Testes, regras e mudanças provocam dúvida na base do "tá, mas e aí?"Resultados dos treinos da pré-temporada, aerodinâmica nova e invenções da FIA/FOM causaram estranheza e incompreensãoTem mais de um mês que, numa viagem para um sítio, a conversa ao redor da mesa fluía, não sobre F-1, e um amigo, jornalista, resolveu contar uma piada. Rimos todos, e ele foi repeti-la para um outro que não havia ouvido, meio ali de canto, levemente embriagado pelas duas ou três doses de cachaça do alambique da região. O piadista, ao terminar, estranhou a reação do pinguço, que, coberto por seu boné preto, franziu a sobrancelha e soltou, abrindo as mãos sem entender: "Tá, mas e aí?"
A frase provocou mais risos que a piada e virou bordão na turma. E a mesma reação dessa falta de compreensão; poderia ser aplicada à maioria do público diante do que a F-1 apresentou nesta pré-temporada: uma série de reviravoltas, situações opostas, de Bruno Senna a Rubens Barrichello, da derrocada da McLaren à elevação ao pedestal da Brawn, do KERS e o embate entre seu peso e sua utilidade, da tentativa de fazer campeão quem vencesse mais e da remoção da ideia pela pressão da Fota. Um monte de "tá, mas e aí?", "é isso mesmo?", "será?", dúvidas, pontos de interrogação enormes e histórias que precisam de complementos. Previsões são, à la Faustão, mais do que nunca imprecisas.
As alterações decorrentes da limpeza aerodinâmica dos carros, agora calçados por pneus lisos, revolucionaram a categoria. A BMW, autora dos principais experimentos com asas dianteiras limpa-trilhos e traseiras mais curtas e altas, pintou como bambambam tão logo os testes começaram. A Ferrari apresentou seu carro, a F60, lidou com problemas de ordem menor, mas manteve a rapidez e a força peculiares. A Toyota importou o mesmo discurso desde que estreou, só que enfim correspondeu; o TF109 parece bem feitinho. A McLaren veio; os tempos ficaram para trás. A Renault e a Williams novas surgiram juntas: a primeira, a do bico rotundo, não empolgou; a outra fez mais barulho por conta de seu difusor, ilegal para alguns, permitido pela FIA. A Red Bull surgiu imponente com desenho tipicamente 'neweyniano'. A Force India, coitada, prometeu ir para o meio do pelotão, mas dificilmente escapará do fim. A Toro Rosso, espantosamente, é igual à RBR e a Brawn... a Brawn é um caso à parte.
Tem sempre quem fale que essas sessões de preparação camuflam, como corriqueiramente acontece — no ano passado, por exemplo, a Williams parecia brigar pela ponta, e o máximo que conseguiu no fim das contas foi ficar à frente de Honda e Force India; a Super Aguri nem vale. Mas a própria mudança na área técnica mais a proibição dos testes durante a temporada são dois fatores que derrubam as teses de que alguém possa estar escondendo o jogo. Sem contar o cenário da crise mundial, em que patrocinadores parecem pressionar as equipes para que suas marcas brilhem na mídia a fim de honrarem seus milhões aplicados. Aparecer na frente é bom. Mesmo com uma troca de comando, a McLaren não se sujeitaria à vergonha de deixar seu campeão mundial ser lanterna na presença de todas as rivais. Da mesma forma, Ross Brawn, por mais que não tenha mostrado nenhum parceiro em seus carros no tempo em que pôde treinar, não tem o perfil de um Tom Walkinshaw da vida.
Tem, também, aquelas informações que brotam aqui e ali. A McLaren já viu que não vai longe com esse carro e, mesmo sem um teste real, pretende levar um novo pacote para a Austrália. Não é blefe, como acha Bernie Ecclestone. A asa traseira é o problema crônico. Foram várias as vezes que a equipe utilizou a peça de 2008 para ver onde é que estava perdendo em velocidade. Até o assoalho do carro foi modificado. A resposta viu-se no alerta vermelho. Pobre da Force India, que vai pagar o preço de uma McLaren ruim quando tinha tudo — dinheiro, principalmente —, para deixar a rabeira da F-1. A McLaren tende a esquecer sua versão B até que resolva seus bugs. Devem andar ali junto com a Williams.
