aqui duas entrevistas, uma com quem 'apóia' as diferenças sexuais, e outra que é mais cética quanto a isso.
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=24958Gafe de reitor reabre debate sobre diferença entre sexos Neurocientista da UFRJ e psicóloga da Escola de Economia de Londres têm visões distintas sobre tema
Salvador Nogueira e Reinaldo José Lopes escrevem para a ‘Folha de SP’:
O reitor da Universidade Harvard, Lawrence Summers, causou polêmica na semana passada ao atribuir a relativa falta de sucesso de mulheres em ciências exatas a diferenças inatas com relação aos homens. Que essas diferenças existem, a maioria dos especialistas parece concordar. Sobre o quanto elas realmente fazem a diferença, não há consenso.
Para o popstar da psicologia evolutiva, o canadense Steven Pinker, professor da mesma Harvard, e autor do best-seller ‘Tábula Rasa’, ‘as observações dele até que não foram tão absurdas’.
É de esperar que um defensor das diferenças inatas entre os seres humanos, baseadas em variações genéticas, devidas à seleção natural, tomasse essa posição.
Mais moderada é a postura da neurocientista Suzana Herculano-Houzel, 32, do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ (Universidade Federal do RJ). Ela argumenta que as variações entre homens e mulheres só aparecem em grandes médias estatísticas e, mesmo assim, são tão sutis a ponto de quase não fazerem diferença no dia-a-dia.
‘Você não pode falar disso sem colocar todos os qualificativos’, disse em entrevista à Folha.
Na outra ponta do espectro, está a psicóloga evolutiva Helena Cronin, da Escola de Economia de Londres. Autora do livro ‘A Formiga e o Pavão’ (Ed. Papirus), sobre como a seleção sexual moldou a biologia das espécies, a pesquisadora, que qualifica a si mesma como feminista, argumenta que as diferenças entre homens e mulheres -fruto da evolução- são inegáveis e significativas.
‘Nós não temos essas diferenças enormes, não somos muito dimórficos comparados a outros mamíferos’, afirmou a pesquisadora. ‘Mas na vida moderna, diferenças que podem ter sido pequenas agora são enormes.’
Ela considera irrefutáveis as evidências que mostram habilidade superior dos homens para percepção espacial, importante nas tarefas matemáticas, e julga que as verdadeiras feministas, em vez de dar as costas a Summers, deveriam ter tentado ‘entender por que [as coisas] são como são e aí então tentar mudá-las’.
O reitor já se desculpou, enquanto pesquisadoras de Harvard profetizaram que sua fala ia atrapalhar a contratação de mulheres talentosas pela universidade.
Para Suzana, a ‘gafe’ de Summers teve, pelo menos, o mérito de trazer a discussão para o público. São as diferenças entre homens e mulheres relevantes para a vida e a dinâmica social? Conheça duas opiniões divergentes de cientistas sobre o tema nas entrevistas abaixo.
‘Diferenças cognitivas são sutis e não determinam o que você faz’
Conhecida por seu trabalho como pesquisadora e divulgadora da ciência, Suzana Herculano-Houzel argumenta que as diferenças entre homens e mulheres são muito menores do que a psicologia popular sugere. De Saquarema (RJ), por telefone, a neurocientista conversou com a Folha.
Reinaldo José Lopes escreve para a ‘Folha de SP’:
Folha - Parece que a psicologia popular já criou uma imagem de que há uma diferença essencial entre os sexos: as mulheres são melhores com as palavras, os homens no raciocínio matemático e espacial. Isso se sustenta?
Suzana - A idéia se sustenta estatisticamente. Se você tirar a média, comparar a média, mulheres, em geral, são ligeiramente melhores do que homens em raciocínio verbal. Assim como os homens se saem ligeiramente melhor, em média, em testes de habilidade espacial. Essa diferença é detectada na média. O que quer dizer que há muita gente, homens e mulheres, que tem habilidades verbais e espaciais semelhantes. E a segunda coisa, importantíssima, é que a diferença é muito sutil. Você não pode falar disso sem colocar todos os qualificativos.
Folha - Portanto, o grande problemas é confundir médias estatísticas com o que vai ser encontrado em cada pessoa.
Suzana - Esse é o primeiro problema. O segundo é que você não tem como saber se essa é uma diferença de fato determinada biologicamente por ser homem ou ser mulher. A outra possibilidade é você ter uma predisposição, o que é diferente de determinação genética, e uma terceira possibilidade é haver uma determinação cultural. Em grande parte, o cérebro é o que a gente faz. Se você nunca teve aprendizado com piano, nunca vai ser um pianista. Se passa horas na frente do piano, mas forçado, você também não vai ser um pianista. Então, se há uma série de fatores culturais que afastam, por exemplo, as mulheres de carreiras nas exatas, é claro que o resultado vai ser que, na média, você vai encontrar homens com uma facilidade maior de lidar com números.
