Autor Tópico: Avaliando a habilidade científica de pensar  (Lida 96318 vezes)

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Offline Cientista

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Avaliando a habilidade científica de pensar
« Online: 09 de Maio de 2010, 21:02:11 »
Em outro tópico onde comentei bastante aqui, o forista Tex Willer me instigou a provar, com experimentos, uma asserção feita por mim. O que vou propor aqui não pode ser considerado um experimento que comprove essa asserção, mas pode revelar o que embasa a mesma (ausência de pensamento mágico no pensamento científico). Ninguém, até hoje, a quem propus essa questão, foi capaz de respondê-la satisfatoriamente. Pode ser (e espero mesmo) que eu me surpreenda aqui.

É muito conhecida a questão da "queda dos corpos". Desde as inacreditáveis tolices asinistotélicas até Galileu, diz-se que não se pôs dúvida à questão. À partir de Galileu (não tão imediatamente) começou-se a afirmar que é uma questão que contraria o senso comum, a intuição , o "bom senso", numa remissão a todos aqueles que afirmaram ou afirmem, a respeito, qualquer coisa diferente da realidade.

Considerem um menino que acabou de completar 7 anos de idade. Ele ouve alguém fazer a pergunta (não direcionada exatamente a ele): Se eu soltar, ao mesmo tempo e da mesma altura, estes dois objetos (um garfo e uma pedra bem maior e mais pesada que o garfo), qual chegará primeiro ao chão? Enquanto alguns pensam e outros dizem que já conhecem isso, o menino, em alguns segundos, responde: Os dois vão chegar juntos. O propositor da pergunta, meio admirado, pergunta ao menino se ele já tinha ouvido falar sobre isso. O menino responde que não. O propositor duvida e insiste em saber se ele não tinha mesmo ouvido falar. De fato, o menino nunca ouvira falar disso e, nem tampouco conhecia Aristóteles, Galileu e seus experimentos ou a 2ª lei de Newton. O propositor, então, quer saber do menino como ele sabe que os dois cairão juntos. O menino, surpreso, não entendendo o porquê da pergunta, responde: mas é assim, não tem como ser de outro jeito. O propositor, sem acreditar, pede ao menino que explique melhor como ele faria para provar que era assim, antes dos corpos cairem. O menino explica.
Qual foi a explicação desse menino?

É claro que todos aqui já têem a vantagem de saber a resposta certa e de poder fundamentá-la cientificamente, mas tentem imaginar o que vocês pensariam se não soubessem o que sabem a respeito. Como analisariam o fenômeno?

Fico grato por qualquer resposta recebida.

Offline Feynman

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #1 Online: 10 de Maio de 2010, 14:04:10 »
Ninguém, até hoje, a quem propus essa questão, foi capaz de respondê-la satisfatoriamente.

Naturalmente, precisarias nos dizer o que queres, o que consideras "satisfatório". A situação hipotética que colocastes é muito hipotética. E bastante inverossímil. Uma resposta adequada à esta questão, todos sabemos (acho), depende de um entendimento adequado de inércia (e não apenas dizer que "a aceleração da gravidade é a mesma para todos os corpos", ou que "pela segunda lei de Newton, g = a", o que não explica nada). Como sabemos, desde Piaget, que relações físicas como conservação e inércia são percepções que devem ser aprendidas (não nascemos com elas), seria altamente improvável que uma criança respondesse de forma "satisfatória" a uma questão destas. Esta questão altamente contra-intuitiva foi um grande desafio para mentes do porte de um Galileu, e se hoje achamos fácil é porque fomos ensinados a fazer considerações do ponto de vista privilegiado de quem tem, à sua disposição, todo um sistema didático para permitir que assim seja. Galileu teve que encarar estas coisas do zero, sem nenhum livro-texto lhe informando sobre inércia e força gravitacional. Isto é algo colossal, e a maioria de nós não estaria à altura. Quanto mais uma criança.
"Poetas dizem que a Ciência tira toda a beleza das estrelas - meros globos de átomos de gases. Eu também posso ver estrelas em uma noite limpa e sentí-las. Mas eu vejo mais ou menos que eles?" - Richard Feynman

