Fala, Agnostic! Long time no see
Seria possível em toda sua argumentação trocar a palavra Direito por Medicina e a palavra advogado por médico, por exemplo. Segundo sua ideologia e visão de sociedade, a profissão de Medicina TAMBÉM deveria ser tão ou mais "reformulada" do que a profissão da área de Direito.
A profissão em si, nem tanto. O papel dela, sim, também acho que deve ser repensado com certa urgência, por motivos que não são de todo diferentes nem de todo semelhantes aos que uso para dizer o mesmo do Direito.
Isso porque o Direito basicamente define a si próprio. A Medicina é um tanto diferente, não tem como deixar de fazer concessões ao fato concreto - embora tenha por vezes resistido com determinação
No caso da Medicina, o que pega é o preço sócio-econômico das decisões tomadas. É uma questão ainda menos abordada do que a responsabilidade social do Direito. Mas é outro assunto para outra hora, como veremos:
Afinal médicos tratam com vidas, diretamente, e seus "honorários", ganhos com consultas procedimentos etc, deveriam ser tão mais "justos" quanto sua defesa em relação a um Direito mais "justo", sem falar nos erros médicos que resultam em perdas direta de vidas, seqüelas físicas e emocionais. (Saliento aqui que estou levando minha argumentação para esse lado porque parece que ela de fato tomou esse rumo).
Sim, pode-se fazer um bom argumento de que médicos
deveriam ser melhor pagos do que advogados, e professores, melhor ainda, já que sua responsabilidade é muito mais ampla e se estende por gerações inteiras.
Estou sem tempo (e mesmo sem saco, me perdoe a expressão) de ler tudo. Mas médicos também são tidos como "imunes" a questionamentos éticos, e mais imunes ainda quanto aos seus procedimentos adotados ao tratar de um paciente, além de salários que creio que você também deve considerar exorbitantes.
Nem tanto. Eu pelo menos
ouço falar de ações judiciais contra médicos com certa frequência. E contra advogados...? Não acho que seja porque médicos são tão menos éticos do que advogados.
Mas o ponto é que
mesmo que não houvesse um Direito organizado ainda assim haveria algum tipo de fiscalização dos atos médicos, por mais informal que fosse; é inevitável e necessário, precisamente porque eles lidam com assuntos tão importantes para tanta gente. Essa fiscalização também existe, de forma muito mais ostensiva, para professores. O Direito, porém, essencialmente só presta contas a si próprio...
Não conseguiram sequer arrancar o Juiz Lalau da "modesta" casa em que ele está supostamente preso... e ainda foi preciso gastar um bocado de tempo e dinheiro para refutar uma ação de Habeas Corpus completamente furada que ele teve o desplante de apresentar para apreciação e foi parar no STF, reconhecidamente sem necessidade.
Evidência avulsa, claro, mas não deixa de ser um indício de que a fiscalização interna do Direito é, se não falha, pelo menos preguiçosa. De qualquer forma não é aceitável que uma cultura inteira dependa da boa sorte de seus profissionais de Direito decidirem ter bom caráter, ainda mais quando tem tanto incentivo para deixar de tê-lo.
E também numa sociedade de renda per capita relativamente baixa como a brasileira seria de se esperar que médicos recebessem menos por seus serviços, que fossem mais altruístas. Mas espere! Para que ficarmos falando só de médicos e advogados? Todos deveriam ganhar menos e serem mais altruístas! Mas não... o ser humano não é assim, e talvez nunca será.
Por isso que eu digo que é estranha essa acusação de que
eu estou idealizando muito as coisas. Até o momento parece que são os meus oponentes neste tópico dependem de que o Direito tenha um impulso sobrenatural de tornar a sociedade melhor (teria de ser sobrenatural, já que supostamente é "errado" que o Direito preste contas à sociedade).
Me parece que o ensino de Direito nas escolas já é um passo para que ele seja melhor aplicado.
Dos fundamentos, sim. Mas o que se entende por ensino de Direito quase sempre é exatamente a especificidade. Até certo ponto é natural, já que o Direito é tão fechado em si mesmo; as linhas gerais tendem a ter validade discutível, pois a prática do Direito valoriza a exceção e a excentricidade.
De fato, a prática do Direito literalmente recompensa (e muito bem) as interpretações criativas que encontram brechas na lei. Claro que também recompensa quem procura fechá-las ou usá-las de boa fé, mas isso não deixa de ser um exemplo de um sistema que cria um problema para então resolvê-lo.
Temos leis boas em algumas áreas (nosso código de defesa do consumidor, por exemplo), mas que são desconhecidas pela grande maioria.
E por serem desconhecidas, são ineficazes, e podem inclusive ser injustas sem que muitos se dêem conta. É um dos desafios que o Direito brasileiro não enfrenta com a necessária seriedade, em parte por ser inpirado no modelo Romano; simplesmente
não se espera realmente que o Direito esteja próximo da Justiça. E nem se poderia esperar, quando seu aparato é tão claramente despreparado para uma meta tão ambiciosa.
Há quem tente afirmar o contrário, mas no fundo é mais por desejo de romper o dilema do que por convicção sincera. É da natureza humana querer respostas definitivas, mais do que respostas confiáveis.
O único problema é que o Direito está para ser ensinado nas escolas? Não é óbvio que o conhecimento de nossas principais leis já desde cedo não é o rumo para uma sociedade pelo menos um pouco mais justa?
Não, não acho nada óbvio. Acho-a mesmo uma idéia bastante exótica. Na melhor das hipóteses seria redundante; no caso mais plausível, é uma tentativa de legitimizar uma distorção de valores.
Ah, sem utopias neste momento... como, por exemplo, de que o Direito Anglo-Saxão é melhor que Romano, de que se a Fada Madrinha tivesse ditado nossa Constituição, nossa sociedade seria melhor.
O Direito Comum É comprovadamente mais legítimo do que o Romano, Agnostic. Não tem cabimento chamar essa constatação de "utopia". Até mesmo porque ele, afinal de contas, EXISTE.
Quanto ao fato de nossas leis mudarem... que ótimo! Ainda bem que o Direito é mutante! Imagina se nossa eventual "Constituição" fosse baseada nas leis absolutistas do Império Português do século XVI?
Eu não defendi em momento algum que a lei fosse estática...