Bom, se ainda restava uma pequena margem de dúvida sobre o marxismo ser ou não pseudociência, essa pequena margem de dúvida acabou de ir embora.
Por quê?
Porque é algo tão característico e universal entre todos os defensores de pseudociências (psicanálise, homeopatia, astrologia, medicina ortomolecular, espiritismo, parapsicologia, etc) atacarem a própria ciência e razão quando se vêem sem argumentos científicos e racionais.
É algo altamente previsível. Tenha certeza quem estiver lendo que verá qualquer adepto dessas pseudociências citando Kuhn, Feyerabend, Rubem Alves, Japiassu, Richard Rorty, Capra e outros porta-vozes da anti-ciência.
Não quero discutir anti-ciência nesse tópico pra não desvirtuá-lo. Há outros mais apropriados.
Marxismo não é ciência , nem nunca foi. Porém sempre foi propalado como tal ( vide Althusser).
Sob o termo marxismo estão incluidos uma problemática ( a questão da alienação humana) , uma metodologia ( o materialismo histórico) , uma filosofia da história ( a luta de classes como motor e a dialética como lógica da História) , um modelo de análise econômica do capitalismo ( mais-valia , tendência decrescente da taxa de lucro , ...) e uma meta politica derivada ( o socialismo).
Este conjunto que se compõe de partes heterogêneas cujo valor ( e por conseguinte validade) são desiguais , algumas se mantêm outras se tornaram superadas.
A colocação do "socialismo científico" é ao mesmo tempo uma reação de Marx ao componente utópico e subjetivo das propostas de reforma social então predominantes ( como as de Fourier e Owen) e também um reflexo do cientificismo dominante no séc. XIX - embora divergentes tanto o Marxismo como o Positivismo comtiano são herdeiros das Luzes.
Não vejo como sem sentido. Entendo a ideologia como uma forma de por suas idéias, convicções e etc, em ordem tornando-as coerentes entre – si. Você pode tanto adotar uma como criar a sua, penso eu. Também não vejo como contraproducente, porque não entendo a ideologia como algo exclusivamente dogmático, fechado, hermético, mas sim uma forma de organizar suas idéias. O problema, e ai concordo com você, é quando se coloca a ideologia como algo absoluto, incapaz de errar e etc, sendo a única resposta para todos os dramas humanos ou para alguma área em específico destes. Isso impede o senso crítico e acaba por alienar a pessoa, ai sim a vejo como algo danoso e, em suas palavras, contraproducente. Mas, organizar suas idéias de forma a criar ou pelo menos tentar criar um todo harmônico não me parece errado, arriscaria dizer que é até natural, já que desconheço alguém que não o faça ou que já tenha conseguido deixar de fazê-lo, por isso que considero algo a ser policiado e que deva vir acompanhado de honestidade intelectual.
Na verdade, de uma forma geral, penso que a valoração da ideologia como algo exclusivamente pejorativo e a afirmação de que se possa ser isento a uma como mais danoso do que reconhecer seu uso, sua existência. Porque, no momento em que se julga isento de uma ideologia, você pode vir a afrouxar sua vigília e acabar por adotar alguma sem ao menos ficar sabendo, assim, cego para as limitações que a acompanham. Sem contar que pode, também, acabar por ignorar certas interpretações simplesmente por identificar o uso de alguma ideologia e não pelo trabalho, em si, ser falho.
O conceito que Agnóstico tem de ideologia como um conjunto de crenças que levam a deformar a realidade e a deturpar a análise desta é , na verdade , a formulação clássica feita por...Marx. Para este ideologia é uma forma de "falsa consciência" que leva a avaliar a realidade de forma deturpada , o seu oposto é a Ciência que permite uma apreensão não deformada da realidade.
A consciência [das Bewusstsein], nunca pode ser outra coisa senão o ser consciente [das bewusste Sein], e o ser dos homens é o seu processo real de vida. Se em toda a ideologia os homens e as suas relações aparecem de cabeça para baixo como numa Camera obscura, é porque este fenómeno deriva do seu processo histórico de vida da mesma maneira que a inversão dos objectos na retina deriva do seu processo directamente físico de vida.