Offline Derfel

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #2 Online: 10 de Maio de 2010, 22:20:56 »
Feynman, ainda que se considerasse um garoto muito arguto, há ainda a falta de alguns elementos para se considerar a resposta dele. Por exemplo: o tamanho e a forma da pedra, a altura de onde seriam jogados os corpos e, por fim, o ângulo de ataque. Isso tudo para se considerar a resistência do ar sobre os corpos. Um garoto imaginário super-dotado poderia fazer uma analogia com objetos jogados na água durante brincadeiras, observando que a velocidade que um corpo afunda tem relação com seu formato e ângulo de ataque, e correlacionar a água com o ar tendo a mesma propriedade. Por fim inferir que, sem o ar, os corpos cairiam a mesma velocidade. Mas é mesmo difícil pensar tudo isso sem uma base, como você mesmo diz. Lembro que quando tinha 7 anos, observando a estrada de dentro do carro, imaginei que na verdade não era o carro que se movimentava, já que a porta que eu observava estava parada em relação a mim, mas sim a estrada que estava em movimento. Até aqui tudo bem, mas a falta de conhecimentos me fez viajar na maionese: comecei a imaginar que as rodas dos carros giravam em falso, permitindo que a terra passasse por elas e o carro aparentasse se mover, mas pensava como se moviam os carros em sentido contrário ao meu movimento! :susto:

Offline Geotecton

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #3 Online: 11 de Maio de 2010, 02:35:06 »
O garoto pode ter feito a afirmação baseada em uma experiência anterior, realizada apenas a título de curiosidade, onde ele constatou que dois outros objetos chegavam juntos ao solo, se fossem soltos de uma dada altura, simultaneamente.

Isto explicaria o porque da sua pronta e convicta resposta e também o porque que ele não demonstrou nenhuma surpresa pela proposta, pois que ela é de caráter nitidamente contra-intuitivo.

Ele não precisaria conhecer nem os termos físicos, nem seus significados e nem suas implicações (inércia, gravidade, resistência do ar, peso).
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Offline Derfel

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #4 Online: 11 de Maio de 2010, 07:59:07 »
O garoto pode ter feito a afirmação baseada em uma experiência anterior, realizada apenas a título de curiosidade, onde ele constatou que dois outros objetos chegavam juntos ao solo, se fossem soltos de uma dada altura, simultaneamente.

Isto explicaria o porque da sua pronta e convicta resposta e também o porque que ele não demonstrou nenhuma surpresa pela proposta, pois que ela é de caráter nitidamente contra-intuitivo.

Ele não precisaria conhecer nem os termos físicos, nem seus significados e nem suas implicações (inércia, gravidade, resistência do ar, peso).

Mas se ele utilzasse como corpos de prova uma pena (ou uma folha de árvore) e uma pedra, claramente a pedra chegaria ao chão primeiro. Ele poderia concluir que a pedra chega primeiro porque é mais pesada.

Offline Micrômegas

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #5 Online: 11 de Maio de 2010, 08:44:43 »
Muitas descobertas de Arquimedes foram por momentos "mágicos". Do nada arquimedes gritava "Eureka!", era a certeza de uma grande descoberta.

Se não me falha a memória, muitos ciêntistas,  também, disseram terem feito suas descobertas através de sonhos.


Sobre o garoto, poderia ser que o garoto estivesse em casa, tomando banho, e ao perceber que as gotas d'agua caiam todas ao mesmo tempo, tanto as maiores como as menores, ele poderia juntar certa quantidade de água na mão e soltar, veria que a água, mesmo as porções grandes, como as pequenas, caiam ao mesmo tempo, na mesma velocidade. Também poderia fazer essa observação olhando para uma queda d'agua, uma cachoeira, cascata etc.
« Última modificação: 11 de Maio de 2010, 08:47:29 por Micrômegas »
____________________
"Toda filosofia aspira a difundir-se, a ser uma propaganda. Ter a mão cheia de verdades e conservá-la fechada é de espíritos tacanhos. O que seria, pois, uma verdade que não quisesse comunicar-se?"

Todas as vezes que um fato novo se revela no campo da Ciência, logo o averbam de apócrifo; depois, que é contrário à Religião; e, por fim, que há muito era sabido. Efetivamente, a verdade tem duas espécies de adversários: os cépticos do materialismo, e os céptico do dogma.

Offline Geotecton

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #6 Online: 11 de Maio de 2010, 09:04:20 »
O garoto pode ter feito a afirmação baseada em uma experiência anterior, realizada apenas a título de curiosidade, onde ele constatou que dois outros objetos chegavam juntos ao solo, se fossem soltos de uma dada altura, simultaneamente.

