Resumidamente, descobri que o Libertarianismo defende a liberdade individual tanto econômica quanto social, assim como a expansão das mesmas conforme o mérito de cada um, desde que não seja agressivo.
E de acordo com eles o mundo encontra-se na situação socioeconômica deplorável que está basicamente em função da existência e intervenção do Estado. Principalmente em função da intervenção do estado na Economia, permitiu-se que megacorporações ascendessem de maneira assimétrica, dando origem aos grandes monopólios e cartéis. Estes acabam com a competitividade de mercado, e sem competição não há como a sociedade coletar os benefícios proporcionados pela incessante necessidade de melhorar produtos e serviços.
A idéia meio que coincide com algumas teorias comunistas (não confundir com socialistas), onde o Estado é visto como instrumento de coerção da classe dominante, detentor do monopólio da violência. E até aí, ambos fizeram sentido pra mim. Tanto Libertários quanto Comunistas concordam que o poder do Estado deve diminuir, e se possível até desaparecer.
Sem a presença de um estado interferindo principalmente na economia, o fornecimento tanto de produtos quanto de serviços, seria regulado conforme a demanda da população. Chegaríamos até o chamado Capitalismo Democrático, onde as leis de oferta e demanda refletem a vontade das pessoas. Os preços serviriam de estímulo para dar rumo ao mercado, e quem estaria no controle seríamos nós. Absolutamente democrático, e fez completo sentido pra mim.
Nesse momento, quando eu conversava com Libertários, esses pareciam ter resposta pra tudo.
– Ah, mas e se quisermos que o mundo vá numa direção mais sustentável?
– As pessoas devem escolher os produtos mais sustentáveis e boicotar os mais poluentes. Dessa maneira, o mercado vai ser estimulado a ir nessa direção.
– E se os produtos poluentes forem mais baratos?
– Se elas querem realmente sustentabilidade, elas tem que escolher boicotá-los mesmo assim.
– Mas e se as pessoas quiserem o que é mais barato mesmo assim?
– Então é porque elas escolheram dar preferência ao preço do que ao meio ambiente, não podemos fazer nada.
– E se as pessoas estão sendo enganadas a respeito desses produtos?
– Elas precisam escolher se educar melhor, ou exigir mais transparência dos fornecedores sob ameaça de boicote.
– Mas e se elas estão sendo manipuladas?
– Elas precisam escolher se educar melhor para se tornar mais resistentes contra exploradores.
– E se elas estão sendo coagidas?
– É impossível coagir uma população inteira. Se uma empresa estiver coagindo um determinado grupo, a mobilização e boicote do restante da sociedade faria com que a empresa quebrasse.
Entre muitos outros argumentos… E através de muitos diálogos pude enxergar a peça central do Libertarianismo.
Não qualquer tipo de liberdade, mas essencialmente a liberdade de escolha. De escolha consciente.
As práticas de um livre-mercado dependem fundamentalmente e intrinsecamente da idéia do livre-arbítrio.
Da capacidade das pessoas de fazerem escolhas conscientes, racionais e completamente livres de influências externas para conduzir o mercado. Ou seja, mais de um século de teoria são quase que completamente dependentes dessa idéia ser verdadeira.
…mas e se não for?
E se a idéia de livre-arbítrio for tão antiquada quanto a idéia da Terra ser plana?
O que a ciência tem a dizer sobre a liberdade de escolha consciente?
Ludwig Von Mises, um renomado representante dessa filosofia política, apesar de ser reconhecido por rejeitar o empiricismo como método de validação científica, dizia:
(…)”Validações universais implicam na aplicabilidade do passado em todos eventos futuros. É baseado em uma conclusão perfeita. (Nenhum teorema universal emerge de uma conclusão perfeita, é apenas uma descrição de um evento que ocorreu no passado). Hipóteses precisam ser continuamente verificadas através de frequentes e repetidas experiências.” (…)
O que os Libertários geralmente esquecem, é de aplicar essa afirmação para as próprias teorias do Libertarismo.
Ao longo de décadas, muito se aprendeu sobre a ciência do cérebro humano. Sobretudo, que o ser humano é extremamente influenciável, muito mais emocional e muito menos racional do que pensavamos, enfraquecendo assim a base da lógica Libertária.
Descobrimos que a plasticidade do cérebro humano é gigantesca, e completamente aberta a eventos exteriores.
Muito além das tendências genéticas que constroem nossa fisiologia básica, o cérebro é moldado por cada experiência ao nosso redor, moldado por eventos que basicamente não temos controle.