Folha - Mais do que uma aptidão inata, isso pode refletir diferenças de gostos e tendências?
Suzana - Também pode refletir uma questão de preferência. Mas aí todas as mesmas perguntas valem -se há determinismo biológico, digamos, ou se você simplesmente tem uma propensão, uma facilidade para fazer uma coisa, e a gente toma mais gosto por aquilo que é fácil. São fatores demais misturados. Há duas diferenças conhecidas que talvez sejam mais fortes. Uma é a orientação espacial, como é que você vai de um ponto a outro. Homens e mulheres fazem isso de maneira diferente, usando até estruturas diferentes do cérebro.
De que maneira?
Suzana - Os homens tendem a usar marcos absolutos, referências espaciais absolutas. Trezentos metros nessa direção, depois tanto na outra. As mulheres costumam dar preferência a marcos físicos, então ela anda até o jornaleiro, depois até o terceiro sinal, vira na farmácia e tudo o mais. E são regiões diferentes do cérebro: uma é hipocampo e outra é o parahipocampo [duas áreas ligadas à memória]. Agora, a grande diferença entre os cérebros masculino e feminino diz respeito ao comportamento sexual, e isso todo mundo esquece. A maior diferença entre possuir um cérebro feminino e um cérebro masculino é que cérebros masculinos, por exemplo, na sua grande maioria, têm uma preferência por se aproximar de mulheres, e vice-versa. Isso é uma diferença cerebral de fato, e é fundamental -um interesse básico da gente. E na verdade nem é tão genético assim, porque pode ser influenciado por hormônios durante a gestação, tanto que não é 100%, mas em torno de 90% a 95% dos casos. Essas são as duas diferenças cerebrais realmente importantes, realmente significativas, entre os sexos. As cognitivas não determinam o que você faz.
Folha - E a questão da lateralização dos hemisférios cerebrais, que muita gente associa ao predomínio da emoção no lado direito do cérebro e ao da razão no esquerdo?
Suzana - Isso é um exagero. As diferenças maiores dizem respeito ao processamento emocional, mas todo mundo usa isso, não tem essa de homem só faz assim e mulher só faz assado. O que há de mais recente aparecendo sobre isso mostra justamente o contrário do que a psicologia popular sempre pregou. As várias pesquisas que estão saindo agora estudam casos específicos com tarefas nas quais o objetivo é ganhar dinheiro, mas tanto o prêmio que você ganha quanto o risco são proporcionais. Quanto mais você espera antes de dizer ‘basta’, maior fica o risco de perder tudo se demorar demais. Nos EUA, eles fizeram isso com homens e mulheres. Os homens se saem melhor, e a diferença é que eles, e não as mulheres, recrutam regiões do sistema límbico, que representam o estado emocional do corpo na hora de tomar essa decisão. Quanto mais arriscado o negócio fica, mais os homens, e não as mulheres, usam essas regiões do cérebro para dizer ‘agora chega’.
Folha - Quanto à menção feita às diferenças inatas pelo reitor da Universidade Harvard? As reações exaltadas se justificam?
Suzana - Eu acho que é um comentário infeliz, mas altamente compreensível, dada a entrada que essas idéias da psicologia popular têm no público.
Folha - Como cientista no Brasil, de que maneira a sra. vê o fato de que em muitas áreas as mulheres ainda sejam minoria?
Suzana - No meu ramo, que é o de ciências biomédicas, as mulheres são muito bem representadas e muito respeitadas. Nunca passei por nenhuma experiência, no Brasil, de ser discriminada. [Mas] na Alemanha, onde me formei, a gente não é considerada tão importante porque há uma idéia pré-concebida de que não vale a pena investirem na nossa formação porque um dia a gente vai ter filhos e largar a ciência. É um pacto não-escrito.
‘Há mais Prêmios Nobel entre os homens, e mais idiotas também’
Ao atender o telefone de sua casa, em Londres, a psicóloga e feminista Helena Cronin perguntou ao marido se ela podia conceder meia hora ao jornalista -ele estava terminando de fazer o jantar. Leia a entrevista.
Salvado Nogueira escreve para a ‘Folha de SP’:
Folha - Logo de cara, a sra. foi categórica ao dizer que Lawrence Summers tinha razão no que disse. Por que acha isso?
Helena Cronin - Isso não tem nada a ver com a minha opinião, com a minha visão, é a visão da ciência. O entendimento evolutivo moderno é o de que, como na maioria das espécies que se reproduzem sexualmente, os homens são diferentes das mulheres de uma maneira muito típica. É o que se chama de dimorfismo.
Folha - Mas uma coisa é dizer que homens e mulheres são diferentes e outra é dizer que isso implica diferenças na capacidade de fazer ciência e matemática.
