Buckaroo:
Estou concordando que na sociedade atual temos uma tendência de gerar um círculo vicioso entre pobreza e fertilidade. Não acho que é bom para pessoas pobres terem muitos filhos. Mas ainda acho que a melhor forma de quebrar este círculo é atacando a pobreza. Me parece muito mais eficaz e humano. No final das contas, os países que conseguiram diminuir o índice de fertilidade são aqueles que possuem um padrão de vida bom para a população. Desconheço casos de países com padrões de vida ruins conseguindo abaixar a natalidade.
Não é mais "desumano" para os pobres receberem educação e recursos para planejamento familiar e economia doméstica do governo e assim terem menos filhos, do que é para as camadas mais ricas fazerem isso sem precisar desse tipo de ajuda. Eu acho mais desumano deixar de se fazer isso por ter quem dê um jeito de interpretar como "nazista", deixando as pessoas sofrerem e colocarem mais crianças no mundo para sofrerem com a a pobreza.
Quanto a eficiência, bem, acho que é só se imaginar certas coisas, como como seria para você levar sua vida se tivesse mais um, dois, três, quatro, cinco ou seis filhos. Depois imagine isso, só que sem ter o trabalho que tem, sem ter qualquer especialização. Ou você consegue alguma especialização gratuitamente, ou essa especialização vai representar menos comida na mesa durante algum tempo. Sem falar que, talvez fosse melhor em vez de investir esse tempo em especialização, ter uma dupla jornada de trabalho, ainda que isso signifique ficar mais estagnado nesse trabalho que não paga bem.
Isso já deve dar para ilustrar bem as dificuldades, mesmo sem fazer qualquer tipo de conta. Mas isso nem pára por aí. Além desse problema "atual", tem os efeitos inter-geracionais. Com esses filhos hipotéticos adicionais, você não só teria mais problemas para pagar as contas "agora", como teria menos para investir na formação dos filhos. Mesmo que conseguisse dar a eles uma boa alimentação, garantindo sua nutrição, proporcionar condições para um bom desenvolvimento cognitivo (há estudos mostrando que, quanto mais irmãos mais velhos uma pessoa tem, menor tende a ser o QI - mas as coisas já começam a "funcionar" estatisticamente mesmo para irmãos gêmeos como primeiro par de filhos de um casal), e algum lazer, além de vagas em boas escolas públicas até o ensino médio, isso não vai dar a eles mais garantias do que essa hipotética versão de você sem especialização profissional.
A coisa só se complica exponencialmente quando você deixa de observar apenas esse indivíduo hipotético e começa a pensar no efeito populacional de um monte de gente agindo da mesma maneira. Os seus três, quatro ou cinco filhos não terão só os problemas que você teve, mas serão agravados pela competição mais acirrada por trabalhos sem qualificação com os três, quatro, cinco ou seis filhos do seu irmão, da sua irmã, do seu primo, e das suas centenas de vizinhos.
Mesmo sem colocar números no papel, acho que primeira perspectiva, sob o nível individual, deve deixar bem claro como o planejamento familiar, a lógica de se ter filhos apenas com alguma segurança financeira, faz sentido nesse nível "micro". É muito mais fácil prosperar investindo primeiramente na formação, do que tendo filhos na adolescência e/ou antes de conseguir uma boa segurança financeira, do que invertendo essa lógica. A combinação disso com a segunda perspectiva, deve também deixar claro como que, apesar de não se saber de países que tenham conseguido obter melhores condições de vida para a população a partir de políticas como essas que sugeri (e não saber não significa que não existam esses casos, pode ser só menos conhecido, só sendo lembrados os casos desumanos, como da China), a lógica aplicada apenas ao indivíduo já preveria algo nesse sentido, e só se fortalece quando se imagina os efeitos em nível populacional.
Essa talvez seja uma das coisas que mais me perturba. Essa lógica toda não é extremamente complexa, e no entanto, isso é um dos maiores tabus que existem. "Malthus" ou "malthusianismo" é praticamente um xingamento, e sem razão. Algumas vezes parece que as pessoas, entendem bem essa lógica, mas preferem ignorá-la simplesmente por ser mais socialmente aceitável ser contra essa "monstruosidade", mesmo que a custo do agravamento da pobreza e da miséria -- os verdadeiros monstros -- causado pela generalização dessa ignorância deliberada. Talvez com a racionalização interna de que, apesar disso, a pobreza ainda poderia eventualmente diminuir, ainda que bem mais incerta e lentamente. Mas como não é a pobreza deles, nem necessariamente dos filhos deles, então não são eles ou seus filhos a pagar o preço por essa posição mais "bonita", mais socialmente aceitável a se defender.
Não estou acusando ninguém de hipocrisia, é só um desabafo. É algo que me parece meio que necessariamente ocorre de vez em quando, uma vez que a lógica por trás disso é antiga e não muito complicada (aliás, é a mesma lógica que os sindicatos conhecem e usam para melhorar as condições de vida para os trabalhadores sindicalizados de um setor, através da marginalização de potenciais competidores (os não-sindicalizados) na base da canetada). E é difícil de se conformar com isso.