Não me surpreenderia
Vamos fazer um exercício de lógica então.
1 O que é Deus?
– Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas.
(...)
4 Onde podemos encontrar a prova da existência de Deus?
– Num axioma que aplicais às vossas ciências: não há efeito sem causa. Procurai a causa de tudo o que não é obra do homem, e a vossa razão vos responderá.
☼ Para acreditar em Deus, basta ao homem lançar os olhos sobre as obras da criação. O universo existe, portanto ele tem uma causa. Duvidar da existência de Deus seria negar que todo efeito tem uma causa e admitir que o nada pôde fazer alguma coisa.
Muito bem, vamos concordar nessa premissa de que não existe efeito sem causa. Calma, não, eu não vou perguntar "qual é a causa de Deus?" eu sei que você tem uma resposta na ponta da língua (apesar de eu não a achar nem um pouco convincente).
O caso é que geralmente as pessoas pensam em causa e efeito em termos de "bolas de bilhar," ou seja, em termos de uma sequência de acontecimentos. Por exemplo, a bola 2 é posta em movimento porque foi acertada pela bola branca. É esse tipo de metáfora de causa e efeito que vem à nossa cabeça quando pensamos que se o universo existe, algo deve tê-lo criado.
Mas existe outra forma de se pensar em causa e efeito, baseada em outra metáfora: a do "relógio." Diferentemente da metáfora das bolas de bilhar, que nos dão uma ideia de sequência, a metáfora do relógio nos dá uma ideia de funcionamento. Sabemos que os ponteiros de um relógio não se movem por mágica. Eles se movem porque há uma fonte de energia, por exemplo, uma pilha de lítio, que causa a rotação de engrenagens que por sua vez movem os ponteiros.
O que vale para relógios, vale para carros, computadores, células e até para o cérebro humano. Temos dentro de nossos crânios um órgão formidável com quase 100 bilhões de neurônios, cada um fazendo mais de 10 000 conexões sinápticas. Existem mais conexões entre os neurônios de nosso cérebro do que folhas nas árvores da floresta amazônica. Entendemos relativamente pouco sobre como esse mecanismo estupendo funciona, mas o pensamento materialista é bem compatível com a "lei da causa e efeito" aí: as interações entre os neurônios no cérebro humano explica o pensamento, como o a pilha de lítio e as engrenagens explicam o relógio.
O pensamento espiritualista, por outro lado, ou viola ou transfere para outro lugar o mecanismo da causa e efeito. Ao supor que o cérebro sozinho não é suficiente para gerar pensamentos, precisando ser animado por um espírito, e ao propor que o espírito sem o cérebro é um ser inteligente, capaz de ter pensamentos, emoção, memória, etc, podemos questionar: se o cérebro não explica a inteligência do homem, o que explica a inteligência do espírito? Vamos pensar nas duas respostas possíveis: a primeira, que já ouvi de espíritas, é a de que o espírito é "pensamento puro", ele não precisa de um mecanismo, ele é simplesmente dotado de inteligência e pronto. Ora, a inteligência não é pouca coisa! A inteligência é um processo complexo. Por isso mesmo não conseguimos e nem conseguiremos a curto prazo criar uma máquina inteligente. Por isso que pedras e nuvens não são dotados de inteligência. Supor que algo pode ter inteligência sem uma estrutura complexa que lhe viabiliza é pensamento mágico, é animismo. A inteligência do espírito é um efeito sem causa então, é mágica, os pensamentos brotam do nada. A segunda possibilidade é que a inteligência venha de alguma fonte (provavelmente com origem divina) ou que eles tenham algum tipo de mecanismo responsável por gerá-la, um mecanismo complexo projetado diretamente por Deus.
Tá, mas e Deus? Deus não é simplesmente inteligente, ele é a inteligência
suprema! De onde vem essa inteligência? Deus tem um cérebro, uma CPU ou algo análogo? Se sua resposta é não, então parabéns, você é um animista e não acredita em causa e efeito. Se sua resposta é sim, como imagino, então chegamos a uma questão mais interessante: o cérebro supremo da inteligência suprema deve ser algo complexíssimo! Se o nosso cérebro precisa de 100 bilhões de neurônios fazendo 1 quatrilhão de conexões e ainda somos tão estúpidos, imagino o nível de organização funcional que precisaria haver em uma inteligência suprema? Deus precisa ser de uma complexidade infinita! Sou obrigado a perguntar de onde veio isso. Conforme a Bíblia e o LE, "Deus é o mesmo ontem, hoje e sempre", logo ele não evoluiu de formas mais simples.
Deus sempre teve esse cérebro pujante e ponto final. Mas não é estranho que para resolver o problema espinhoso de como esse universo complexo existe, tenhamos que invocar causas mais complexas ainda? Infinitamente complexas até? O materialismo parte do caminho oposto, de que o universo deve ter brotado de causas simples, quanto mais simples melhor. A física, a química e a biologia têm tido muito sucesso em mostrar como leis simples são capazes de gerar sistemas complexos e como de fato o universo evoluiu nesse sentido, no limite os materialistas imaginam que o universo brotou do extremo da simplicidade e resultou nisso que estamos vendo agora. A teoria da evolução em particular, explica como um cérebro complexo pode ter surgido de formas extremamente simples. Mas nada explica como um Deus infinitamente inteligente pode existir e funcionar... sem causa. O espiritualismo, portanto, supõe que nossa origem está na complexidade infinita tendo gerado um estado de complexidade finita que com o tempo foi aumentando. Precisamos dessa hipótese a mais? Incluir Deus na origem do universo responde nossas perguntas ou só inclui novas perguntas ainda mais complicadas?