Isso já virou uma novela.
Caso Isabella: quando a morte vira um espetáculo
http://www.brasildefato.com.br:80/v01/agencia/entrevistas/caso-isabella-quando-a-morte-vira-um-espetaculoTatiana Merlino da redação
A morte da menina Isabella Nardoni, de cinco anos, foi transformada em uma telenovela, que a cada dia traz uma novidade da trama. “Mas como o processo desse caso nem sempre traz coisas novas a todo dia, há uma busca por boatos e fatos sem relevância que vão recheando as informações”, afirma o professor Dennis de Oliveira, doutor em Ciências da Comunicação pela USP e coordenador do curso de especialização em Mídia, Informação e Cultura da mesma universidade.
Brasil de Fato – Como o senhor avalia a maneira que a mídia está cobrindo o caso da morte da menina Isabella?
Dennis de Oliveira – Acho que está havendo uma espetacularização do fato. Os jornais estão trabalhando na perspectiva de construir uma grande trama novelística, na idéia de ter a cada dia uma novidade (...) A partir do momento que esse processo vira dramaturgia e é novelizado, acaba causando essa histeria, essa postura de linchamento que a população está tendo em relação aos acusados, suspeitos.
-Essa narrativa de novela segue a lógica de dar todos os dias uma informação nova, mesmo que não haja uma novidade?
-Sim, de criar uma trama diária. Por exemplo, a cada dia, boatos, insinuações e informações não comprovadas acabam tendo um destaque que não teriam se o assunto fosse outro. Na busca por ter sempre um espaço diário e de criar essa narrativa, informações que não são comprovadas e que não tem relevância acabam tendo um espaço de notícia.
-A que o senhor atribui essa espetacularização do caso?
-Acho que é reflexo da crise do jornalismo tradicional, que perdeu de vez aquela função de fomentar o debate público, e cada vez mais está se aproximando dessa linguagem midiática do espetáculo para manter seus leitores. Como existe essa pressão comercial para o jornal vender e para manter a audiência, a busca por uma linguagem que é mais familiar, que tem mais apelo popular como a linguagem da teledramaturgia acaba sendo a saída para o jornalismo. Com essa preocupação cada vez maior de vender, ter lucros, inserção na vendagem - uma preocupação cada vez maior e que até se sobrepõe à preocupação social do jornalismo- acaba levando a esse tipo de estratégia, de incorporar uma dimensão mais da teleficção.
(...)Esse exagero na cobertura da imprensa pode ser explicado pela concorrência entre as emissoras?
-Sim, o mercado acaba levando a isso. Cada um fica tentando tirar uma casquinha do ponto de vista do mercado desse grande espetáculo. A Record cobriu quase que em tempo real a reconstituição do crime, ficou por oito horas no ar, o que é absurdo, não precisava daquilo. Não tinha nada de relevante naquela cobertura, foi apenas um grande show.
-O fato de ter sido a morte de uma menina branca, de classe média, de São Paulo influiu para o destaque dado ao caso?
O perfil dos suspeitos do crime não se enquadra no estereótipo de lugar onde acontece a violência. Se o caso tivesse ocorrido na periferia, sairia uma notinha e ponto. Porque no caso da periferia há um estereotipo de que lá a violência é mais banalizada.
Quando o caso é na classe média, acontece uma consternação, como houve no caso de Suzane von Richthofen. Há um perfil tanto de lugar, o prédio o bairro, as pessoas, que não se enquadram naquele estereótipo de onde acontece a violência. Então, o que mobiliza a imprensa é essa idéia de consternação com isso. O público pensa “Podia ser eu”, e questiona “por que uma pessoa como essa poderia ter essa atitude”?
A consternação e a postura histérica acontecem porque esse padrão de vida da classe média de comportamento, de valores que são a referência para o discurso da grande imprensa, acaba mostrando sua limitação quando acontece uma coisa como essa. Daí a consternação e a explicação do caso por meio da demonização da pessoa.