Isto explicaria o porque da sua pronta e convicta resposta e também o porque que ele não demonstrou nenhuma surpresa pela proposta, pois que ela é de caráter nitidamente contra-intuitivo.

Ele não precisaria conhecer nem os termos físicos, nem seus significados e nem suas implicações (inércia, gravidade, resistência do ar, peso).

Mas se ele utilzasse como corpos de prova uma pena (ou uma folha de árvore) e uma pedra, claramente a pedra chegaria ao chão primeiro. Ele poderia concluir que a pedra chega primeiro porque é mais pesada.

É verdade Derfel.

Seu questionamento seria enfraquecido se eu tivesse redigido assim o texto: "O garoto pode ter feito a afirmação baseada em experiências anteriores, realizadas apenas a título de curiosidade, onde ele constatou que diferentes objetos chegavam juntos ao solo, se fossem soltos de uma dada altura, simultaneamente." :)

Mas manterei o texto original senão incorrerei em um ad hoc primário. :biglol:
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Offline Derfel

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #7 Online: 11 de Maio de 2010, 09:32:34 »
Mas ainda assim haveria a influência da resitência do ar. Essa afirmação somente é verdadeira no vácuo. No experimento de Galileu mesmo, ele não soltava corpos de cima da Torre de Pisa para verificar se caíam a mesma velocidade, ele utilizou de um plano inclinado e esferas de diferentes massas. Se o fato de corpos de massa diferente chegam juntos ao solo se soltos da mesma altura fosse algo tão simples de intuir, isso seria senso comum muito antes de Galileu, contudo não era. É fácil, hoje, imaginarmos um caso como o do garoto porque o fato já se tornou senso comum em nossa cultura. É como a história do Ovo de Colombo.

Offline _tiago

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #8 Online: 11 de Maio de 2010, 09:40:47 »
Qual foi a resposta do guri?

Sem um conhecimento prévio qualquer, tão somente no chute ele saberia da queda ao mesmo tempo, e nesse sorteio, ele poderia responder qualquer coisa.

Eu acho que ele poderia se decidir pela queda ao mesmo tempo também por desconhecimentos: tanto da existência de uma resistência no ar (que no caso pouco influiria) quanto pelo fato da massa em ambos os corpos nada interferir...

Offline Derfel

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #9 Online: 11 de Maio de 2010, 10:17:11 »
Qual foi a resposta do guri?

Sem um conhecimento prévio qualquer, tão somente no chute ele saberia da queda ao mesmo tempo, e nesse sorteio, ele poderia responder qualquer coisa.

Eu acho que ele poderia se decidir pela queda ao mesmo tempo também por desconhecimentos: tanto da existência de uma resistência no ar (que no caso pouco influiria) quanto pelo fato da massa em ambos os corpos nada interferir...

Aí é que está. Se não houver nenhum conhecimento prévio, o senso comum vai levá-lo a acreditar que o mais pesado chega primeiro.

Mas o mistério maior é saber a resposta do cientista.

Offline _tiago

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #10 Online: 11 de Maio de 2010, 10:24:08 »
É... Uma criança numa resposta contra-intuitiva somente por estupidez!  :lol:

Offline Geotecton

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #11 Online: 11 de Maio de 2010, 10:35:47 »
Mas ainda assim haveria a influência da resitência do ar. Essa afirmação somente é verdadeira no vácuo. No experimento de Galileu mesmo, ele não soltava corpos de cima da Torre de Pisa para verificar se caíam a mesma velocidade, ele utilizou de um plano inclinado e esferas de diferentes massas. Se o fato de corpos de massa diferente chegam juntos ao solo se soltos da mesma altura fosse algo tão simples de intuir, isso seria senso comum muito antes de Galileu, contudo não era. É fácil, hoje, imaginarmos um caso como o do garoto porque o fato já se tornou senso comum em nossa cultura. É como a história do Ovo de Colombo.

Concordo.

Eu pensei em colocar na minha primeira postagem, objeções e problemas semelhantes aos que você apontou Derfel e, em certa medida, às do Feynman.

