Autor Tópico: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência  (Lida 133234 vezes)

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Offline Buckaroo Banzai

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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #50 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 12:08:50 »
.. Pode bem ser que computadores, calculadoras, e até relógios de corda ou termostatos sejam conscientes de alguma forma, em algum grau.

não, não podem.


"Consciência" aí tem apenas o sentido de "experiência subjetiva", "qualia", não os processos mentais. E simplesmente não se sabe, e não há como afirmar algo diferente, pode-se apenas especular.

Offline Buckaroo Banzai

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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #51 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 12:26:54 »
É uma questão tão problemática que as hipóteses de "onde" existe qualia vão desde algo praticamente onipresente (Chalmers) até restrita apenas a humanos, em função de termos linguagem (Ramachandran).

Eu acho mais fácil questionar Ramachandran do que Chalmers. Ele sugere que qualia seja algo que emerge quando se dá "significado" aos estímulos sensoriais, o que seria inerente a linguagem. Bem, além disso ser simplesmente uma suposição arbitrária que passa anos-luz de distância da "lacuna explanatória" dos qualia, acho que há uns problemas com a lógica disso também.

Eu acho que não é necessário linguagem para que as coisas tenham "significado". Acho que a linguagem, mais do que uma coisa que "cria" os significados, é uma forma mais complexa de comunicar esses significados normalmente internos a outros indivíduos. Quando um animal vê comida, ou um predador, sabe o que eles "significam", embora obviamente não tenha palavras para qualquer "conceito". Seria mais ou menos como quando pensamos em uma coisa e não temos palavras para expressar, nossa mente fica "silenciosa" de palavras, mas a idéia está lá. Parece que se supõe que algumas pessoas sejam quase que predominantemente assim, acho que os disléxicos estão nesse grupo. As palavras não são os significados, são só os "signos"/símbolos, os significados podem existir sozinhos, sem "símbolos", ou sem símbolos na forma de palavras.

Outra coisa estranha com essa idéia é que os bebês só teriam a experiência de qualia depois de adquirirem linguagem? E crianças ferais, então? Passariam toda a vida como "zumbis filosóficos" até que eventualmente entrassem em contato com pessoas que a ensinassem a falar?

E cachorros que entendem muitos comandos, bem como gorilas e chimpanzés, será que estariam num nível meio intermediário?


Acho que a noção menos estranha (se é que isso tem qualquer valor) para um "instante" em que passa haver qualia seria quando há alguma forma de estímulo sensorial. O problema é que isso não é tão simples, ainda há a imensa lacuna explicatória do porque essas reações mecânicas específicas em células neuronais dariam origem a esse sentido de "se ser" uma coisa. Isso independe de se cogitar a necessidade de uma rede complexa de interações ou algo mais simples.

Offline Dr. Manhattan

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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #52 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 12:35:38 »
.. Pode bem ser que computadores, calculadoras, e até relógios de corda ou termostatos sejam conscientes de alguma forma, em algum grau.

não, não podem.

E?

não existe possibilidade de computadores terem consciência, só quem não sabe como funciona um processador ou um programa de computador pode pensar assim.

Não sei nem onde começar refutar isso..

Deixa eu reformular seu argumento: "não existe possibilidade de redes neurais terem consciência, só quem não sabe como funciona um neurônio pode pensar assim. "

Seria esse seu argumento? Ou você acredita em almas? :)

Agora sério: antes de discutirmos se computadores podem ou não ser conscientes é preciso entendermos que diabos é o fenômeno
da consciência.

Vou lhe dar um exemplo: digamos que aeronaves mais pesadas que o ar ainda não tivessem sido inventadas.
Alguem poderia argumentar, usando seu conhecimento de fisiologia e aerodinâmica, que é impossível o homem voar como os pássaros.
E é mesmo: para que um humano, mesmo pequeno, pudesse voar batendo asas usando sua força muscular, as asas teriam que
ser tão grandes que isso tornaria humanamente impossível esse tipo de voo.

