Não sei. Acho que houve sim a intenção de deixar implícita uma ligação racial. Não pelo king kong apenas, que por si só já é realmente suspeito, a menos que se seja ingênuamente otimista, mas também por "loira". Não se aplicaria num contexto onde a maior parte dos jogadores de futebol também fossem loiros, que as pessoas de modo geral tivessem cabelos loiros, então não é simplesmente a situação, mas há um componente racial. Poderia tentar se sugerir que ainda assim não há implicação do gorila sugerir a analogia com negros, mas poder ser com pessoas de qualquer cor, que não tenham cabelos loiros, mas é no mínimo duvidoso.
Boa Buck, e isto me levou a algo que eu não tinha enxergado. O piadista assume explicitamente que é algo superior pegar loiras, tipo "quem ele pensa que é pegando esta morena/mulata/negra?"
Na verdade não precisaria exatamente aceitar o status de loira-troféu para poder fazer uma piada onde isso "ocorre", se está falando de terceiros. O que eu acho que o elemento "loira" faz é "enfatizar" que o KK seria especificamente análogo a jogadores negros, e não a qualquer jogador, que por acaso pega uma loira. Não dá para imaginar que a piada meramente "existisse", mesmo que igualmente sem-graça, em um país predominantemente loiro, porque simplesmente todo mundo pega loiras.
"Um alemão fica famoso, vai para a cidade e pega uma loira". A resposta é "e daí?", e não "haha, pegar uma loira, um alemão, quem imaginaria algo assim".
Seria possível fazer piadas com algum elemento racial que fizessem referência a consideravel raridade de relacionamentos interraciais, sem serem por isso "racistas", mas "por acaso" aí também ficou implícita a comparação de uma raça a um macaco gigante.
Volto: não vejo muito motivo para se criticar piadas preconceituosas quando na verdade qualquer piada é de fato preconceituosa. As mensagens do Strangelove me fazem muito mais sentido (e a resposta do "sua mãe adora"... bem, eu vou usar daqui por diante, mesmo que não seja muito verdade que dentre os dotes da negritude eu tenha sido privilegiado com o tamanho
, mas usarei em tom de piada também, não raivosamente, mas jocosamente ).
Agora, dizer que ele não falava de negros é problema pra mim. Por mim não há nada de errado com a piada, só com as desculpas.
Inclusive achei razoavelmente decente do Gentili não tentar se esquivar da comparação com negros. Acho que até pode se fazer esse tipo de piada sem ser racista, mas é um terreno meio arriscado de se andar, as pessoas não tem como saber.
No ginásio, ocorreu um caso que ilustra algo parecido. Eu por exemplo não costumo classificar exatamente as pessoas por cor, sem querer ser politicamente correto nem nada. Pra mim acaba sendo mais ou menos como alto, baixo, médio, até por miscigenação não ser lá muito incomum, então uma boa parte das pessoas estão no limbo "pardo", para o qual eu não uso exatamente o termo branco nem negro, e acho estranho o "pardo". Por algum motivo "mulato" algumas vezes parece também não se aplicar, não sei dizer porque, acho que na minha cabeça está atrelado a algo mais estrito do que toda a gama de variação possível. (Algo parecido acontece com mulheres de cabelo castanho um pouco mais claro, mas não muito; não sei se são loiras ou morenas, ficam num limbo classificativo meu).
Mas enfim, então, esse carinha tinha por coincidência o hábito de fazer piadas/dar apelidos de que o gordinho era baleia/elefante, o baixinho formiga, o sardento "bambi", e etc. Eis que um dia o gordinho se enfezou eu disse que ele parecia um macaco ou chimpanzé. Todo mundo deu risada pela vingança, mas na minha cabeça nem passou a possibilidade da denotação racista. Como ele sempre dava umas risadas meio espalhafatosas, meio como as risadas de chimpanzés (ou aquelas coisas que parecem risadas que eles fazem, abrindo bem a boca e dando uns gritos), foi com isso que fiz a associação. Não sei se foi assim para todo mundo. Só fui me tocar da possibilidade racista anos e anos mais tarde. Simplesmente não posso dizer o que se passou na cabeça dos outros. E por isso também não posso desconsiderar a possibilidade de algo não-racista. Coincidentemente ele até contou um alegado caso pessoal meio parecido, onde ele era comparado a uma girafa, pelo pescoço comprido(?).
O curioso é que apesar dessa coincidência toda (exceto por não ter tido um apelido de animal designado a mim, exceto, o mesmo indivíduo supracitado ter tentado incutir a mim o apelido "pernilongo", mas não pegou), sei lá, algo nessa história dele não colou muito. Não sei dizer porque. Não estou dizendo que ele na verdade é racista. Simplesmente não é possível saber exatamente. Acho que talvez todos tenham um pouco de uma sensação de que os outros sempre são racistas, e a gente não (ao menos entre os brancos, sei lá como é para os negros e mestiços), os outros sendo sempre mais "suspeitos". Acho que se tem um mal que a atenção a esse tipo de piada faz é talvez provocar isso, essa sensação, da existência de um racismo bem maior do que talvez sejam suas reais proporções.
Tempos diferentes esses da infância e começo da adolescência, quando "pr*to" ainda não era palavrão...