Mas, no fim, eu elaborei uma possível solução para compatibilizar com o cenário proposto ("conhecimento do garoto de 7 anos") e, como objetivo derradeiro, aguardar a contraposição do Cientista.
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Offline Tex Willer

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #12 Online: 11 de Maio de 2010, 10:55:03 »
Eu acho que uma resposta mais contundente sobre a incapacidade de um cientista em ter "pensamentos mágicos" estaria na área das neurociências, mas atualmente não deve haver tecnologia suficiente para tal.
Também não faço idéia da resposta do garoto.
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Offline Feynman

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #13 Online: 11 de Maio de 2010, 12:51:23 »
Lembro que quando tinha 7 anos, observando a estrada de dentro do carro, imaginei que na verdade não era o carro que se movimentava, já que a porta que eu observava estava parada em relação a mim, mas sim a estrada que estava em movimento. Até aqui tudo bem, mas a falta de conhecimentos me fez viajar na maionese: comecei a imaginar que as rodas dos carros giravam em falso, permitindo que a terra passasse por elas e o carro aparentasse se mover, mas pensava como se moviam os carros em sentido contrário ao meu movimento!

Cara, juro que tive os mesmos problemas quando criança! :feliz:
Também me batia com a (falta de conhecimento da) inércia. Lembro-me de um filme que assisti (Air America, com o Robert Downey Jr. e o Mel Gibson) em que um avião de carga fazia um pouso forçado: e, mesmo já no chão, e sem suas rodas, a "desgraça" não parava de se movimentar. E eu ficava me perguntando: "pô: o avião, enquanto se move pela areia, sem rodinhas, não está sendo empurrado por ninguém... o que faz ele continuar se movimentando?". Lembro que isto me perturbou por um bom tempo! :biglol:
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Offline Feynman

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #14 Online: 11 de Maio de 2010, 13:05:35 »
Muitas descobertas de Arquimedes foram por momentos "mágicos". Do nada arquimedes gritava "Eureka!", era a certeza de uma grande descoberta.

Se não me falha a memória, muitos ciêntistas,  também, disseram terem feito suas descobertas através de sonhos.

Naturalmente, não é bem assim. Os momentos mágicos a que se referistes estão relacionados muito de perto com o que estes pesquisadores estão pensando, não sendo um insight gratuito, "do nada". A mente pré-ocupada com alguma questão naturalmente irá produzir insights com fenômenos interrelacionados, onde não conseguiríamos o mesmo feito. Ninguém resumiu tão bem esta idéia quando Pasteur, quando disse que "a sorte favorece a mente preparada".
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Offline Südenbauer

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #15 Online: 11 de Maio de 2010, 13:57:29 »
Mesmo que a criança seja inteligente suficiente para fazer uma sequência de inferências lógicas para chegar a tal conclusão, ela ainda precisa resistir a algo muito poderoso que é a sua intuição.
_____________________

Esses "momentos mágicos" nada mais são do que uma dedução em um momento em que a mente está relaxada, livre do pensamento viciado que se acomete quando se trabalha num momento por muito tempo. Os sonhos são importantes nessas ocasiões porque trazem à superfície coisas que estavam no no fundo da nossa consciência, isso num momento em que a mente está relaxada. É como se acabeça fosse um quarto cheio de entulho e para encontrar algo teríamos que limpá-lo, jogando coisas fora. No caso do cérebro, seria deixar de pensar por um momento.


Offline Derfel

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #16 Online: 11 de Maio de 2010, 14:28:51 »
Lembro de já ter lido que Edson usava desse recurso. Quando estava diante de um problema difícil, ele tirava um cochilo pensando no problema. Quando acordava já tinha a solução. Uma vez, na época do segundo grau (o hoje ensino médio), fui dormir com um problema que uma prima havia proposto. Era aquele problema hoje já bem conhecido das folhas que se jogam em um lago, a cada dia o dobro da anterior, e no fim de 29 dias metade do lago estava cheio de folhas, quantos dias encheria todo o lago. A resposta é intuitiva, mas o que pegou foi que ela queria uma equação que expressasse isso. Fui dormir matutando e acordei com a equação já formulada. Colocá-la no papel foi a primeira coisa que fiz, antes que desaparecesse.