A questão é: o desafio não é o de voar como os pássaros, mas de alçar voo com uma máquina mais pesada que o ar.
Não estou com isso querendo dizer que reproduzir o fenômeno da consciência seja realmente possível em um futuro próximo usando
um computador. Mas que usar a tecnologia de computadores, tal como existe hoje, com as arquiteturas e o grau de integração
que existem hoje, para descartar a possibilidade de criação de uma inteligência indistinguível da de um humano é, no mínimo um raciocínio míope.

Agora vamos voltar ao problema da consciência.
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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #53 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 12:42:20 »
É uma questão tão problemática que as hipóteses de "onde" existe qualia vão desde algo praticamente onipresente (Chalmers) até restrita apenas a humanos, em função de termos linguagem (Ramachandran).

Eu acho mais fácil questionar Ramachandran do que Chalmers. Ele sugere que qualia seja algo que emerge quando se dá "significado" aos estímulos sensoriais, o que seria inerente a linguagem. Bem, além disso ser simplesmente uma suposição arbitrária que passa anos-luz de distância da "lacuna explanatória" dos qualia, acho que há uns problemas com a lógica disso também.

Eu acho que não é necessário linguagem para que as coisas tenham "significado". Acho que a linguagem, mais do que uma coisa que "cria" os significados, é uma forma mais complexa de comunicar esses significados normalmente internos a outros indivíduos. Quando um animal vê comida, ou um predador, sabe o que eles "significam", embora obviamente não tenha palavras para qualquer "conceito". Seria mais ou menos como quando pensamos em uma coisa e não temos palavras para expressar, nossa mente fica "silenciosa" de palavras, mas a idéia está lá. Parece que se supõe que algumas pessoas sejam quase que predominantemente assim, acho que os disléxicos estão nesse grupo. As palavras não são os significados, são só os "signos"/símbolos, os significados podem existir sozinhos, sem "símbolos", ou sem símbolos na forma de palavras.

Outra coisa estranha com essa idéia é que os bebês só teriam a experiência de qualia depois de adquirirem linguagem? E crianças ferais, então? Passariam toda a vida como "zumbis filosóficos" até que eventualmente entrassem em contato com pessoas que a ensinassem a falar?

E cachorros que entendem muitos comandos, bem como gorilas e chimpanzés, será que estariam num nível meio intermediário?


Acho que a noção menos estranha (se é que isso tem qualquer valor) para um "instante" em que passa haver qualia seria quando há alguma forma de estímulo sensorial. O problema é que isso não é tão simples, ainda há a imensa lacuna explicatória do porque essas reações mecânicas específicas em células neuronais dariam origem a esse sentido de "se ser" uma coisa. Isso independe de se cogitar a necessidade de uma rede complexa de interações ou algo mais simples.

No livro do Dennet ele faz uma citação interessante:

Citação de: Helen Keller
Before my teacher came to me, I did not know that I am. I lived in a world that was
a no-world. I cannot hope to describe adequately that unconscious, yet conscious time of nothingness...
Since I had no power of thought, I did not compare one mental state with another

No caso, trata-se de Helen Keller [1], que aos 19 meses contraiu uma doença e ficou surda e cega. Mesmo assim, com
a ajuda de uma professora, superou suas dificuldades e se tornou ativista, escritora e palestrante(!)
Uma história fascinante.

http://en.wikipedia.org/wiki/Helen_Keller
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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #54 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 13:02:03 »
Sobre os qualia. Pensei agora numa maneira de explicitar melhor o problema. Pulando um pouco para o outro lado do debate. :)

Vamos supor que alguem produza uma arquitetura de rede neural que consiga emular precisamente um cérebro humano. Digamos que
seja então possível "copiar" um cérebro individual nesse sistema. Note que não se trata de um hardware, mas do projeto de hardware.
Pois bem, todo computador pode (em princípio) ser emulado por uma máquina de Turing Universal. Por sua vez, essa máquina de Turing
pode ser implementada nos mais diversos substratos diferentes.

