É legal ver que o tópico está ficando popular! É uma surpresa agradável ver que lingüística não é um assunto só para
geeks, mas para bastante gente.
Como eu adoro o assunto, vou responder aos posts de quase todo mundo, se vocês quiserem pulem algumas partes (ficou gigante O.o). Desculpem não ter respondido mais cedo, mas minha vida tá ocupada
.
Agora, por ordem dos posts...
Fenrir, caracas! Esqueci do Omniglot, sorte que você lembrou!
The language contains some formidable consonant clusters, as may be seen in words like გვფრცქვნი gvprckvni ("You peel us") and მწვრთნელი mc'vrtneli ("trainer").
Idiomas caucasianos: tá certo, eles usam uma porrada de consoantes em seguida, como no exemplo citado. Só que tem uma gambiarra pra entender como se pronuncia: fricativas e africadas podem fazer o papel das vogais, e ser centro de sílaba. No exemplo acima, isso inclui o v /v/ e o c /ts/. Logo, dá pra dividir as sílabas de gvprckvni em gvp-rc-kv-ni. Continua exótico, continua difícil de pronunciar, mas não tanto quanto antes.
Se quiserem um exemplo de consoante silábica no português, pensem no velho "pssssst!".
...Tabasaran was once thought to be the language with the largest number of grammatical cases at 54, which could – depending on the analysis – as well be the Tsez language with 64)
A partir do momento que você entende como funcionam os casos, o resto é só decoreba. O esquema é o mesmo com seis (latim, russo) ou com 54; a diferença é que, quanto mais casos, mais específicos eles são. E tenho o palpite que, com essa porrada de casos, eles sejam bastante regulares (caso contrário, já teriam se fundido em menos casos).
Quanto ao White Meo: eu não conhecia esse idioma. Tabelinha de fonemas impressionante! Achei uma coisa interessante nele, e que vou explicar com um exemplo.
Exemplo: o mandarim tem /t/, /d/ e /tʰ/; /d/ e /t/ são alófonos, mas não importa. Você não encontra, digamos, /dʰ/ no mandarim, mesmo usando as mesmas articulações que outras consoantes usam (sonoridade, aspiração, oclusiva, alveolar). Já o white meo otimiza o uso dessas mesmas distinções, e faz de /t/, /d/, /tʰ/ e /dʰ/ como quatro consoantes separadas. Tem outras coisas, mas se vocês forem em
http://en.wikipedia.org/wiki/Hmong_language#Consonants (link do
Fenrir), vocês notam que a tabela é bastante regular, exceto pra uma distinção boba para a gente, entre /s/ e /z/.
!xóõ: não é exatamente "difícil", mas ela usa coisas que nós não usamos, como tons (quatro), cliques (pensem no barulho do Burro com os lábios, no filme do Shrek 2, que ele faz na viagem: aquele "plok!" é um clique)... em compensação, o formato das sílabas é simples, quase infantil. Um monoglota de !xóõ acharia o português complexo, por não conseguir pronunciar "prato" (bátsô? bãlátsò? kʘátsô???)
Isso entra num comentário posterior sobre complexidade de idiomas...
Dante, sobre a Interlingua, acho que ela foi mais planejada que o Esperanto. Ela não tenta ser universal; tenta servir eficazmente um público-alvo (oeste-eurasiano). Não tenta ser regular; tenta ter as irregularidades do público-alvo. Isso é meio "trapaça", mas funciona. Para mim, ela é uma tentativa de reviver o latim medieval, sem os casos, e é agradável de se ouvir (parece com algum idioma neolatino perdido, de algum lugar entre a Suíça e a Itália).
Agora, se eu fosse criar uma língua internacional, ela não seria falada. Seria apenas escrita. Seria ideográfica, com símbolos importados da lógica simbólica, da matemática, da química etc. Provavelmente não incluiria no vocabulário indexais como pronomes
Não acho ideogramas uma idéia aplicável, são muita coisa para decorar. Sistemas simples e analíticos são mais interessantes. Veja o caso da Química: não se usa milhões de símbolos moleculares, pega-se os átomos (que são só cento e poucos) para descrever as moléculas.
Se você for criá-la um dia, tenho uma idéia para ela. Espécies biológicas não precisam ter "nomes"; os "nomes" seriam números que indicam imediatamente seus táxons. Batendo o olho em um número de espécie desconhecido, você vai saber "bom, é neomura, animal, cordado (...) e parente próximo da espécie X".
Dê uma olhada no exemplo abaixo. Note que o ramo superior leva sempre "0" e o ramo inferior "1" (qual fica em cima, qual fica embaixo, é arbitrário). Seguindo da direita pra esquerda, cada espécie acumula números:
Girafa: 0000
Cavalo: 0001
Rato: 001-
Galinha: 0100
Pato: 0101
Urubu: 011-
Camarão: 1---
São todos números binários, e o mais interessante, únicos a cada espécie. Como o exemplo tem só 7 animais, os números ficam pequenos; com mais animais, vão ficar gigantescos, certo? Errado, é só convertê-los para hexadecimal (0000=0, 0001=1, 0010=2... 1110=E, 1111=F). A conversão de hexadecimal para binário e vice-versa é tranqüila, e facilmente automatizável.
Há uma tribo que vive perto da fronteira Brasil/Colômbia que conjuga os verbos conforme as evidências que suportam a afirmação. Há uma conjugação diferente conforme:
-eu vi com meu olhos
-eu sei porque ouvi ou senti ou cheirei
-eu ouvi dizer
-eu deduzi por causa de outros fatores
Etc.
