Quero deixar claro que esta postagem não tem a pretensão de esgotar o assunto, na maneira proposta pelo forista Donatello, por pelo menos duas razões. A primeira é que eu não conheço a realidade sobre as estruturas de custos em outros países no grau solicitado pelo forista supramencionado e a segunda razão é que escapa do meu saber, uma parte significativa das situações vividas pelo empresariado brasileiro, embora eu tenha uma razoável ideia do contexto. No entanto, acho que o forista supramencionado está equivocado em alguns aspectos de sua análise, conforme descrevo a seguir.
E não me acuse de ficar batendo na mesma tecla: enquanto alguém insistir na tecla de que nossos tributos sobre o empresariado são muito altos e que nossos salários e apêndices são inviáveis eu vou bater na tecla mil vezes se for de que há inúmeros países (a Europa inteira, a saber) cujos empresários convivem com tributos muito mais altos que os nossos (que são cobrados de modo diferente, mas isto tem pouca importância sobretudo pelo fato de que eles pagam, sempre e sem desculpas), pagam aos seus funcionários salários e taxas sobre salários muito mais altos que os nossos, cobram preços sobre seus produtos mais baixos que os nossos (exceto por serviços, é o que dizem) e ainda conseguem viver felizes e sorridentes em suas condições de empresários bem sucedidos. Então salários altos e impostos altos não pode ser o ponto de defesa. Mil perdões por ser repetitivo demais.
Primeiro ponto.
O título do tópico "
Compro por 15,00% a mais que o vizinho e vendo por 800% a mais que ele. Lucro bem?" induz o leitor a um erro comum de natureza conceitual. A diferença entre o preço de compra e o preço de venda não é o lucro, pois este é definido como sendo o resultado final da atividade da empresa, na qual se subtrai da receita (operacional e não-operacional), todos os custos (e despesas) que incluem os operacionais, os financeiros e os impostos.
Segundo ponto.
O sistema legal que regula o setor produtivo no Brasil é muito oneroso ao empresariado, incluindo os impostos, ao contrário do que pensa o forista Donatello, pois a tributação no Brasil é estruturada de tal maneira que há sobreposição de impostos ao longo da cadeia produtiva (efeito de "cascata").
Pegue-se, como exemplo, um televisor. Cada componente dele já teve a incidência de pelo menos um imposto. Depois de pronto a fábrica recolhe os impostos federais, incluindo o IPI (conforme a sua respectiva TIPI). Quando o televisor é comercializado para o consumidor final há a incidência de ICMS. E esta característica permeia toda a
cadeia produtiva no Brasil.
Uma diferença fundamental entre o Brasil e outros países reside no fato de que aqui, os impostos (IRPJ, IRRF, IOF, IPI, IE, II) e as contribuições (CIDE, PIS, COFINS, CSLL) federais incidem sobre o faturamento e não sobre o resultado final da empresa, sendo uma exceção parcial as empresas tributadas pelo "lucro real". A mesma situação ocorre nas esferas estaduais (com o ICMS) e municipais (com o ISS), dependendo, é claro, do tipo de atividade econômica exercida pela empresa.
Quando um produto é vendido o percentil de tributação incidirá sobre o valor expresso na nota fiscal, significando que mesmo que o valor de venda ultrapasse o valor de compra na proporção de 10x1, os impostos serão recolhidos sobre o valor base de venda. Eis um
texto didático sobre o assunto. Eu particularmente não conheço nenhum produto que tenha carga tributária menor que 30,00%.
Mas dois aspectos importantes da tributação, ambos nefastos. O Brasil apresenta a mais complexa legislação do mundo, segundo dados do
Portal Tributário. Esta complexidade gera mais um custo, que é a necessidade de contratar um escritório de contabilidade com excelência ou, se a contabilidade for interna, ter uma consultoria tributária.
O segundo aspecto são as chamadas “obrigações acessórias” representadas pelos muitos tipos de relatórios que devem ser enviados ao poder público na qual a não-entrega ou entrega fora do prazo, acarreta multas absurdas, com a única finalidade de arrecadação. Os relatórios são a DIPJ, a DIRF, a RAIS, a DFC (todos anuais) e mais a DACON e a DCTF (ambas mensais). Dependendo da atividade econômica, são exigidos outros tipos de relatórios.
Terceiro ponto.
O custo da mão-de-obra é um fator muito expressivo na composição do preço final, em particular se as empresas forem do tipo “trabalho intensivo”, como as de prestação de serviço. Vejamos o exemplo de um trabalhador de uma empresa que tenha um salário de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais).