Vamos supor que nosso cérebro virtual seja implementado numa máquina de Turing baseada em um autômato celular, tal como o Jogo da
Vida [1]. Uma máquina de Turing já foi realizada nesse tipo de sistema:



Nesse caso, o input é um padrão de células acesas ou apagadas.

Ok, com tudo pronto, vamos agora interrogar esse "cérebro": você, o entrevistador, envia um padrão de bits correspondente a uma
imagem (digamos, de uma maçã :) ). Você em seguida pergunta: "Mr. BB, o que você está vendo?"
BB: "Ora, vejo uma maçã!"
Você: "Mas você realmente sente que é se trata de uma maçã?"
BB: "Claro! Que tipo de pergunta é essa?"

O problema é: todo esse diálogo. Todo essa sequência de pensamentos, são apenas padrões de células (da autômato, não simulações
de neurônios) apagando e acendendo. Então fica a questão de onde está acontecendo a vida interior desse cérebro.

Apesar de todo esse argumento ser baseado na hipótese materialista, não deixa de haver a sensação de que falta "algo"
nessa simulação. Um substrato físico onde esse mundo realmente acontece.

O que Eu afirmo, puramente em virtude de não existirem evidências concretas do contrário, é que devemos tomar as alegações
de BB (a simulação, no caso) com seu valor de face. Por mais estranho que pareça...

A propósito: http://xkcd.com/505/

[1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Jogo_da_vida

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Alan Watts

Offline Buckaroo Banzai

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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #55 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 13:54:04 »
Ok, com tudo pronto, vamos agora interrogar esse "cérebro": você, o entrevistador, envia um padrão de bits correspondente a uma
imagem (digamos, de uma maçã :) ). Você em seguida pergunta: "Mr. BB, o que você está vendo?"
BB: "Ora, vejo uma maçã!"
Você: "Mas você realmente sente que é se trata de uma maçã?"
BB: "Claro! Que tipo de pergunta é essa?"

O problema é: todo esse diálogo. Todo essa sequência de pensamentos, são apenas padrões de células (da autômato, não simulações
de neurônios) apagando e acendendo. Então fica a questão de onde está acontecendo a vida interior desse cérebro.

Essa pergunta, da maçã, foi apenas feita apressadamente para ilustrar questionamentos sobre qualia, ou há a noção de coisas como qualia "maçã", em vez de apenas dos estímulos que podem ser produzidos (no caso, visualmente) por uma maçã?



Apesar de todo esse argumento ser baseado na hipótese materialista, não deixa de haver a sensação de que falta "algo"
nessa simulação. Um substrato físico onde esse mundo realmente acontece.

O que Eu afirmo, puramente em virtude de não existirem evidências concretas do contrário, é que devemos tomar as alegações
de BB (a simulação, no caso) com seu valor de face. Por mais estranho que pareça...

Da mesma forma, não temos evidência de que uma câmera de filmagem não está na mesma situação, apenas desprovida do aparato necessário para "ter consciência de ser consciente/experimentar qualia", e para expressar isso. E se puséssemos um softwarezinho de reconhecimento de figuras, mais um de conversinhas, já daria resultados idênticos em aparência, sem no entanto ter tanto apelo intuitivo por não copiar a arquitetura de nosso cérebro. Pode até ser algo significativo, mas não sabemos. Pode bem ser só um meio de atingir o mesmo fim, embora mesmo com nosso cérebro em alguns casos não se tenha qualia "sempre", ou ao menos isso não é percebido por nosso "eu", talvez podendo existir meio independentemente, como uma mente de uma "outra pessoa" habitando o mesmo cérebro, sem se comunicar com o "eu" -- um pouco como os casos de corpo-calosotomia.

Eu acho que até pode ser o caso, mas não vejo porque "devemos" tomar alegações assim como "verdade". Fica em aberto, até que se entenda como (não apenas quando, correlações) toda essa rede de processos físicos (ao menos nosso caso), dá origem a qualia.

