(Aviso: ainda não terminei de ver o vídeo. A BBC bem que poderia ter feito a gentileza de quebrá-lo em partes)
Por falar em quebrar em partes:
É um apanhado interessante de coisas, mas um tanto desconexas. O problema é que "consciência" pode pelo menos uns dois ou três significados um pouco distintos. Pode ser como o cérebro processa as informações do mundo ao redor, guarda informações, faz decisões, e nisso há a ramificação do problema do livre-arbítrio...
Não sei porque, mas pessoalmente não sei que problema do livre-arbítrio é esse. Não vejo problema algum em sermos
guiados por cadeias de causas e efeitos. O que muitos não parecem perceber é que o fato de essas cadeias existirem
não implica de forma alguma que as respostas do cérebro humano sejam previsíveis. Elas podem muito bem ser caóticas
(no sentido de sensibilidade a condições iniciais) e extremamente complexas. Porque é tão fácil aceitar que o clima da Terra seja
regido por relações de causa e efeito, mas não a mente humana?
Digo "problema" no sentido científico mesmo, não de "oh meu deus, não temos livre-arbítrio, e agora?"
Acho que pode se falar de vários "níveis" de "livre-arbítrio". Em última instância, quando a neurologia encontra a física, acho que não tem jeito, não há muito como defender que exista um livre arbítrio "de verdade", que exigiria algo como "vontade pura" dissociado do cérebro, e que de alguma forma pudesse controlar a bioquímica de acordo. Mas mesmo aceitando que isso não existe, há ainda quem defenda que há algo que se pode chamar de livre-arbítrio (Dennett), mas eu pessoalmente acho um pouco distante desse livre-arbítrio "ideal", que é o que acho que a maior parte das pessoas espera por "livre-arbítrio". De certa forma não é diferente do "livre arbítrio" de um personagem-não-jogador de um videogame, mais uma espécie de interpretação de consolação do que a coisa "mesmo".
Dentro desse livre-arbítrio mais "fraco", há a questão do papel da consciência. Normalmente supomos que nós é que decidimos conscientemente nossas decisões, mas experimentos como um dos últimos mostrados no filme sugerem que talvez nem isso exista, que a nossa impressão de decisão voluntária talvez fosse mais uma percepção da decisão que foi feita inconscientemente, algo que naturalmente interpretamos como se fosse "idéia nossa". Acho que pela lógica do Dennett isso ainda poderia ser chamado de "livre-arbítrio", até porque talvez ele simplesmente passe por cima da questão da percepção subjetiva (ele parece que nega a existência de qualia, eu nunca entendi isso). De qualquer forma, é ainda mais distante do ideal de livre-arbítrio que a maior parte das pessoas deve ter, talvez até o ponto de ser meio desalentador, mas não é esse realmente "o problema". Tem gente que contesta esses experimentos (acho que o pioneiro foi Libet, e é procurando por esse nome que deverá encontrar as contestações), umas até que eu acho meio permeadas por algum wishful thinking, como idéias de que a consciência viaja no tempo, segundos atrás, e esse tipo de coisa. Mas acho que tem coisas um pouco menos "fantásticas"* tentando dar um papel maior para a consciência no livre-arbítrio.
* se é que "viagem no tempo" é algo realmente fantástico para a experiência subjetiva, sobre a qual praticamente nada se conhece... se tiver algo a ver com alguma propriedade física da matéria (como o Chalmers sugere), bem, tem todas aquelas coisas de "quantum eraser", que sugerem umas interpretações meio esquisitas quanto a essa coisa toda de tempo, então, quem sabe?
