Li alguns posts do forista Dr. Manhattan e gostei imenso, principalmente de seu espírito inovador já no século XVI.
Ele quebra paradigmas que no entanto hoje vigoram pela força da irreflexão.
MONTAIGNE, M. de, 1533-1592. Os ensaios: uma seleção. Tradução Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. 610p.
É Loucura Atribuir o Verdadeiro e o Falso À Nossa Competência
Não é talvez sem razão que atribuímos à ingenuidade e à ignorância a facilidade de crer e de se deixar convencer, pois me parece que aprendi outrora que a crença era como uma impressão gravada em nossa alma; e à medida que ela estava mais mole e com menor resistência, mais fácil era imprimir-lhe alguma coisa. Quanto mais vazia a alma, e sem contrapeso, mais facilmente se verga sob a carga da primeira persuasão. Eis porque as crianças, o vulgo, as mulheres e os doentes são mais sujeitos a ser levados pelo beiço. Mas também, por outro lado, é uma tola presunção ir desdenhando e condenando como falso o que não nos parece verossímil: o que é um vício habitual dos que pensam ter alguma competência além da comum. Assim eu fazia antigamente, e se ouvia falar dos espíritos que voltam ou do prognóstico das coisas futuras, dos encantamentos, das feitiçarias, ou contar uma outra história em que não conseguia acreditar, vinha-me compaixão pelo pobre povo iludido por essas loucuras. E atualmente acho que eu mesmo era, no mínimo, igualmente digno de pena. Não que a experiência tenha desde então me feito ver alguma coisa acima de minhas primeiras crenças; e no entanto não foi por falta de curiosidade; mas a razão ensinou-me que condenar assim, resolutamente, uma coisa por ser falsa e impossível é pretender ter na cabeça as fronteiras e os limites da vontade de Deus e do poder de nossa mãe natureza; e que não há no mundo loucura mais notável do que reduzi-los à medida de nossa capacidade e competência. Se chamamos de monstros ou milagres coisas a que nossa razão não consegue chegar, quantos deles se apresentam continuamente aos nossos olhos? Consideremos como é em meio de brumas e às apalpadelas que somos levados ao conhecimento da maioria das coisas que temos em mãos: sem dúvida, descobriremos que é mais o hábito do que a ciência que nos retira a estranheza delas, e que essas coisas, se nos fossem apresentadas pela primeira vez, as acharíamos tão ou mais inacreditáveis que quaisquer outras,