Em dezembro morreu o irmão caçula da minha mãe. Ele era o único filho homem dos quatro filhos dos meus avós, e eles já tinham perdido a caçula das meninas há 10 anos, num acidente automobilístico. Meu avô construiu um mausoléu pra ele, e já comprou espaço pra mais 5... Ele vai todo dia conversar com meu tio no cemitério...coisa que não fazia muito antes. São de origem germânica, e embora ele não seja o tipo alemão carrasco, todos eles têm dificuldade de expressar o que sentem. Acho que vem daí esse arrependimento.
Eles sofreram muito no enterro e velório, mesmo sabendo que o meu tio estava com uma doença que lhe trouxe muita dor... seu adenocarcinoma tinha espalhado metástases nos ossos e coluna nervosa... Mas eles ainda preferiam tê-lo com eles, mesmo que numa cadeira de rodas...
Os tios e primos desmaiaram no velório, estavam muito abatidos... Minha avó estava "pele e osso", pareceria ter 150 anos...
Todos eles são luteranos. E eu me perguntava: por que eles não acreditam na sua religião nestas horas? A religião não deveria servir pra consolar? Meu tio também era luterano desde o nascimento, como os pais dele... embora não fosse o modelo ideal de evangélico... então, eles nem teriam a desculpa da dúvida do céu. Eles crêem que ele foi pro céu, e parecem esquecer que eles também vão... na crença deles, isso é uma separação temporária, mas parece eterna pelo sofrimento que apresentam. Nesse sentido, acho que simplesmente crer em algo durante 70 anos não significa muita coisa...
Minha mãe que é kardecista enfrentou bem melhor a situação... mas isso é próprio dela. Ela é a mais velha, e quando a outra irmã morreu ela também foi o suporte para todos. Ela se sente útil sendo a base pros outros, pra ela é um gesto de amor que ela tem de fazer, embora ela própria esteja sofrendo muito.
E embora eu saiba que nem todos os crentes sabem lidar bem com morte, eu ainda acho que o peso dela é maior para quem acredita que a vida acaba quando cessa a atividade nervosa e que não há segunda chance...
Durante o velório deste tio, minha priminha, filha dele, me perguntou se eu sabia onde estava o pai dela. Eu (que não chorava) respondi pra ela: dentro de você! Ela ficou um pouco confusa e me perguntou "como assim?". Então falei pra ela que o pai dela se eternizou nela, ao propiciar que ela nascesse (afinal, geneticamente, 50% dele está nela!
), ao ter ensinado coisas pra ela, ao ter ajudado ela a chegar aos 10 anos saudável e amada, dedicando seu tempo, sua energia e seu amor nisso. E ela, que ainda não tinha chorado, encheu os olhos de lágrimas... Talvez porque isso mostra que a pessoa não está mais concosco, mas que nós fomos amados... sei lá... A versão do "foi pro céu" é artificial demais.
Penso eu que pros ateus, de forma geral, é mais difícil lidar com a morte porque a maioria pensa que ela é o fim, enquanto pros teístas, ela é uma passagem. Mas é difícil apenas por isso medirmos o sofrimento das pessoas. Acho que o resultado final é uma somatória de fatores. A personalide conta muito. É possível termos ateus mais conformados e teístas mais revoltados com estas situações...
A única coisa que tenho certeza é que independente da crença, cada um lida com a morte de um jeito. E ela, via de regra, nunca é fácil.