Você não escolheu passar por uma experiência traumática a qual agora influencia diversas de suas ações futuras, e nem tem o poder de escolher quais experiências vão te afetar, e quais não. E mesmo que aparentemente você tenha feito uma escolha, a justificativa daquela escolha poderia ser desenhada se conhecessemos todas variáveis que passaram pela sua vida.
Muito mais do que isso: Somos influenciados por pequenos eventos os quais nem temos consciência. Existe uma experiência simples na qual um ator derruba papéis no chão enquanto segura um copo com café, e para recolhê-los ele pede a uma pessoa para segurar esse copo. A seguir, perguntam à pessoa qual a impressão que ela teve em relação ao ator, e geralmente a opinião da pessoa varia conforme a temperatura do café, ao invés de qualquer pensamento racional ou lógico. “Era uma pessoa quente, ou uma pessoa fria.”
Por fim, diversas experiências baseadas em estudos de Benjamin Libet, feitas com Eletroencefalogramas, ressonância magnética e até gravações diretas do cortex, demonstram que o seu cérebro toma diversas decisões às vezes até segundos ANTES de você tomar consciência que está fazendo uma escolha.
Ou seja, existe informação em abundância demonstrando que a idéia de Liberdade de Escolha, e as escolhas Conscientes são baseadas em experiências completamente subjetivas. E nossas intuições são enganadas constantemente.
Tentem ver da seguinte maneira:
1) Uma pessoa pode escolher comprar ou não um carro? Aparentemente, sim.
2) Um paraplégico pode escolher sair andando? Não, a realidade fisiológica não permite.
3) Uma criança de 3 anos pode escolher uma forma ótima de gerenciar a renda da casa? Não, além de faltar informação, uma criança não tem a àrea do cérebro responsável pela capacidade de enxergar uma sucessão de eventos a longo prazo, desenvolvida.
4) Uma pessoa com um tumor no cérebro pressionando a àrea responsável por controlar seus impulsos pode escolher não atacar alguém do sexo oposto na rua? Não, novamente é um problema fisiológico.
5) E voltando novamente à primeira pergunta: Uma pessoa a qual passou mais de 20 anos da vida tendo o cérebro esculpido e modelado, pelos seus pais, amigos, televisão e cultura em geral, com a idéia de que ela precisa de um carro para ser alguém, pode ignorar os problemas de se individar a longo prazo pra ter um pequeno benefício a curto prazo? Seria tão difícil quanto os eventos 2, 3 e 4.
Se não fossemos influenciáveis, todas as propagandas teriam necessariamente um apelo racional, e não é o caso. A maior parte da indústria grita simplesmente que você vai sentir-se bem se obtiver um determinado produto.
Tendo em mente que as pessoas são evidentemente incapazes de se tornarem imunes a influências externas para tomarem decisões conscientes, é possível afirmar que não são aptas a conduzir o mercado. E sem essa capacidade, um mercado livre é simplesmente um mercado desregulado e desfuncional.
Porém, visto que a idéia do livre-mercado é bem aceita, não é necessário controlar o mercado. Basta deixá-lo livre para ser controlado pela vontade das pessoas, e manipular essas vontades. Você tem escolhas, porém elas não são livres.
O que eu não quero dizer!
Antes que comecem os ataques, quero deixar bem claro que NÃO estou afirmando que os mercados precisam ser regulados da maneira como são hoje.
Se um grande grupo de pessoas não consegue conduzir os mercados de maneira democrática, um pequeno grupo de pessoas da elite tendem a criar um resultado pior ainda.
Precisaríamos desenvolver um modelo de gerenciamento atualizado, com o poder computacional que temos hoje, pra poder administrar o mercado. Como máquinas tendo um potencial para imparcialidade muito maior que o humano, seria possível obter um efeito muito mais democrático para o problema de cálculo econômico proposto por Mises.
Uma ferramenta indo nessa direção é a Bitcoin, onde não há regulação central alguma, é completamente automatizado. Dessa maneira, o mercado poderia funcionar melhor no futuro.
Isso se for necessário um mercado, claro.
Refutabilidade
Em conclusão, para que o conceito de Mercados Auto-Regulados seja verdadeiro, é necessário que a idéia sob a qual foi fundado, a idéia que livre-arbítrio é uma realidade, também seja demonstrada como verdadeira.
Logo, o Libertário tem o trabalho simples mas de difícil realização, de apresentar estudos que refutam essas novas informações a respeito da ilusão da liberdade de escolha.
Não é mais uma questão de Filosofia versus Filosofia. É uma questão de Evidências versus Evidências. Ciência pura e simples.
Caso contrário, essas teorias economicas continuarão se demonstrando impraticáveis, desatualizadas e portanto inválidas. O que é compreensível,quando levamos em consideração a época em que foram escritas, quando não havia praticamente nada sobre neurologia e ciência do cérebro.
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