Josilene, você está tratando as cotas como se fossem uma ferramenta de correção da falta de acesso à formação superior.
Lamento, mas não rola. Como disseram Fabi e Willy Nilly, isso é problema e não solução, por vários motivos.
É injusto porque
- iguala injustiça social com racismo
- torna o racismo uma política oficial
É cruel porque
- coloca na universidade pessoas que não estão preparadas - e portanto tem chance muito maior
de ser jubiladas, passar por constrangimentos, problemas emocionais e financeiros ou simplesmente
não tirar proveito do curso. Essas situações já eram problemas sérios antes do sistema de cotas, e
é de se esperar que piorem com ele.
É perdulário porque
- efetivamente tenta transferir para o ensino superior a finalidade do ensino médio; além de ser um
substituto muito pobre para uma reforma efetiva do ensino fundamental e médio (pois afinal de
contas apenas uma pequena parcela dos alunos chega a concluir esses dois e portanto sequer
vai poder se candidatar às cotas, o que torna muito duvidosa a capacidade de corrigir injustiças
das cotas), é uma medida que descaracteriza e prejudica ainda mais as instituições de ensino superior
e pesquisa.
Muito mais sensato em todos os sentidos seria trabalhar com o ensino fundamental e médio, melhorando a qualidade do ensino (o que por si só cria mais oportunidades e muito melhor do que qualquer sistema de cotas jamais conseguirá)
O governo tem o poder de criar cotas, mas não tem o poder de fazer com que elas façam uma diferença significativa para melhor. Afinal, ter o acesso à universidade, no fim das contas, é de todas as etapas do processo de exclusão sócio-econômica possivelmente a menos importante.
Antes dela temos pelo menos onze anos de ensino sofrido e precário que por si só já exclui a maioria dessas parcelas da população, de forma muito mais duradoura e difícil de reverter do que o ensino superior poderia fazer.
E uma vez dentro do ensino superior o aluno não se torna magicamente melhor preparado por isso; vai competir continuamente com gente que teve mais oportunidades desde o início e portanto tem excelentes chances de ficar pelo caminho após se sacrificar muito (faculdade não é, ou não deveria ser, moleza). Sempre há casos excepcionais, gente particularmente esforçada e/ou competente, mas a verdade é que a função do ensino superior não é "democratizar o ensino" e sim separar os mais aptos dos menos aptos.
Formação superior é por definição um privilégio reservado para os mais capacitados, e não há nada de errado ou injusto nisso; as pessoas não tem todas a mesma capacidade, nem há um verdadeiro motivo para querer que todos tenham formação superior. Pelo contrário até; a maioria das carreiras de nível superior precisa da assistência de pessoal técnico de nível médio, em número até maior do que dos profissionais de nível superior. Essa realidade se impõe espontaneamente diante da contínua descaracterização do ensino superior, e por isso temos uma crescente demanda por pós-graduação (para tentar selecionar um pouco melhor) e coisas como as provas da OAB. A pretensão de fazer da Universidade um instrumento de transformação social perdeu completamente o rumo, para não dizer a sanidade, e fez dela um instrumento de maquiagem da elitização injusta.
O sistema de cotas, para ter alguma utilidade real, deveria ignorar completamente o nível superior e ser aplicado no ensino fundamental, talvez no médio. Mas mesmo isso é secundário. Não há como criar oportunidades sem ter preparo adequado; qualquer medida que não ajude na efetiva formação dos alunos é perda de tempo ou pior. Não tem tanto destaque nos jornais e não rende tanto discurso político, mas as verdadeiras soluções são cuidar com seriedade do ensino fundamental e repensar centros de ensino médio para incentivar e melhorar a formação técnica profissionalizante. Em todos os sentidos o Brasil precisa muito mais de técnicos preparados e competentes do que de "dotôres" que só tem um canudo de papel para enfrentar o mundo. Desculpe a forma rude de me expressar, mas com 38 anos na cara e mais de quinze anos de serviço público eu não vejo mais sentido em tentar acreditar que ter um diploma superior realmente signifique ou prove alguma coisa por si só. Muitos diplomados sem o menor preparo ou competência são aprovados em concursos e se tornam um estorvo; não teriam a menor chance na iniciativa privada e são basicamente parasitas na iniciativa pública. Pior ainda, estão sendo encorajados continuamente a viver na insegurança arrogante e transmiti-la aos demais (a começar por seus próprios filhos), tentando se esconder atrás de canudos que no fundo sabem que não merecem em vez de lutar por verdadeira condição de trabalho efetivo, verdadeira formação acadêmica ou profissional. E só para completar, mesmo esses passaram por muito sacrifício para conseguir seus canudos inúteis...
Não há por que querer manter um rumo tão destrutivo.