Offline Feynman

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #17 Online: 11 de Maio de 2010, 19:09:44 »
O que deve ficar claro é que "parar de pensar" só ajuda quem pensou antes! :biglol:
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Offline Cientista

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #18 Online: 12 de Maio de 2010, 02:16:23 »
Naturalmente, precisarias nos dizer o que queres, o que consideras "satisfatório". A situação hipotética que colocastes é muito hipotética. E bastante inverossímil. Uma resposta adequada à esta questão, todos sabemos (acho), depende de um entendimento adequado de inércia (e não apenas dizer que "a aceleração da gravidade é a mesma para todos os corpos", ou que "pela segunda lei de Newton, g = a", o que não explica nada). Como sabemos, desde Piaget, que relações físicas como conservação e inércia são percepções que devem ser aprendidas (não nascemos com elas), seria altamente improvável que uma criança respondesse de forma "satisfatória" a uma questão destas. Esta questão altamente contra-intuitiva foi um grande desafio para mentes do porte de um Galileu, e se hoje achamos fácil é porque fomos ensinados a fazer considerações do ponto de vista privilegiado de quem tem, à sua disposição, todo um sistema didático para permitir que assim seja. Galileu teve que encarar estas coisas do zero, sem nenhum livro-texto lhe informando sobre inércia e força gravitacional. Isto é algo colossal, e a maioria de nós não estaria à altura. Quanto mais uma criança.
Certamente que uma resposta "satisfatória", neste caso, é uma que tenha caráter científico, isto é, que tenha eficácia preditiva (ainda que não quantitativamente pois trata-se, tão somente, de prever se os dois corpos chegam ao solo simultaneamente ou não) e que só possa ser refutada por alegações de caráter mágico, ou seja, alegações de fé ou provenientes de projeção de características estritamente mentais sobre o comportamento dos objetos envolvidos no fenômeno proposto.

Tenho que discordar, totalmente, de que os conceitos de inércia e conservação precisem ser inexoravelmente aprendidos. Qualquer idéia não conservativa, por exemplo, é pensamento mágico, pois em que se fundamenta a magia senão na idéia de que uma coisa possa surgir, absolutamente do nada, ou que possa desaparecer do tudo, completamente? Tenho convicção de que ninguém nasce pensando magicamente, mas aprende a pensar assim. O que parece é que algumas pessoas nascem com um tipo de "imunidade" ao pensamento mágico.

Conta-se que Galileu, aos 8 anos de idade, descobriu o isocronismo do pêndulo ao ver, na igreja (que bom que não prestava atenção na missa), um lustre balançando ao vento e comparando seu ciclo oscilatório com sua própria frequência cardíaca. Imagino que Galileu deve ter percebido a mesma resposta dessa criança em idade bem precoce também.

E não é uma situação hipotética. Aconteceu, de fato.


Feynman, ainda que se considerasse um garoto muito arguto, há ainda a falta de alguns elementos para se considerar a resposta dele. Por exemplo: o tamanho e a forma da pedra, a altura de onde seriam jogados os corpos e, por fim, o ângulo de ataque. Isso tudo para se considerar a resistência do ar sobre os corpos.
A pedra era um pedaço de granito irregular que cabia na palma da mão de um adulto sem, contudo, que o mesmo pudesse envolvê-la totalmente com a mão (devia ter entre 2 e 3 Kg de massa, não tenho certeza). O garfo era um garfo grande comum e os dois corpos seriam soltos de um terraço num sobrado (entre 6 e 8 metros de altura).

O relato que fiz neste tópico foi muito resumido. Houve o questionamento típico da pena ao que a criança respondeu:
A pena devia cair igual também, mas a pena é diferente. A pena não vale, ela nem cai direto. Para valer tem que cair direto, igual ao garfo e a pedra. Tem que ter outra explicação para a pena.


O garoto pode ter feito a afirmação baseada em uma experiência anterior, realizada apenas a título de curiosidade, onde ele constatou que dois outros objetos chegavam juntos ao solo, se fossem soltos de uma dada altura, simultaneamente.

Isto explicaria o porque da sua pronta e convicta resposta e também o porque que ele não demonstrou nenhuma surpresa pela proposta, pois que ela é de caráter nitidamente contra-intuitivo.

Ele não precisaria conhecer nem os termos físicos, nem seus significados e nem suas implicações (inércia, gravidade, resistência do ar, peso).
De fato, o garoto não conhecia nem os termos físicos, nem seus significados e nem suas implicações, mas também jamais havia feito a experiência antes. Isso nunca, nem sequer, lhe ocorrera. O motivo pelo qual o garoto demonstrou perplexidade pela dúvida do propositor é que ele(o menino), realmente, não conseguia ver o fenômeno de outra forma (pensava que todos deviam ver da mesma maneira que ele).

