Na antiga Atenas os membros da assembleia eram escolhidos por sorteio e não havia restrições quanto à sua legitimidade. Desde que a população se convença das virtudes do sistema ela vai considerá-lo legítimo. E estatisticamente, a amostra sorteada, se for grande o suficiente, vai representar a opinião da maior parte da população, não haverá risco de meia-dúzia de fascistas conseguirem maioria, a não ser que eles já sejam maioria na população, o que seria extremamente preocupante.
Na verdade, a Assembléia era aberta a TODOS os cidadões. A Bulé (composta por 500 membros) é que era escolhida por sorteio, com uma cota igual para as 12 tribos artificiais na qual a cidade-estado foi dividida. Todos os cargos do executivo (chamados de ministérios ou arcontados) eram também preenchidos por sorteio, com exceção do supremo-arcontado (o líder da cidade), o arcontado da guerra e o das finanças, que eram escolhidos por votação.
Vou tentar explicar aqui de forma ultra-resumida o sistema ateniense:
- Era considerado cidadão (e portanto eleitores e elegíveis) todo homem livre que fosse filho de pai e mãe atenienses. O total de cidadãos em Atenas, no seu auge, chegava a 60 000.
- Toda a cidade-estado de Atenas foi subdividida em vários distritos. Cada 3 distritos (tríade) formava uma tribo. Mas havia um detalhe que tornava a coisa mais interessante e complexa: as tríades que formavam uma tribo eram completamente embaralhadas. Eram propositalmente escolhidos 3 distritos que ficavam o mais longe possível uns dos outros. Seria equivalente a juntar os estados do RS, AM e RN em uma tribo.
O objetivo desse embaralhamento era impedir que as oligarquias criassem bases eleitorais e alianças locais que pudessem se sobrepor ou desvirtuar a democracia.
Para quem já acha essa cautele exagerada, aí vai mais: os 3 distritos que compunham cada tribo não eram fixos! A cada período (que não lembro quanto) as tribos eram desfeitas e refeitas com distritos diferente, pra garantir que nenhuma aliança ou domínio surgido em cada tribo permanecesse.
Cada tribo tinha seus membros sorteados para a Bulé, que era o órgão responspavel pela elaboração, redação e revisão das leis para posterior submissão à Assembléia para votação. Cada turma sorteada para a Bulé tinha uma legislatura de 1 ano, sendo que cada mês do ano a Bulé era presidida por 1 membro de cada tribo, de modo que todas as 12 tribos presidiam a Bulé durante o ano legislativo.
Os projetos elaborados pela Bulé eram então submetidos para aprovação ou rejeição na Assembléia. A Assembléia era aberta a TODOS os cidadãos e tinha um quórum de 5 000 (se eu não me engano). As leis eram então apresentadas pelos oradores, e o povo votava pela adõção ou rejeição. As leis rejeitadas voltavam para a Bulé para revisão, e era proibido reapresentar o mesmo projeto em um período determinado de tempo.
Os oradores que apresentavam as leis eram pessoas bem falantes, mas era bastante mal visto um orador que se apresentasse em demasia: poderiam receber a pecha de demagogos e serem ostracizados.
Os cargos do executivo eram preenchidos por sorteio entre todos os cidadãos que se candidatassem ao cargo. Os sorteados eram avaliados por um corpo de magistrados antes (para ver se havia alguns impedimentos específicos), durante e depois do mandato, quando deveriam prestar contas. Se fizessem alguma merda grande, poderiam até mesmo serem condenados à morte.
Apenas os cargos de arconte supremo, arconte de guerra e arconte das finanças eram escolhidos por votação, por serem considerados cargos que exigiam um talento maior e portanto a chance de uma pessoa destacada ser eleita de novo deveria ser mantida.
Havia também o ostracismo. A cada ano, os cidadões atenienses escreviam o nome em placas de argila de qualquer pessoa que considerassem uma ameaça à democracia. A pessoa cujo nome aparecesse em 5000 placas, ou tivesse a maioria entre os que obtiveram mais de 5000 votos, era ostracizada. Ela deveria ficar 10 anos fora de Atenas, mas todos seus bens e direitos eram preservados.
Havia funcionários que ficavam na porta da Assembléia para impedir que não-cidadãos entrassem, ou que cidadãos votassem mais de 1 vez (no caso das placas de argila). Mas mesmo assim, qualquer não-cidadão achado na Assembléia ou qualquer cidadão fosse pego votando 2 vezes era condenado á morte.