Virou show...
Depoimento de casal suspeito no caso Isabella vira 'espetáculo' na zona norte de SP Ana Luisa Bartholomeu
Em São Paulo
A convocação do casal Alexandre Nardoni, 29, e Anna Carolina Jatobá, 24, para prestar novos esclarecimentos à polícia sobre a morte de Isabella Nardoni, 5, teve ares de 'espetáculo' na manhã desta sexta-feira (18) na região do Carandiru, zona norte de São Paulo. O palco foi o 9º DP (Distrito Policial), na rua dos Camarés, delegacia que concentra as investigações do caso.
Um esquema de segurança foi montado pelas polícias Civil e Militar no local, com a colaboração da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego). O trânsito no local foi interditado, e apenas carros da polícia e veículos de imprensa puderam, com grande dificuldade, trafegar. Jornalistas invadiram casas vizinhas e disputaram espaço em suas sacadas e telhados. Quatro banheiros químicos e uma tenda foram disponibilizados aos presentes. E a área que fica em frente à delegacia foi dividida em três partes, que separavam policiais, jornalistas e populares, em grande número, no local. Muitos, inclusive, não respeitaram as restrições impostas pelo policiamento e avançaram em 'território proibido' por diversas vezes.
Nem mesmo o discurso apurado de Joaquim Pereira impediu que ele, um ex-policial, levasse um 'pito' dos fardados por tentar se misturar aos jornalistas. "A curiosidade foi maior. Queria ver a cara deles", disse, refereindo-se ao casal suspeito, após um carro do GOE (Grupo de Operações Especiais) encostar na porta da delegacia. Seriam Alexandre e Anna Carolina? Alarme falso.
A pensionista Odette Vaz, que mora há 38 anos no bairro, tentou burlar a segurança usando a 'amizade' com alguns repórteres, conquistada por comparecer todos os dias, desde a data do crime (29 de março), à delegacia. "Eu não durmo direito desde aquele domingo. Quero que se faça justiça. Só isso", disse, exaltada.
"A imprensa pára esses caminhões na frente da minha casa, das 6h às 23h. Quase fiz um boletim de ocorrência contra eles, no começo da apuração do crime. Mas depois percebi que estavam fazendo um bom trabalho e agora trago até fruta aqui para eles", disse, deixando transparecer segundas intenções. Foi impedida, pela terceira vez, de ultrapassar a faixa amarela.
O acompanhamento 'in loco' do caso fez também com que Odette ficasse amiga de Regiane Alves, recepcionista, e Neusa dos Santos, aposentada, outras moradoras do bairro. Para elas, que se encontram ali todos os dias, as provas contra o casal já são mais do que suficientes para condená-los. "Eu venho aqui só para olhar para a cara deles. São uns dissimulados! Quero vê-los algemados!", desabafou Neusa. Ex-funcionária pública, Neusa tentou a famosa 'carteirada' para chegar mais perto da porta da delegacia, sem êxito.
Já Regiane, que passou no local 'só para espiar' quando estava a caminho do trabalho, acabou ficando até a chegada dos Nardoni. "A minha rotina mudou desde que esse crime aconteceu. O bairro respira a morte de Isabella. Nem que eu quisesse conseguiria me esquivar", explicou, olhando para o relógio e concluindo que chegaria atrasada ao trabalho.
Segurando cartazes de protesto, Luciana Guerra, que mora na rua paralela à delegacia, queixou-se também do rebuliço no bairro. Segundo ela, a overdose na cobertura do caso tem influenciado o comportamento do filho, de 12 anos. Mas mesmo assim, ela estava lá, de guarda. "Não consigo evitar que meu filho saiba dessa história horrorosa. Está em todos os lugares: TV, rádio, Internet e nas conversas de rua. Eu nunca vi nada igual aqui na região", disse. A dona-de-casa disse que a idéia de fazer os cartazes foi do filho. "Ele me pediu dinheiro para comprar a cartolina e escreveu. Vive dizendo que quer descobrir quem foi que matou a menina. Até na escola eles brincam disso", contou, indignada.
Empunhando folhas de papel rabiscadas, a vendedora Lucimeire Gomes Castilho explicou que faltou ao trabalho hoje por 'um motivo maior'. "Estou fazendo um abaixo-assinado. Luto contra a impunidade e a violência no nosso país. Quantas Isabellas vamos ver morrer por dia? Só saio daqui quando rolar cadeia. Vou até o Lula se for preciso", bradou.
Os fatores que envolvem o crime levaram o estudante de psicologia Rodrigo Gonçalves ao local do depoimento. "É uma história que mexe com a opinião pública. Envolve criança, família, classe média e um crime bárbaro. Até estudamos o caso na faculdade", falou, tentando achar o porquê de tanta especulação sobre o caso.
A movimentação no local atraiu inclusive vendedores ambulantes. A repórter contabilizou pelo menos oito. Vendiam algodão-doce, refrigerante, água e sorvete. Marili Oliveira, sorveteira, até reclamou da concorrência. "Não consegui vender muito, não. Tem concorrência brava por aí. Eu ainda sou do bairro, mas tem uns aí que vieram de longe", denunciou. João Cardoso, do algodão-doce a R$ 1, mantinha a exclusividade. Entretanto, disse que não estava lá para vender, e sim para distribuir a guloseima às crianças. "Já fui à missa dela [Isabella], na Candelária. Distribuí os doces lá. São apenas crianças..."
O "caso Isabella" despertou a ira de alguns, que já julgaram o casal antes mesmo da conclusão das investigações. Rouca antes mesmo da chegada do casal, a garçonete Cenilda Lima não se cansava de gritar: 'Cadeia é pouco'. "Eles ainda vão comer e beber às nossas custas. Tem que soltar na rua e deixar que a gente cuide." Opinião parecida esboçaram os operários Cícero, João e Ronaldo, que gastaram a hora de almoço à espera de Alexandre e Anna Carolina. Para eles, a Justiça 'tarda e falha' no Brasil. "Tem que deixar nas mãos de Deus e dos homens."
Aos gritos de 'assassinos' e ao som de muitos palavrões, o casal chegou ao 9º DP por volta das 11h. Portando câmeras fotográficas e celulares, os curiosos tentaram registrar o momento e causaram empurra-empurra. Os policiais tiveram que o avanço por pelo menos duas vezes.
Em meio a um emaranhado de cabos, fios e microfones, dezenas de jornalistas que haviam chegado ainda cedo ao local para reservar seu espaço aglomeraram-se sobre a grade de ferro. Profissionais de pelo menos dez emissoras de TV nacionais, todos os jornais diários de grande circulação do país, rádio, Internet, revistas semanais... todos fizeram-se presentes. Buscavam boas imagens e declarações dos envolvidos. Estas últimas em vão. Todos entraram calados na delegacia. Só falam em juízo.
Escoltado por um comboio policial, o casal suspeito entrou rapidamente no 9º DP, para a revolta dos que passaram a manhã por ali tentando ver, ouvir ou descobrir algo novo sobre a morte de Isabella, estrangulada e jogada do sexto andar do edifício London. Acabada a correria, um pequeno grupo iniciou um 'Parabéns à você' para a menina, que completaria hoje seis anos.
Fonte:
http://noticias.uol.com.br/ultnot/2008/04/18/ult23u1958.jhtm