Sua produção de pão se reduzirá à metade (a outra metade ninguém compraria), e você NÃO terá nenhuma outra atividade substituta para exercer nesse tempo, com esses recursos e esses funcionários desempregados que agora tem
O problema está aí. Estamos supondo que a demanda por mais coisas um dia chegará ao fim. E aí a analogia acaba falhando, na medida em que se supõe que os únicos bens econômicos existentes são pães e feijões. No mundo real, evidentemente, não é assim.
Sempre há algo mais que pode ser feito (em um mercado livre).
Perceba que se, para fins de simplificação, estamos considerando que só há dois produtos, o único comércio que pode ser realizado entre ambos é trocar pães por feijões. Se o bairro vizinho não quer mais o meu pão, o que diabos ele fará com o excedente de feijão produzido? Vamos supor que, mesmo sendo algo inútil e fantasioso em um ambiente onde haja apenas dois bens sendo produzidos, eles resolvam instituir moeda. Os moradores do bairro vizinho vendem o feijão deles em troca do dinheiro dos moradores do meu bairro. O que ele poderá fazer com o esse dinheiro se não pode comprar o nosso pão? Que valor terá para ele aquele pedaço de papel se ele não pode gastá-lo com nada que é produzido por nós? É aqui que se percebe que devemos considerar que mais coisas além de pães e feijões são demandadas.
Eu afirmei que
"a moeda de um país, para ter algum valor no estrangeiro, precisa necessariamente ser gasta, em algum momento, em algo produzido no país de origem". Você tentou contestá-la dizendo que isso não é verdade, pois "aqui não aceitam outras moedas" ou "nenhum país aceita outra moeda". Ora, mas e pelo que uma empresa brasileira que exporta para a França troca os produtos, senão por euros (troque o país e a moeda se quiser, dá na mesma)? O euro não pode ser trocado por comida, remédios, e consertos aqui, mas isso não signiica que ele não tenha valor, pois o euro pode ser trocado por essas coisas
na Europa. Da mesma forma, uma multinacional americana que vende para cá troca as mercadorias dela por reais. O real para ela dado será passado adiante, adiante e adiante, e será inescapavelmente gasto com algo produzido aqui em algum momento. E daí - tcharan! - um emprego será gerado
aqui.
Voltando à nossa situação hipotética, para ela ter algum valor como exemplo, temos de considerar que há demanda por mais coisas além de simplesmente pães e feijões, senão cairemos naquela situação onde teremos dois agentes completamente isolados economicamente um do outro. Consideremos então a demanda por laranjas (a demanda é infinita, mas consideremos apenas as laranjas para ficar mais simples). O bairro vizinho impõe uma barreira contra o pão produzido pelos moradores do meu bairro. Agora temos duas consequencias ruins para ambos os lados (a inserção de um terceiro agente complica
desnecessariamente a argumentação):
Consequencia 1 (sobre o bairro vizinho): Os moradores do bairro vizinho, não podendo mais comprar o pão barato do meu bairro, terão de sacrificar alguma coisa para produzi-los eles mesmos. Serão produzidas menos laranjas. Preços maiores e mais pobreza. Até agora você tem simplesmente
desconsiderado esse ponto fundamental. Esse empreendimento não sai de graça, não se pode gerar empregos assim do nada. Desde que a nova demanda por produção de pães não tenha surgido por alguma forma mais eficiente de produção de feijão ou laranjas, é impossível passar a produzir pães sem sacrificar uma outra produção, gerando carência e maior demanda por este outro produto.
Consequencia 2 (sobre o meu bairro): Os padeiros do meu bairro não podem mais trocar o excedente de pão por feijões ou laranjas do bairro vizinho. Desemprego.
Como vemos, os dois lados são igualmente prejudicados. Ocorre apenas que em um deles o dano ocorre de forma bastante visível e no outro de forma bem menos visível e mais disseminada.
Solução 1 (a sua): obrigar a população do meu bairro a não comprar mais feijão, para que comprem dentro do próprio bairro, em uma tentativa de criar empregos. Agora ocorrerá o mesmo descrito acima: os desempregados terão um emprego, mas ao passar a comprar feijões mais caros, a produção de pães ou laranjas terá de ser sacrificada no meu bairro. Preços maiores e mais pobreza aqui. Mais desemprego do outro lado, que agora não tem para quem vender feijões. O que era ruim ficou ainda pior. Em ambos os lados.
Solução 2 (a minha): há uma demanda por laranjas não suprida do outro lado. Há desempregados do meu lado. Com o tempo, é natural que essa massa de desempregados passe a produzir as laranjas que são demandadas do outro lado e que não sofrem barreiras. Que não fique a impressão de que, no final das contas, as produções tenham se contrabalanceado mutuamente e a barreira não tenha tido efeito algum. Pois devemos levar em consideração a questão das vantagens comparativas e da maior eficiência de produção com a divisão do trabalho. No final, a produção de laranjas e pães e feijões será menor, obiviamente, do que era quando não havia barreira alguma em nenhum lado. Mas é sem sombra de dúvida um cenário melhor do que aquele onde a pobreza e deseprego são multiplicados por 2 em ambos os lados ao se impor uma contra-barreira, como eu demonstrei acima.