escolha: ou enfrenta-se e vence-se a prova na existência atual, ou adia-se para outra existência, onde provavelmente terá outro câncer, ou outra doença terminal que terá que enfrentar novamente. É simplesmente decidir que se quer passar por isso uma única vez ou várias vezes até vencer. É minha opinião.
Quanto a São Luís afirmar que a moça tem mais culpa na morte do rapaz que ele próprio, eu não posso opinar. Talvez São Luís tivesse mais conhecimento das cirscuntâncias da situação do que nós. O que sabemos é que somos responsáveis não só pelos males que causamos, mas pelos que também somos causa. Se a moça o fez se apaixonar por nada, por divertimento, como muitas vezes vemos por aí, ela realmente incorreu em grande culpa, pela qual terá que responder mais tarde e, provavelmente se verá obrigada a acompanhar e ajudar o rapaz na sua recuperação.
continua...