... mas praticamente independentemente desses, há o "problema difícil" da consciência, a experiência subjetiva em si. Mesmo que se bolasse todo um aparato e se pudesse de alguma forma ter absoluta certeza de que quando uma dada área do cérebro está ativa (ou um padrão de atividade mais global), há a experiência subjetiva/qualia, isso não responde nada sobre "o que é" isso. Sabemos que o "vermelho" é uma representação mental de uma freqüência de luz, mas essa freqüência de luz e a capacidade de distingui-la processualmente não é nada que necessariamente implica na experiência subjetiva de "vermelho". Ou ao menos não é o que se costuma imaginar. Geralmente supomos que uma câmera de vídeo, não tem essa "vida interior" baseada apenas em visão e em outros inputs "sensoriais" dos seus controles, que isso é uma espécie de animismo meio infantil. Que podemos fazer um robozinho que reconheça coisas do ambiente, inclusive cores, consistências, sabores, mas que ele não "sente" subjetivamente com esse tipo
de consciência que temos, apenas recebe informações, as processa, e reage de acordo. Seria um "zumbi filosófico". E é complicado explicar por que nós temos/teríamos e uma câmera ou robozinho não, e a partir de que nível de organização física uma coisa qualquer teria isso. Apenas intuindo pela lógica do que fazemos, nada "prevê" que teríamos essa percepção do mundo dessa forma, em vez de não termos essa "vida interior", como supomos ser o caso com robôs, câmeras, ou termômetros.
Recentemente li o livro "Counsciousness explained" do Daniel Dennet. Nele ele propõe uma teoria provisória da consciência e descarta
completamente a possibilidade dos qualia. Na minha opinião (e acho que na do Dennet também), esses argumentos como o da sala
chinesa do Searle são espantalhos.
Por exemplo (note que sou leigo no assunto, daí que se eu estiver falando bobagem a culpa é apenas minha):
eu procuro visualizar o processo de identificação de um objeto da seguinte forma: um observador vê uma maça - isso gera, nesse
exemplo, um padrão de atividade no córtex visual ligado à imagem da maçã. Em seguida essa imagem mental gera suas próprias associações: cheiros, cores ("um vermelho igual ao da cortina da casa de sua avó", "cheiro do quintal da sua tia", "forma de um
balão/lua/laranja/pedra/...", "o mito de adão", "Branca de Neve e os sete anões", etc.) que
por sua vez geram suas próprias associações visuais e emocionais. Essa árvore de associações, esse gestalt recebe um
rótulo mental MAÇÃ, que pode ser posteriormente manipulado - isso nos daria a sensação de uma qualidade fenomenal a experiência
da observação da maçã, que nada mais seria o padrão de atividade neural decorrente de MAÇÃ. Nada misterioso nisso.
O espantalho surge quando tentamos igualar esse mecanismo de identificação com sua árvore de associações com a detecção
mecânica da forma e da cor de uma maçã por uma máquina primitiva.
(Eu também não entendo bulhufas disso)
Eu acho que o problema é que há um tremendo salto quando diz, "isso nos daria a sensação de uma qualidade fenomenal a experiência da observação da maçã, que nada mais seria o padrão de atividade neural decorrente de MAÇÃ. Nada misterioso nisso."
Podemos imaginar que um sistema registra todos esses inputs e faz todos esses processamentos e "rótulos" para lidar com eles, e no entanto, em momento nenhum ele tivesse uma experiência subjetiva das coisas. Não há momento algum em que possamos apontar e dizer, "aqui, é nesse nível de complexidade que emerge essa sensação subjetiva da maçã/vermelho no sistema; apenas passado esse threshold de complexidade que emerge um 'campo consciencial' ao redor do sistema".
Mesmo algo mais complexo que a analogia do Searle, por exemplo, como um computador, mesmo um super-computador, poderíamos bem imaginar que o tempo todo, por mais complexo que seja o processamento que está ocorrendo, que em momento algum ele é mais "consciente" do que se supõe ser um relógio de corda.
Por outro lado, com coisas eletrônicas a idéia de consciência fica numa espécie de intermediário de plausibilidade, entre algo meramente mecânico e o nosso cérebro biológico, daí há até as "teorias eletromagnéticas da consciência".
http://en.wikipedia.org/wiki/Electromagnetic_theories_of_consciousnessE não parece óbvio que isso eventualmente mudaria na medida que se acrescesse complexidade e informação ao programa/computador. É uma possibilidade, que, sei lá, de uma dada rede de informações complexas, de repente surja uma "imagem mental" nesse sistema.