A Red Bull chegou com pompas e de início impressionou. Primeiro por seu bico fino, pincelado por Adrian Newey; segundo pela beleza — que é discutível diante destes carros à la F-Qualquer-Coisa Jr.; terceiro pelos primeiros resultados, vindos unicamente do ótimo Sebastian Vettel. Os quatro dias no começo do mês em Barcelona acabaram jogando o time A de Dietrich Mateschitz ao lugar que vem ocupando há algum tempo, o intermediário. E o intermediário Mark Webber já sacramentou: "Os outros desenvolveram seus carros melhor do que nós". Então, conclui-se que a Toro Rosso, com os Sébastiens Bourdais e Buemi, deva seguir caminho parecido. São carros iguais, o RB5 e o STR4. Só muda o motor, um ou outro detalhe. A história de que usa só alguns dados é cascata.
Vettel era da Toro Rosso, agora está na Red Bull: mais do mesmoPouco à frente está a Renault. Para quem se pergunta na F-1 como a equipe evoluiu o R29, de asa bojuda, até de certa forma grotesca, a resposta é uníssona: Fernando Alonso. Tem quem o ache favorito. Difícil. Mas para quem foi o melhor da segunda metade do campeonato passado com um carro inferior, nada impossível.
A BMW, se não é um arroubo de velocidade, também não errou a mão. É uma que até pode estar maquiando alguma coisa, questão de detalhes. É vista como uma das favoritas, até porque cumpre suas metas e tem gente competente no comando. Vai brigar com a Ferrari, provavelmente com a dupla mais forte do grid, com um Felipe Massa fortalecido e na condição de ídolo nacional e um Kimi Raikkonen refeito do apagão do último ano. Também com a Toyota, finalmente com jeito de quem fez trabalho bem-feito — aliás, não deixa de ser curiosa a situação da maior montadora do mundo: quase se retirou da F-1, como fez a concorrente Honda, e pode ser uma das ponteiras.
E com a Brawn. Se a Toyota desperta curiosidade, a Brawn é quase um caso mediúnico. Uma escuderia que tem quase um mês de vida, que andou pouco, que só pegou o projeto que a Honda tocaria e pôs em prática. Dos sete dias que testes dos quais participou, foi líder em quatro, dois por cada piloto. Barrichello é um ressurgente, fadado à aposentadoria desde o GP do Brasil do ano passado e vencedor da disputa contra o favorítissimo e preferido Bruno Senna. Esqueceu os seis anos de Ferrari e, apaixonado pelo BGP 001, revelou tratar-se da maior chance de sua vida de ser campeão. Esbanjou otimismo ao acreditar que pode vencer. Jenson Button é favorito nas casas de apostas da Austrália.
Massa chegou a comentar com amigos sobre a Brawn: "Eles tão f..." A Ferrari verificou em seus dados que a desvantagem para a Brawn é de cerca de 0s8. Os italianos acham que o difusor da Brawn, como da Williams, também infringe as regras. O que pode pesar, literalmente, é o KERS, o tal sistema que recupera a energia de freadas e transforma em potência de quase 80 cv por quase seis segundos durante uma volta. A questão é que quem quer o KERS vê seu carro ganhar 30 kg. A Renault e a McLaren também vão usar o dispositivo, optativo neste primeiro ano.
Se todo esse cenário suscitava ansiedade para saciar todas as interrogações, a FIA e FOM quase estragaram. Após ouvir o público e a Fota, que pediam alterações no sistema de pontos, a dupla Pink e Cérebro, Max e Bernie vieram com o papo de dar o título a quem obtivesse mais vitórias no ano. Logo a polêmica regra tomou conta do mundo. O muxoxo tomou conta de todos quase que por unanimidade. Seria como, comparando com o futebol, valorizar o mata-mata em vez dos pontos corridos. Seria como o Santos de 2002, oitavo colocado na fase inicial, campeão brasileiro. Três dias depois do anúncio da implantação do sistema, veio sua retirada. A FIA cedeu à pressão da Fota, que alegou ato ilegal. E o formato "vitória ou nada" só aparece em 2010.
Sem testes ao longo da temporada, as equipes vão valorizar as sextas-feiras, as três horas outrora inúteis. Esta primeira da Austrália, ainda na noite de quinta do Brasil, vai ser de uma utilidade ímpar. Vai começar a mostrar qual é que é a da F-1 2009. E aí, dependendo dos resultados, é capaz de depois muita gente se reunir em torno de uma mesa, cara de espanto, copo americano e cerveja na mão e perguntar: "Mas e aí?"
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