Mensalmente, sobre este salário, incidirão os seguintes encargos e seus respectivos percentis: Décimo Terceiro Salário (8,33%), Férias e 1/3 (11,10%) e FGTS (8,00%). Se a empresa for tributada pelo “lucro presumido” ou pelo “lucro real” ainda incidirão os encargos do INSS e congêneres e que representam em torno de 28,00% do salário.
Um exemplo conspícuo é a minha empresa, no qual o item “salário” representa 40,00% do meu custo total. Se eu acrescentar os encargos o custo total sobe para cerca de 51,00%. Se eu adicionar as despesas com vales-transporte, vales-refeição e seguros, o custo total com mão-de-obra fica por volta dos 55,00%.
É claro que você não precisava dizer que era empresário assim como eu não precisava dizer que não era. Os nossos discursos dizem um monte de coisas sobre nós além do que explicitamente mencionamos.
Quarto ponto.
Toda a atividade empresarial implica em um risco financeiro e patrimonial para os sócios, de tal modo que não há sentido alguém desenvolver uma atividade econômica na condição de empresário sem a possibilidade real de ter uma compensação adequada. E ainda mais exótica é a ideia que alguns foristas tem de achar que um funcionário deve receber uma remuneração próxima aos dos sócios.
Em pelo menos uma postagem o forista Donatello, dá a entender que o lucro com uma margem expressiva (“100%, 200%, 300%, 800%”) é a regra do empresariado brasileiro, o que certamente não corresponde ao universo amostral que eu conheço, pois dos cerca de 300 empresários que eu convivo e ou trabalho, nenhum deles tem lucro superior a 30,00%. A maioria tem uma margem de lucro que gravita em torno de 18,00%.
É possível que alguns empresários tenham margens superiores a muito superiores ao que eu mencionei, mas ainda assim cabe uma observação pertinente: Não há limite legal para o lucro. Portanto, uma margem de lucro grande, como as apontadas e reclamadas pelo forista Donatello, se existirem, podem até ser “imorais”, mas definitivamente não são ilegais.
E esta visão do forista supramencionado me faz lembrar uma parte nefasta da herança católica deste país: Abominar os grandes ganhos financeiros. Dos outros, é claro.
Mas já que você resolveu citar a sua atividade e a usar como argumento de auto-autoridade... Responda-me algumas perguntas, apenas se não lhe for muito doloroso.
Na sua empresa os funcionários estão todos registrados e regularizados conforme a nossa legislação? Recebem apenas o piso funcional/salário mínimo, mais do que isso ou nem isso? A folha salarial (com todos os tributos a ela relacionados) respondem por qual percentual da receita bruta de suas empresas (em média ou considerando o último mês/ano/whatever)? E por qual percentual dos lucros?
(Se for responder não minta, se achar necessário mentir em algum quesito não responda, não precisa responder se considerar de qualquer modo invasivo, desrespeitoso...)
A minha principal empresa tem 15 funcionários, todos registrados segundo o cargo que exercem, e que consomem cerca de 55,00% da receita total. Todos eles recebem acima do piso salarial (20,00% ao menos) e todos os benefícios legais, inclusive aqueles acordados na CCT.
Os impostos diretos respondem por mais 12,00% do custo total, enquanto que todas as demais despesas (manutenção de equipamentos e instalações, limpeza, condomínio, energia elétrica, água e esgoto, telefonia móvel e fixa, internet, impressos, deslocamento e transporte de documentos, materiais diversos de consumo e de expediente, “toner” para impressoras, pró-labore, remuneração do capital investido, consultorias terceirizadas, assinatura de boletins informativos, seguros, etc) representam outros 19,00%. Em média o lucro líquido é de 14,00%.
Por fim, quero ressaltar que a minha empresa não deve nem um só centavo de impostos, contribuições, taxas, emolumentos, salários, encargos trabalhistas ou previdenciários e nem fornecedores. Em 48 anos de atividade (que começou com o meu sócio na condição de autônomo) nunca teve uma só ação civel contra ela e teve somente uma ação na Justiça do Trabalho, e que foi ganha por unanimidade em segunda instância. Nunca sofreu uma só denúncia no Conselho Regional e nem no Procon.
E se o forista Donatello achar que eu estou mentindo, eu posso fornecer o CNPJ da minha empresa para que ele solicite as certidões e verifique a veracidade das minhas informações.