Cronin - Você está absolutamente certo. Há duas coisas diferentes que entram quando se fala em ser um cientista, e ele toca em ambas. Uma é uma habilidade particular, cognitiva, de fazer matemática, engenharia, o que seja. Outra é a disposição social e emocional, que é se você quer competir para ser o melhor professor, ganhador do Nobel e por aí vai. E há uma terceira, que é a distribuição geral de habilidades e inabilidades em machos e fêmeas. Vivemos num mundo em que essas coisas estão começando a aparecer. Deveríamos levá-las a sério. O que não se deveria fazer é sair da sala quando alguém está falando a verdade, como fizeram com o reitor.
Folha - Que diferenças marcantes já foram identificadas pela ciência entre homens e mulheres?
Cronin - Para começar, em qualquer diferença produzida entre homens e mulheres pela seleção natural há mais variação nos homens. Há uma diferença muito maior entre o ‘menos’ e o ‘mais’ nos homens do que nas mulheres. As mulheres tendem a ficar mais perto de sua própria média. Então, por exemplo, não há uma grande diferença entre quantos filhos cada mulher pode ter. A que teve mais filhos não é muito diferente da que teve menos. Mas em homens há uma diferença maior.
Folha - Mas uma coisa é a habilidade deixar descendentes, outra a de ter aptidão para matemática...
Cronin - Mas isso tende a ser igual em muitas coisas. Não é só sorte, não é só preconceito que fazem com que os ganhadores do Prêmio Nobel em ciência tendam a ser homens em vez de mulheres, porque os homens têm maior variação em habilidades do que as mulheres. Então há mais ganhadores do Prêmio Nobel entre os homens, mas também há mais idiotas. As mulheres tendem mais a ser medianamente boas.
Folha - Há alguma explicação para que isso ocorra?
Cronin - Eu não vou dar uma resposta realmente boa, mas parece ter a ver com o fato de que vale mais a pena para os machos correr riscos. Os machos competem um com o outro para acasalar, e as mulheres apenas ficam lá e qualquer macho vai querer acasalar com elas. As fêmeas não precisam investir a longo prazo, qualquer macho está geralmente disposto a acasalar, então elas não precisam se arriscar. Para um macho, quanto mais competição, mais risco, mais ele se exibe e maior é a chance de ele ter sucesso [reprodutivo]. Então acho que tem a ver com isso.
Folha - Sobre habilidades matemáticas, existe informação suficiente para apoiar a noção de diferenças entre homens e mulheres?
Cronin - Há uma diferença bem particular. Se você tentar imaginar um objeto tridimensional e tentar rotacioná-lo em sua mente, e então for exposto a um conjunto de representações bidimensionais de objetos e questionado sobre quais representam o mesmo objeto, rotacionado no espaço, a maioria dos homens é muito boa em responder. A maioria das mulheres não. Em testes cognitivos como esse, essa é a diferença mais robusta que você pode encontrar. As mulheres que vão melhor neles tendem a avançar muito pouco, comparadas aos homens. Parece que essa habilidade é uma das coisas que se encaixam na habilidade matemática.
Folha - Aparentemente há barreiras ideológicas para reconhecer essas diferenças de gênero. Quão importante a sra. acha que é reconhecer essas diferenças, por exemplo, para fazer escolhas de carreira?
Cronin - Outra pergunta excelente. Os homens competem. Eles querem ganhar o Prêmio Nobel, querem ser editores-chefes do jornal. E as mulheres não têm esse senso de competitividade, porque elas não tiveram de competir como os homens tiveram. Toda a psicologia dos homens é muito competitiva. Sempre foi assim, em todas as espécies sexuadas.
Folha - No caso humano, no entanto, as diferenças são mais sutis.
Cronin - Na nossa espécie bem menos, é verdade. Eu odeio imaginar um elefante marinho lutando pelo Prêmio Nobel. Ele mataria seus competidores! Eu não daria a ele uma carteira de motorista! Ele seria perigoso! Nós não temos essas diferenças enormes, não somos muito dimórficos comparados a outros mamíferos. Mas na vida moderna diferenças que podem ter sido pequenas agora são enormes, sobre quem está disposto a pegar um trabalho que irá tirá-lo de sua vida, de seus filhos, de seu parceiro. Há essa diferença entre homens e mulheres também. E isso não tem só a ver com ser um cientista, tem a ver com ser qualquer coisa, e, acima disso, tem a ver com você ser mediano ou ser o melhor em alguma coisa. Essa é uma das razões pelas quais fiquei muito irritada com as mulheres em Harvard que deram as costas ao reitor. Porque, como feminista, você realmente tem de entender o mundo para mudá-lo.
Folha - Há algum exemplo disso posto em prática?
Cronin - Por que não tentar mudar o modo pelo qual ensinamos matemática? Houve um pequeno experimento nisso, que não foi apoiado por feministas, e foi mostrado que você pode aumentar a habilidade das garotas de ir bem na escola em matemática se você ensiná-las de um modo mais amigável às mulheres.
(Folha de SP, 24/1)