Não necessariamente
O que tem causa são as coisas criadas por Deus, ou seja, energia e matéria. Essas coisas que deram causa a tudo que tem causa física.
Se Deus fosse algo criado a partir das coisas que ele próprio criou, ele seria posterior a sua criação. Ele seria um efeito do seu próprio poder.
É que essa pergunta remete ao velho argumento de Aristóteles da impossível regressão infinita.
- Tudo tem uma causa e nada é causa de si mesmo.
- Portanto o universo não é causa de si mesmo.
- Logo o universo tem uma causa exterior a ele.
- Não pode haver uma regressão infinita para as causas do universo, então a causa do universo é incausada. É Deus, o movedor imóvel.
Aristóteles pode ter sido um grande filósofo, mas não deixou de ser um homem do seu tempo. Como todo homem, limitado pelo conhecimento e preconceitos de sua época. Assim abraçou muitas convicções que pareceriam estúpidas até para uma criança de hoje.
Disse que as mulheres tinham menos dentes que os homens e que alguns homens nasciam para ser escravos. Achava que enguias não se reproduziam e assim como acreditou ter provado por pura lógica a existência de Deus, também achou ter provado por pura lógica que a Terra não se movia.
O problema com o argumento teísta de Aristóteles é mesmo a petição de princípio.
Todos os fenômenos que um homem do tempo de Aristóteles podia observar e conhecer eram causados por outros fenômenos. E estes, por sua vez, por outros fenômenos... Mas aí já há uma petição de princípio implícita: a de que toda a realidade se limita ao que pode ser observado ou concebido pela mente humana. Que se o homem não pode nem imaginar algo, então este algo é impossível.
Ora, então se a mente humana fosse tão limitada quanto a mente de um macaco, não poderíamos conceber coisas como o Cálculo Diferencial e Integral e a máquina a vapor. O que evidentemente não significaria serem impossibilidades.
Mas até onde vão os limites da mente humana? A realidade de fato espelha a forma como o Homem a concebe?
Nós podemos conhecer os limites da mente de um macaco, e observar aquilo que existe, que é real, mas que o macaco jamais irá conceber. Coisas que jamais existirão para um macaco, que nem mesmo poderiam ser explicadas ou imaginadas por este ser que é racional sim, porém intelectualmente mais limitado que nós.
No entanto, assim como o macaco não pode nem imaginar aquilo que ele não concebe que exista, a mente humana também não pode transcender a si mesma e alcançar o que estiver além dos seus
limites. Portanto pode e deve haver um limite para o raciocínio, e o homem não poder conceber um fenômeno incausado não é de forma alguma prova de impossibilidade de existir fenômenos sem causa.
Postular esta impossibilidade já é uma petição de princípio: "É impossível fenômeno incausado, logo o universo tem uma causa". A conclusão só é verdadeira se a premissa for verdadeira. Mas notamos que também a premissa SÓ será verdadeira se for provada que a conclusão é verdadeira.
Petição de princípio!, é preciso provar que o universo não pode existir sem causa para se afirmar não pode existir nada incausado.
Veja, para um homem do tempo de Aristóteles era impossível imaginar que medições de espaço e tempo pudessem variar de acordo com o observador. Ainda mais difícil seria conceber o espaço como algo em si mesmo. Mesmo hoje, nossa limitada mente humana, não pode realmente compreender estes conceitos Nós apenas os aceitamos como fatos porque nega-los leva à contradição com eventos observáveis, mensuráveis. Portanto temos aí a prova de que a realidade abarca coisas que a mente humana pode não conceber, ao contrário do que supôs Aristóteles.
E ele ainda continua dando grandes saltos na Lógica quando, depois de afirmar que da Natureza nada pode surgir incausado ou mesmo haver uma regressão infinita de causas, conclui que esta causa externa é precisamente Deus. Quando haveria aí um infinito leque de possibilidades, já que Deus ou qualquer outra causa externa à natureza, não estaria limitada por nenhuma lei natural. Nem mesmo o raciocínio poderia seguramente ser aplicado para inferir qualquer coisa sobre esta imaginada causa externa. No entanto Aristóteles não percebe isso e utiliza o raciocínio para fazer inferências sobre as propriedades de Deus.
Por fim pode-se argumentar que "externo à natureza" depende de um limite arbitrariamente estabelecido. Se a Natureza for tudo que existe e Deus existir, então poderíamos situar Deus como um elemento natural. Por outro lado, se o universo foi causado por uma flutuação quântica como creem hoje os físicos, e as flutuações quânticas não são causadas por nada do universo, diríamos que uma flutuação quântica não faz parte da natureza?
Seria a flutuação quântica, Deus?