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Lá onde a especulação cessa, na vida real, começa, portanto, a ciência real, positiva, a representação da actividade prática, do processo de desenvolvimento prático dos homens. Cessam as frases sobre a consciência, o saber real tem de as substituir. Com a representação da realidade, a filosofia autónoma perde o seu meio de existência. Em seu lugar pode, quando muito, surgir uma súmula dos resultados mais gerais que é possível abstrair da consideração do desenvolvimento histórico. Estas abstracções não têm, separadas da história real, o menor valor. Só podem servir para facilitar a ordenação do material histórico, para indicar a sequência de cada um dos seus estratos. Mas não dão, de modo nenhum, como a filosofia, uma receita ou um esquema segundo o qual as épocas históricas possam ser ajeitadas ou ajustadas. .
K.Marx e F. Engels , A Ideologia Alemã fonte:http://www.marxists.org/portugues/marx/1845/ideologia-alema-oe/index.htm
A concepção de ideologia não como uma deturpação da realidade ( e seu valor pejorativo associado) mas como "conjunto de idéias, pensamentos, doutrinas e visões de mundo de um indivíduo ou de um grupo, orientado para suas ações sociais e, principalmente, políticas" e que , portanto , não tem
a priori valor positivo ou negativo constitui uma reformução do conceito marxista original feito tanto por marxistas ( Lenin e Gramsci , principalmente) como por não-marxistas ( Karl Manhein). Em sua obra
Ideologia e Utopia Manheim define "ideologia" como o conjunto de concepções que têm um caráter conservador e de "utopia" as que têm um caráter transformador ,usando o termo "ideologia total" para se refrir ao conjunto de ambas ; na década de 60 Althusser incorpora elementos da psicanálise de Freud e Lacan à sua análise da ideologia para considerar que esta é inescapável por derivar de elementos do inconsciente.
E concordo contigo Velho em achar que considerar ideologia apenas sobre o conceito pejorativo não é adequado , já que teremos sempre a tendência de considerar ideologia aquilo com que não concordamos , não atentando para o efeito que nossas própias concepções têm sobre nossas avaliações. Assumir que todos temos concepções ideológicas e que estas são inevitáveis pela própia forma como a psique humana é constituida permite que sejamos cautelosos e busquemos a validação das proposições sobre a realidade fora da esfera subjetiva , não confiando na " honestidade intelectual" ou no " esforço sincero".
Por outro lado concepções ideológicas muitas vezes permitem que aspectos da realidade sejam observados e que não são visíveis para outros. Como exemplo lembro o
Casa Grande e Senzala de Gilberto Freire , onde a valorização prévia pelo autor da mestiçagem permitiu que - na contramão das concepções etnocêntricas e racistas da época - ele detectasse a grande contribuição cultural africana na formação da sociedade brasileira ; ao mesmo tempo e pelo mesmo motivo ele tende a minimizar o racismo do colonizador português e os conflitos raciais.
A decisão se tal ou qual interpretação da realidade histórica corresponde ao real ou é uma construção deturpada por fatores ideológicos não pode ser buscada dentro da concepção usada ou definida a priori , ela tem que ter critérios externos à interpretação para ser avaliada.Em caráter indicativo eu diria que:
a) a interpretação tem que se basear nos fatos , nas fontes primárias disponíveis , na forma mais ampla o possível. Embora uma compilação exaustiva dos fatos relacionados a um evento possa ser impossível pelo seu volume é necessário apresentar os considerados principais , bem como o critério que orientou a seleção.
b) a interpretação tem que se conformar aos fatos analisados e ser com eles compatível , os fatos constituem o horizonte teórico dentro do qual as interpretações podem ser construídas.
c) a interpretação tem que ser colocada para confronto e comparação com interpretações distintas. O conhecimento científico é uma construção social e é do confronto de interpretações diferentes e sua diferentes capacidades explicativas que se pode decidir qual tem maior valor de verdade.