Fernando, tenho o palpite que o idioma que você fala é parente do quéchua, ou influenciada por ele:
One of the most interesting features of Quechua is what we might call 'attitude particles'. For instance, -m(i) expresses personal knowledge:
Tayta Wayllaqawaqa karpintirum
Mr. Huayllacahua is a carpenter (I know it for a fact).
By contrast -s(i) expresses hearsay knowledge:
Tayta Wayllaqawaqa karpintirus
Mr. Huayllacahua is a carpenter (or so I've heard).
(Tirado de
http://zompist.com/quechua.html )
E siiiiiiiim, ver políticos sendo obrigados a distingüir entre "ouvi falar", "sei por conclusões" e "eu vi acontecer", ou coisas do tipo, seria divertido...
Fenrir, post
../forum/topic=17361.25.html#msg348508Complexidade lingüística, complexidade tecnológica e QI são três coisas que, se interferem uma na outra, é desconhecido.
Não acho que idiomas "complicados" sejam pré-tecnológicos; o húngaro é um exemplo, o mandarim é outro.
Tampouco acho que exista idiomas realmente complicados, há muito do viés "falante de idioma indo-europeu" nisso, hehe. Conjugações verbais do português são complexas e barrocas, nem por isso lembramos como elas são complicadas (exceto para tu/vós, mas ninguém as usa
)
Testes culture-fair não são realmente culture-fair.
Há duas hipóteses Sapir-Whorf: uma, a "forte", diz que você somente se comportar e entender aquilo que a sua linguagem permite expressar. Se você não tem uma palavra para "mentira", você não consegue mentir, por exemplo. Até a gorila Koko* refutou essa: ela não tem uma palavra para "mentira", mas mentiu a sua tutora que um assistente da tutora quebrou um dos brinquedos dela. Quando foi, na verdade, a própria Koko num chilique.
(*Koko foi educada para entender e reproduzir sinais, e é esperta pacas.)
Outra refutação foi feita por Vigotski, que definiu pensamento e verbalização como coisas diferentes, e que o grande "tcham" do ser humano é conseguir juntá-las às vezes.
A outra, "branda", diz que o idioma interfere, apenas isso. Não é lá muito útil, entretanto.
(
uiliníli, post
../forum/topic=17361.25.html#msg348732 )
Mas aproveitando para jogar lenha na fogueira, deixa eu levantar uma hipótese para vocês malharem: talvez o fato de esses povos se saírem mal em testes ditos culture-fair sejam conseqüência justamente da complexidade de seus idiomas; afinal, pela necessidade de lidar com uma lingüagem tão complexa, de alguma forma o cérebro deles esteja "otimizado" para a linguagem em detrimento de outras funções, como, sei lá, raciocínio matemático e espacial, por exemplo. Será que isso faz sentido?
Acho que não. O cérebro tem áreas bastante específicas para linguagem, como a Área de Broca (coordenação da fala) e de Wernicke (compreensão verbal). Embora o cérebro desses falantes possa estar mais adaptado, com mais sinapses, nestas áreas, acho que isso não prejudicaria as outras de forma alguma. Acho apenas que, plausivelmente, os sujeitos não entendem o teste da forma que "deveria" ser entendido, algo como o que o
Dante propôs.
Fenrir, matemática é essencialmente lógica, e a lógica em si depende muito de símbolos. Isso não quer dizer que você vá pensar ou agir sem lógica só por não ter os símbolos; mas você não consegue expressá-la.
Agnostico, os testes de QI servem para medir a inteligência de uma pessoa.
Inteligência é definida como o que você obtém aplicando um teste de QI. Hehe. Circular ao extremo.
O nome "indo-europeu" é por causa de três idiomas: sânscrito (indiano), latim e grego (europeus). Quando um cara chamado Franz Bopp começou a comparar os três, as regularidades e semelhanças entre eles fizeram-no concluir que os três idiomas eram parentes.
Só um exemplinho corriqueiro, compare pitä (sânscrito), pater (latim) e patër (grego), que são as palavras para "pai" no português: são bastante parecidas, e se você considerar que a maioria das palavras com "er" no latim têm equivalentes com "a longo" no sânscrito, de uma forma bastante regular, você conclui que eles realmente têm alguma relação.
Mais tarde, a família indo-européia foi ganhando mais membros, filhos desconhecidos, como o proto-germânico, o proto-eslavo, o armênio e cia. Atualmente, o nome continua coerente, pois é falada essencialmente nas penínsulas européia e indiana. Havia todo um
continuum, que ia de Portugal a Bangladesh, no qual de falava idiomas indo-europeus; mas os turcos (altaicos) quebraram-no
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Fenrir e
Fernando, estão ambos certos: os sistemas de escrita hebraico e latino surgiram de um mesmo ancestral, fenício. E realmente, os hebreus usam um abugida e não um alfabeto, só que a fronteira alfabeto/abugida não é lá muuuuuito nítida.
Acontece o seguinte: os fenícios eram semitas, assim como os hebreus. E semitas têm o esquema de triliterais que eu falei, lembram? No caso dos hebreus, a importância das vogais é mínima; então, era conveniente só marcar as consoantes e marcar as vogais quando realmente necessário.
Já no caso do grego (é, grego)... como idioma indo-europeu, vogais são realmente importantes, e diferem entre palavras com significados muito diferentes. Os gregos então fizeram o seguinte, pegaram os símbolos fenícios para consoantes que eles não tinham e tacaram nas vogais.
O alfabeto latino surgiu em base do grego, e herdou suas características.
Ufa, acabou!