Se partimos do princípio da empatia, por coerência, talvez. Se o que determina a empatia com outro ser humano é o sistema nervoso em comum, ou talvez mais especificamente o fato dessa similaridade representar uma similaridade de experiência como indivíduo, é turva essa linha entre "nós" e "eles". Um congolês canibal poderia perguntar, "por que traçar a linha entre humanos e não-humanos é mais ético do que entre pigmeus e não-pigmeus?" Ou "entre humanos mentalmente saudáveis e os humanos retardados", para um canibal que tivesse os retardados como prato de escolha por razões éticas.
Não do ponto de vista da linha que separa o sistema nervoso humano dos outros. Pigmeu ou não pigmeu, mentalmente saudável ou não, o sistema nervoso é o mesmo. O congolês canibal pode até defender que seu sistema é mais ético, mas o que ele está defendendo é um sistema completamente diferente baseado em seus próprios critérios, não uma linha turva no que separa humanos de não humanos.
Eu não disse que há uma "linha turva" entre o que o canibal defende e o que a maior parte das pessoas defendem, mas que é similarmente arbitrário traçar a linha entre humanos e não-humanos entre tipos de humanos.
Se não tentar tangenciar o verdadeiro critério com aproximações problemáticas (DNA, espécie, etc), a defesa do pigmeu será de que "ele é como nós" em sua experiência de ser um ser vivo. Pensamos em como seria ser um pigmeu, não é algo absurdo, como pensar como seria ser uma árvore ou uma pedra. O mesmo vale para boa parte dos animais mais próximos, ainda que tenhamos que fazer analogia com quando somos bebês ou talvez pessoas com problemas mentais, sem desenvolver a linguagem e um boa parte daquilo que faz parte de todo potencial humano.
Bem, eu não vejo a consciência nesse sentido de uma elevada capacidade de compreensão e convivência social mais elaborada como o determinante e empatia, mas sim a "experiência subjetiva" comum num nível mais básico mesmo, e comum não só entre aqueles que já atingiram certa maturidade intelectual, mas também a bebês, crianças, pessas com problemas mentais, chimpanzés, outros grandes macacos, indo daí por diante ainda um um bom bocado sem que as coisas fiquem muito nebulosas, onde acho que ainda se pode assumir que o que há em comum no sistema nervoso deve permitir uma experiência essencialmente "homóloga" a que temos como seres humanos, ainda que com suas diferenças diversas.
O que não deixa de ser completamente subjetivo e ainda coloca a linha bem distante de separar seres meramente "com sistema nervoso" e "sem sistema nervoso". Ou seja, colocar a linha aqui é algo completamente arbitrário e sem nenhuma razão lógica para ser considerada mais ética ou moral do que colocá-la separando os humanos dos não humanos, os que o sistema nervoso possibilita capacidade plena de autoconsciência dos que não possibilita, ou, como você considera, numa versão mais estendida, dos humanos e alguns animais que guardem similariades como grandes símios do resto.
Não gosto de ter que ficar defendendo o que eu não defendo, ainda mais quando eu nem defendo nada claro nessa área, mas não é totalmente subjetivo.
Acho que tem a ver com o sofrimento presumido. Causar sofrimento em outro ser, como algo potencialmente imoral, é algo sobre o qual, ainda que talvez não seja exatamente um ponto de partida em comum entre essas "duas" perspectivas, deve haver quase que um consenso. A menos que se veja também com total naturalidade qualquer tipo de crueldade com animais, por mero prazer (além do paladar), o que suponho ser até que bastante incomum, mesmo para os onívoros convictos.
Sendo esse um ponto em comum, e sendo o sistema nervoso responsável por, dentre outras coisas, o sofrimento de um animal em certas formas de abate, não é exatamente arbitrário esse critério, para a questão moral.
É de qualquer forma algo bastante nebuloso, não faço idéia se seres como uma estrela do mar ou uma água-viva têm uma experiência suficientemente análoga a que conhecemos como sofrimento. Desse ponto de vista pode-se até considerar arbitrário de certa forma, mas aí acho meio parecido com a questão dos pró-vida versus pró-escolha.
Há os pró-escolha mais radicais, onde, praticamente desde que não esteja em trabalho de parto, é possível falar em aborto. Há os que defendem o critério de uma certa maturidade do sistema nervoso, e há aqueles que defendem meramente a sua formação mais básica, do tubo neural ou só um pouco mais que isso. Depois disso, há quase só os pró-vida estritos, e suas variações diversas.
Acho essa perspectiva vegetariana de sistema nervoso mais ou menos análoga a de ser pró-escolha com o critério da formação do tubo neural. Não é o critério que eu pessoalmente tenho (que acho mais análogo ao da atividade cerebral, que por acaso ou não, é o meu critério pró-escolha também), mas é suficientemente similar para que eu não veja como totalmente arbitrário, é meio que uma "margem de segurança", ou de empatia, maior.
Quanto a ficarem trompeteando serem os únicos detentores da moral e etc, "sou contra", de qualquer forma, nem estava me passando isso pela cabeça na maior parte do tempo.