Offline Cientista

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #19 Online: 12 de Maio de 2010, 02:26:00 »
Muitas descobertas de Arquimedes foram por momentos "mágicos". Do nada arquimedes gritava "Eureka!", era a certeza de uma grande descoberta.
Muito pelo contrário, aquele foi um momento (do meu relato) de total ausência de magia. Mas é bem possível que o grande Arquimedes tenha tido raciocínios muito semelhantes ao abordar diversas questões.


Se não me falha a memória, muitos ciêntistas,  também, disseram terem feito suas descobertas através de sonhos.
Talvez os sonhos mais notáveis na história da ciência tenham sido os de Kekule (que sonhou com os anéis benzênicos) e Mendeleiev (que sonhou com a organização da tabela periódica para inferir a existência de elementos ainda não descobertos). Mas tais sonhos aconteceram após intensa concentração nas questões, em estado de vigília. Não vieram como golpe de mágica. De qualquer forma o que ocorreu no que relatei não foi nada parecido com esses sonhos.

Offline Cientista

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #20 Online: 12 de Maio de 2010, 02:33:24 »
Eu acho que uma resposta mais contundente sobre a incapacidade de um cientista em ter "pensamentos mágicos" estaria na área das neurociências, mas atualmente não deve haver tecnologia suficiente para tal.
Também não faço idéia da resposta do garoto.
Não se trata da incapacidade de ter pensamentos mágicos (de novo, você faz isso parecer uma coisa muito indesejável), mas da capacidade de não tê-los.

Sem dúvida, se você pensar cientificamente (como na definição que dei no tópico Deus existe?) poderá descobrir a resposta do garoto.

Offline Cientista

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #21 Online: 12 de Maio de 2010, 02:42:08 »
Mesmo que a criança seja inteligente suficiente para fazer uma sequência de inferências lógicas para chegar a tal conclusão, ela ainda precisa resistir a algo muito poderoso que é a sua intuição.
Foi a melhor aproximação até agora, mas não houve resistência à intuição (houve ausência de pensamento mágico). Apenas, exatamente, uma sequência de inferências lógicas. Observem que não houve ausência de empirismo (é impossível produzir ciência sem empirismo). Ocorre que a observação da queda de um único corpo já é empirismo suficiente para se chegar à conclusão. Basta deduzir qual foi a sequência lógica.

Offline Cientista

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #22 Online: 12 de Maio de 2010, 02:51:24 »
Por mais incrível que possa parecer, é um tipo de pensamento mágico que interfere na apreensão exata desse problema. No mínimo, duas projeções de natureza mental são feitas sobre os objetos pela maioria das mentes que abordam o fenômeno. Pensem e descubram quais são e poderão chegar à conclusão correta.

Meu intento é sempre demonstrar a existência, a natureza e o caráter insidioso e degenerador do pensamento mágico.

Offline Derfel

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #23 Online: 12 de Maio de 2010, 08:30:43 »
Só não entendi o que tem a ver pensamento mágico com o caso. O que seria esse pensamento mágico? Seria a crença em uma divindade? Se você perguntasse o porquê dos dois objetos chegarem ao chão ao mesmo tempo, ele não poderia dizer que era assim que Deus quis que acontecesse? Ele pode ter chegado a uma conclusão por um processo intuitivo, mas não signfica que estivesse ausente o "pensamento mágico".

Offline Feynman

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Re: Avaliando a habilidade científica de pensar
« Resposta #24 Online: 12 de Maio de 2010, 13:50:24 »
Tenho que discordar, totalmente, de que os conceitos de inércia e conservação precisem ser inexoravelmente aprendidos.

Eu disse "entendimento adequado". O inexorável é por sua conta.

Conta-se que Galileu, aos 8 anos de idade, descobriu o isocronismo do pêndulo ao ver, na igreja (que bom que não prestava atenção na missa), um lustre balançando ao vento e comparando seu ciclo oscilatório com sua própria frequência cardíaca. Imagino que Galileu deve ter percebido a mesma resposta dessa criança em idade bem precoce também.

E não é uma situação hipotética. Aconteceu, de fato.

Obrigado por corroborar o que eu disse. Ele era Galileu.

Cientista, o "pensamento mágico" a que se referistes não é, pura e simplesmente, uma conjectura ou uma hipótese ad-hoc? Em quê diferiria?
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