Eu me pergunto até que ponto é possível ter uma verdadeira educação de nível médio sem essa visão geral; no tempo dos dinossauros, quanto tive a minha formação, ela era mais presente e eu já estou achando pouco para o tipo de ambição cultural que temos hoje em dia.
Estou inclinado a dizer que tornar a educação menos horizontal não é apenas inconveniente, é perigoso mesmo. Eu penso que as soluções devem focalizar a qualidade do ensino mesmo, tornando-o menos divorciado da realidade do aluno de uma forma mais ousada. Não vamos ter verdadeiros engenheiros mecatrônicos e cientistas de Humanas por muito tempo enquanto tivermos vontade de tornar matemática, física, história, biologia e geografia matérias opcionais já no ensino médio.
Talvez fosse interessante ter vários níveis de intensidade de formação fundamental (o que mais ou menos já existe) e média. Não no sentido de "cursinho", essa invenção das trevas para destruir o mundo civilizado, mas de opção consciente de vida mesmo. As escolas poderiam ter uma carga horária e um programa mínimo, talvez cerca do dobro de um pacote de PCNs atuais, mas também uma série de módulos opcionais desde pelo menos a quinta série.
Assim, seria possível desde o início do ensino médio ir direcionando a formação dos alunos para a formação média profissionalizante, para a formação tecnológica ou de licenciatura curta, ou para a graduação plena e eventualmente níveis mais ambiciosos. Na prática isso já acontece, mas de uma forma muito pouco assumida e com muito desperdício de recursos, paciência e esperanças.
Já existem hoje em dia
iniciativas como o PEIES e o PAS que reconhecem implicitamente que não é em algum momento mágico perto da obtenção do diploma de ensino médio que se torna subitamente possível ingressar com proveito em uma faculdade. Só que essas iniciativas são simples testes de classificação e seleção, e não propostas educacionais verdadeiras, coisa que exige muito mais planejamento e estrutura.
O que eu estou propondo seria, a grosso modo, que já ao ingresso no ensino médio e pelo menos uma vez por semestre a partir daí, os pais, professores e
de preferência o próprio aluno façam uma escolha entre um mínimo de três ou mais alternativas para o seu currículo escolar: cumprir o mínimo necessário para ter permissão legal para seguir adiante, cumprir também com um módulo semestral de um programa de formação técnica e profissionalizante (com matérias como por exemplo língua inglesa, desenho técnico, geometria, álgebra, química básica, física básica, geografia, noções de biologia e genética, informática básica ou noções de contabilidade), ou cumprir com um módulo de formação de cultura geral e preparação para o ensino superior (como filosofia, línguas estrangeiras exceto a inglesa, noções de cálculo, noções de química orgânica, introdução à antropologia e história).
Em essência, seria uma proposta de mudança de avaliação de currículo; em vez de lutar por um certificado de formação no ensino médio e depois por um "canudo", já no ensino médio haveria uma opção consciente e até certo ponto dinâmica entre a formação indispensável para a cidadania básica e o investimento em uma formação mais voltada para o mercado de trabalho ou para a Academia. Já bem antes de concluir metade do ensino médio os alunos passariam a ter perfis de formação nitidamente diferenciados, em um espectro que incluiria no mínimo os "futuros alfabetizados sem ambição nítida" (*), os "futuros profissionais" e os "futuros pesquisadores de nível universitário". As faculdades particulares mais sérias não teriam espaço para os primeiros e em muitos casos nem para os segundos, mas em vez de cursinhos seria possível (até um certo ponto) cursar centros de formação complementar para mudar de um desses três perfis para outro. Os concursos públicos não exigiriam mais simplesmente "ensino médio" a não ser para serviços francamente braçais e sem qualificação. Os certificados de formação superior e mesmo o de formação média nunca se limitariam a simplesmente informar que o aluno concluiu o curso, mas detalhariam quais módulos e com qual aproveitamento e/ou carga horária o fizeram.
De fato, o Curriculum Vitae e o Histórico Escolar passariam a ser basicamente uma e a mesma coisa já desde o início do ensino médio, e prosseguiriam sendo pelo resto da vida.
Essa é uma proposta que considero mais realista - embora, ironicamente, também peça muitas mudanças sérias de mentalidade e postura.
(*) - Sim, "alfabetizado sem ambição nítida" é exatamente o que parece ser: um eufemismo para "desempregado profissional".