Não, a fé deve ser racional sempre que possível.
Acho que apenas se estiver usando "fé" no sentido de otimismo.
Otimismo está mais para complemento do que para sinônimo de fé.
Porque diariamente ouço no rádio os sermões de crentes falando que se deve crer apesar de não ter evidência, de que se tem que ter fé, etc. Sempre colocando fé em oposição à racionalidade convencional, numa coisa que normalmente se acreditaria mais facilmente, por não ser nada extraordinário, e por ser evidente.
Acho que se não for assim perde totalmente o sentido popular de "fé", e fica sendo simplesmente "ter convencimento razoável da verdade de algo".
A definição de fé que certas pessoas usam realmente tem essa arrogância travestida, mas eu a considero uma degeneração. O que eles realmente parecem estar buscando é crença irracional para salvar o orgulho.
Prefiro a que se usa (por exemplo) para certos documentos de cartórios, como na expressão "dou fé por ser verdade". Fé que se baseia na análise dos fatos observáveis, não no desprezo dos mesmos.
Vamos ver se consigo sistematizar melhor isso… as variáveis envolvidas na distinção entre certeza, fé, crença e esperança são base racional, propósito ou meta, confiabilidade e importância.
Sei lá. Qual a distinção entre "base racional" e "confiabilidade"? Para mim deveria ser uma coluna só… a menos que fosse "base racional" e "sentimento de confiança"
Não tenho uma conclusão final nesse particular. Por enquanto só quero lembrar que em certas coisas confiamos por motivos racionais e lógicos, mas em outras nossos motivos são mais empíricos ou puramente pragmáticos, na base do "sempre foi assim na minha experiência" ou "para os fins das minhas decisões posso sim confiar nesta conclusão".
Coloquei crença e certeza como sinônimos.
Por que? São conceitos tão diferentes.
Resumindo crença/certeza seria ter como verdadeiro com bases razoáveis, mais racionais.
Crença frequentemente é irracional e mesmo fora do razoável, enquanto que certeza, quando não é delusional, pede mais do que bases apenas razoáveis.
Fé, ter como verdadeiro por apelo emotivo, a despeito de evidências "normais", podendo haver uma boa dose de "racionalização".
Como já disse, fé "de boa estirpe" trabalha com as evidências, não contra elas. O que você está descrevendo melhor seria chamado de paixão, dedicação ou mesmo opção de vida. Das palavras que estamos analisando, a que melhor cabe é crença mesmo.
Esperança seria algo como uma hipótese, possibilidade da qual não se tem certeza, mas que gostaríamos que fosse verdade ou que fosse se realizar. Um pouco como a fé, mas sem o sentimento de certeza tão inabalável.
Uma definição um pouco "seca", mas razoável.
É claro que as coisas podem variar contextualmente. Por exemplo, na frase da Druyan sobre o Sagan "ele não queria acreditar, ele queria saber" (ou algo que o valha), o "acreditar" é obviamente algo dentro do "meu" sentido de "fé", mas por outro lado, as pessoas também não simplesmente "sabem", mas acreditam saber.
Dentro do contexto, parece-me que Druyan está dizendo que Sagan não quer se satisfazer com a crença, e prefere ir atrás das respostas mais verdadeiras que tiver condição de encontrar.
"Acreditar saber", no entanto não tem o sentido de fé que se poderia ter só com "acreditar".
Em meus termos, Sagan está rejeitando o sentido inferior de fé e buscando a verdadeira fé.
Outro ponto de como acreditar como sinônimo de fé não é algo necessário,
Nem necessário nem acurado; acreditar é acreditar, fé (em qualquer dos dois sentidos) é uma
forma específica de crença, é acreditar
como consequência de um certo tipo de relação entre essa crença e os fatos observáveis. Como "melhor do que os fatos" no caso da fé vagabunda, e como "extrapolação razoável" no caso da fé verdadeira.
seria que um religioso poderia dizer algo similar a frase da Druyan: "eu não acredito em deus, eu sei que ele existe".
Um verdadeiro religioso dificilmente diria algo tão tolo, sinceramente. Ou pelo menos não acharia algo particularmente importante para ser dito. Um religioso lúcido tem coisa mais importante para pensar, sentir e dizer do que essa insignificância que é "saber" que Deus existe.
O que, ou significa que uma pessoa dizer "saber"/"ter certeza" em vez de "acreditar" não implica nas bases racionais para tomar o objeto como verdadeiro, ou que deus existe.
Crença em Deus
nunca vai ser uma consequência de bases racionais, para quem quer que seja; Deus não é um conceito racional. Na verdade está mais para uma locução verbal, uma expressão de linguagem do que para qualquer outra coisa.
Se ele existe ou não ou se faz ou não sentido crer nele é uma questão posterior, que não pode mudar essa constatação básica.
Enfim, línguas não são ciências exatas e as palavras são um tanto variáveis. Em alguns casos, em discussões sobre certos assuntos, é necessário talvez parar um momento e adotar acepções comuns de todos os lados da discussão, mesmo que arbitrárias, para não ficar discutindo usando termos iguais para coisas diferentes e termos diferentes para coisas iguais, o que faria de toda a discussão algo bem improdutivo.
Eu não poderia concordar mais...
Fora isso, pode haver discussão etimológica/semântica com diversos pontos de vistas conflitantes a favor de diferentes significados para as palavras… eu tô fora, ainda que tenha entrado inicialmente… acho mais proveitoso adotar alguma convenção qualquer nas discussões sem uma discussão prolongada sobre quais são os termos, e ficar com os termos "pessoais" para os pensamentos apenas e "traduzir" de acordo com a pessoa com quem se estiver falando…
Essa tarefa não é nada trivial, você sabe...