Mas isso não é algo trivial de se afirmar, é até algo razoável de se supor, dado que nosso cérebro se encaixa nessa descrição e que observamos isso, nem muito menos a explicação acaba aí. Continua sendo meio que um outro "plano de existência" (ou qualquer outro termo que diga a mesma coisa sem qualquer carga de misticismo), algo sobre o qual nada sabemos.
E mesmo com substratos biológicos o problema persiste... insetos, eles "assistem" o mundo externo como nós, como naqueles filmes em que se mostra a visão pelos seus múltiplos olhos, ou não teriam complexidade suficiente para isso, sendo "zumbis filosóficos", como normalmente se imagina que seria um robô que fizéssemos que imitasse uma barata? Se insetos são, então como será que é que a consciência/experiência subjetiva vai "diminuindo" conforme retrocedemos em complexidade do sistema nervoso central? Será que mesmo depois de não haver mais centralização ainda há alguma forma de experiência subjetiva, ou aí já estamos no nível em que parece simplesmente tolo/espantalho comparar com nosso cérebro?
Não acho que temos ainda como responder essas coisas, o que podemos fazer é estudar nossos correlatos da consciência no nosso cérebro e a partir daí inferir o que aconteceria nessas situações, mas não podemos realmente observar muita coisa, e o tempo todo, só o que temos, é essa observação totalmente superficial e intangível da coisa, por mais que se triangulasse a consciência a uma área no cérebro ou um dado padrão de atividade, a "imagem mental" não é nada como o que se costuma estudar, feito diretamente de partículas e suas propriedades convencionais.
Acho que muito do suposto mistério da consciência vem de um hábito de as pessoas de pensar no chamado "Teatro Cartesiano":
o suposto lugar onde a experiência subjetiva "acontece". Se você descartar esse Teatro, fica mais fácil encarar a experiência
subjetiva como uma simples "opinião de sua mente acerca do mundo". Para entender isso, lembro uma pergunta que um aluno
me fez: "mas professor, como é que nós vemos o mundo de cabeça pra cima se a imagem na nossa retina é de cabeça para baixo?"
O fato é que a nossa experiência subjetiva equivale ao nosso cérebro afirmar: "na nossa opinião, os dados transmitidos pelo nervo
ótico indicam que o mundo é ASSIM e é com essa hipótese que vamos trabalhar." Essa ideia é corroborada por experimentos.
Embora eu pessoalmente não veja problema algum nesse caso específico citado (visão "de cabeça para baixo"), acho que essa explicação, é mais "explain away", varrer o problema para baixo do tapete com palavras do que uma explicação concreta da coisa. Ok, esse aparente "teatro" é a opinião/interpretação do cérebro sobre os seus inputs. Mas o mesmo poderia se dizer de uma balança sobre a qual se coloca um peso, ou de uma câmera colocada filmando um objeto, e nem por isso supomos que esses sistemas tenham qualquer coisa parecida com a imagem mental que o nosso cérebro faz a partir das entradas sensoriais. São só coisas "físicas", ou peso comprimindo uma mola e um monte de engrenagens, ou luz incidindo sobre material fotossensível, elétrons para lá e para cá, eventualmente acendendo píxeis do outro lado, sem que nesse interim, haja uma "imagem mental" experimentada pelo aparelho eletrônico (ou uma "sensação de peso" experimentada pela balança, mecânica ou eletrônica, de precisão).
Esse assunto te deixa pirado se for pensar muito, ou no mínimo provavelmente faz parecer que você pirou, se falar muito...
Uma entrevista/conversa do David Chalmers, filósofo que lida com a área de filosofia da mente, sobre esse assunto:
http://bloggingheads.tv/diavlogs/254
Segmentos:
Science Saturday: Consciousness Explained, kind of
Why consciousness captivates David (05:23)
The Woodstock of consciousness studies (08:29)
Why can’t a thermostat be conscious? (07:57)
Can we study consciousness without a consciousness meter? (09:33)
John’s enthusiasm for The Matrix nosedives (16:32)
Pure, contentless consciousness (09:54)
“Physical theory” won’t do the job (05:37)
Parece interessante. Vou dar uma olhada.
Eu baixei um monte de podcasts de conferência disso há um tempo atrás, ainda tenho que ouvir... devo ter dado um tempo para não pirar, desde quando baixei...