Vivam as 'patricinhas'!João Mellão NetoEnsinamento ministrado numa aula de Filosofia do Direito para alunos do 7º semestre de uma conceituada universidade paulistana: “Vocês, que só transaram com ‘patricinhas’ burguesas, não sabem de fato o que é sexo. Essas meninas se preocupam exclusivamente com sua aparência e nunca se permitem entregar-se por inteiro aos prazeres da carne. Se vocês querem saber o que é sexo de verdade, tenham relações com moças da periferia. Estas estão livres dos condicionamentos e valores burgueses e por isso sabem de fato como se pratica um ato sexual.”
Por mais absurdo que pareça, essa “aula” ocorreu de verdade e me foi relatada por um amigo de meus filhos adolescentes. Sinal dos tempos. Depois de 1989, com a queda do Muro de Berlim, o comunismo, com seu lastro marxista, deixou de existir como realidade concreta. Seus discípulos, agora, denunciam o capitalismo pelos mais insólitos motivos. Tentam conciliar comunismo com ecologia, convenientemente se esquecendo de que as nações que abraçaram essa ideologia foram, de longe, as que mais poluíram o planeta.
E não é só isso. Comunistas que se prezem estão sempre prontos a denunciar intransigentemente as mazelas das “democracias burguesas”. Para eles, a corrupção e o desperdício de verbas públicas se dão exclusivamente no capitalismo. Esquecem, talvez, que nos países que seguem o marxismo nem sequer há eleições. E, quando eventualmente ocorrem, para cada cargo existe um candidato único e quem não votar nele corre o sério risco de perder o emprego. Como nas economias comunistas só existe um patrão, o Estado, perder o emprego significa condenar-se à miséria. Além disso, se o capitalismo não é perfeito na aplicação de verbas públicas, no comunismo o desperdício desses recursos é geometricamente maior. Até porque nele não há instituições de cunho burguês, como tribunais de contas. Tampouco a imprensa pode exercer seu papel: todas as publicações são severamente controladas, de forma que não existe uma matéria sequer que denuncie o pessoal do poder.
Outra acusação recorrente é a de que no capitalismo as pessoas e instituições são insensíveis à pobreza. Talvez, em parte, realmente o sejam, mas não se pode perder de vista que a “odiosa globalização” - que a esquerda chama de neo-imperialismo - já logrou, em poucos anos, tirar centenas de milhões de pessoas da miséria. Perguntem a um vietnamita ou cambojano - cujos países foram símbolo da miséria até duas décadas atrás e hoje são “inescrupulosamente” espoliados pelas multinacionais capitalistas - se têm vontade de voltar ao antigo regime. A resposta, invariavelmente, será um sonoro e resoluto “não”.
Mas há, também, bravas nações que resistem heroicamente às poderosas investidas do monstro capitalista. Vale a pena ressaltar os corajosos exemplos de Cuba e Coréia do Norte, clube exclusivo que recebeu recentemente a companhia de Venezuela e Bolívia - o Equador ainda estuda se adere ou não. O problema-chave desses países é que a maioria de seu comércio exterior se dá justamente com os detestáveis EUA. A Venezuela, de todos, é o que se encontra em posição mais confortável: possui petróleo em abundância e os EUA, pragmaticamente, preferem ignorar a recorrente catilinária antiimperialista de Hugo Chávez desde que o fornecimento de petróleo venezuelano não seja interrompido. E Chávez não é louco de fazê-lo: dois terços da economia venezuelana dependem diretamente desse comércio e, como está, está bem para todos.
Os demais países fora da perversa globalização estão na África, porque não possuem nenhum atrativo que desperte a “sanha” dos capitalistas. E estão aprendendo, amargamente, que muito pior que serem abusados pelas multinacionais é não despertar o interesse de nenhuma...
Prevê-se que a globalização vai livrar da indigência, até 2030, pelo menos metade da humanidade, o que jamais ocorreu na História universal, mesmo em períodos mais prósperos.
A diferença ideológica entre o marxismo e as democracias “burguesas” é que estas não se preocupam em fazer proselitismo junto à juventude. Deixam que os fatos falem por si.
Curiosamente é aqui, na periférica América do Sul, que se situa um dos últimos bastiões do obsoleto pensamento marxista. Os professores ainda o ensinam nas escolas, há diversos movimentos sociais que se intitulam socialistas e estes já alcançaram o poder - de forma moderada ou escancarada - em pelo menos seis nações. Não se trata, é claro, de um marxismo ortodoxo. No mais das vezes se trata de uma adaptação que muito pouco - ou quase nada - tem que ver com a pregação do velho Karl. O que os novos caudilhos pretendem de fato é valer-se do cunho de protesto que acompanha a propaganda comunista para ampliarem seu poder e manter-se nele o maior tempo possível.
O presidente Lula não é marxista. Prova disso é a corajosa política econômica que vem adotando desde o início do seu primeiro mandato. Mas ele deve favores à nossa antiquada esquerda. Politicamente hábil, como já foi inequivocamente provado, ele parece que adotou a seguinte estratégia: nas áreas-chave do governo colocou técnicos competentes que nada a ver têm com o pensamento esquerdizante. Temos um Meirelles à frente do Banco Central, um Haddad comandando a Educação e um Temporão cuidando da Saúde. Isso lhe garante tranqüilidade suficiente para entregar as demais áreas às esquerdas, como é o caso do ministro da Reforma Agrária e do cristão-novo Celso Amorim na hoje terceiro-mundista pasta das Relações Exteriores. Lula corteja Chávez, Morales e Fidel porque isso satisfaz as esquerdas e não traz riscos a seu governo. Assim ele se equilibra na corda bamba e deixa que o Bolsa-Família sustente nas alturas a sua popularidade.
Quanto ao professor universitário que citei nos preâmbulos, devo confessar que, apesar de seus eloqüentes argumentos, continuo vendo mais encantos nas “patricinhas”...
João Mellão Neto, jornalista, deputado estadual, foi deputado federal por dois mandatos, secretário e ministro de Estado
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