Offline Cientista

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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #56 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 14:03:13 »
Em sua penúltima postagem, o Buckaroo alega que a linguagem não pode ser uma justificativa para experiência subjetiva, usando, como argumento, o estabelecimento, feito por ele, de que crianças que ainda não adquiriram a capacidade de se comunicar verbalmente com outros (não conhecem os códigos linguísticos da linguagem intercomunicativa humana) e animais que nunca chegam a adquirir esse tipo de "capacidade linguística" não experimentariam essa subjetividade. E experimentam? Petição de princípio? Além disso, quem disse que os sistemas cognitivos não possuem linguagens internas, inerentes aos processamentos mais fundamentais de suas próprias funções. Eu mesmo já esbocei um modelo (bem grosseiro, verdade), em algum lugar aqui, em que é necessário, a qualquer cérebro, um tipo de bios para que suas funções comecem a ser exercidas. Todo cérebro deve se constituir já com uma linguagem padrão inerente.

Eu penso ter coisas BEM melhores para dizer, mas tenho algumas atividades familiares agora a cumprir. Mais tarde eu volto.

Offline Buckaroo Banzai

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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #57 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 14:10:20 »
No livro do Dennet ele faz uma citação interessante:

Citação de: Helen Keller
Before my teacher came to me, I did not know that I am. I lived in a world that was
a no-world. I cannot hope to describe adequately that unconscious, yet conscious time of nothingness...
Since I had no power of thought, I did not compare one mental state with another

No caso, trata-se de Helen Keller [1], que aos 19 meses contraiu uma doença e ficou surda e cega. Mesmo assim, com
a ajuda de uma professora, superou suas dificuldades e se tornou ativista, escritora e palestrante(!)
Uma história fascinante.

http://en.wikipedia.org/wiki/Helen_Keller

Bem, o Dennett acha que qualia nem existe, então nem sei o que fazer disso.

Eu também não acho que isso corrobore a idéia do Ramachandran. Tenho a impressão que ela fala de consciência em outro sentido, e não de ter experimentado ou não qualia.

Offline Dr. Manhattan

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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #58 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 14:16:38 »
Ok, com tudo pronto, vamos agora interrogar esse "cérebro": você, o entrevistador, envia um padrão de bits correspondente a uma
imagem (digamos, de uma maçã :) ). Você em seguida pergunta: "Mr. BB, o que você está vendo?"
BB: "Ora, vejo uma maçã!"
Você: "Mas você realmente sente que é se trata de uma maçã?"
BB: "Claro! Que tipo de pergunta é essa?"

O problema é: todo esse diálogo. Todo essa sequência de pensamentos, são apenas padrões de células (da autômato, não simulações
de neurônios) apagando e acendendo. Então fica a questão de onde está acontecendo a vida interior desse cérebro.

Essa pergunta, da maçã, foi apenas feita apressadamente para ilustrar questionamentos sobre qualia, ou há a noção de coisas como qualia "maçã", em vez de apenas dos estímulos que podem ser produzidos (no caso, visualmente) por uma maçã?


Se entendi bem a pergunta, seria o primeiro caso. A simulação (supondo que seja fiel o suficiente) alega ter qualia.
A coisa fica mais estranha ainda se supormos que podemos controlar o tempo dos passos da simulação. O que significa
o fato de que, entre um passo e outro podemos esperar duas semanas, um mês? No tempo mental da simulação, não haveria
diferença. E se imprimíssemos cada configuração desse autômato celular para cada instante (em folhas Muito Grandes) e colocássemos uma
ao lado da outra, esse conjunto de impressos teria uma consciência? A partir desse ponto, a coisa fica estranha demais para
eu continuar! :)


Apesar de todo esse argumento ser baseado na hipótese materialista, não deixa de haver a sensação de que falta "algo"
nessa simulação. Um substrato físico onde esse mundo realmente acontece.

O que Eu afirmo, puramente em virtude de não existirem evidências concretas do contrário, é que devemos tomar as alegações
de BB (a simulação, no caso) com seu valor de face. Por mais estranho que pareça...

Da mesma forma, não temos evidência de que uma câmera de filmagem não está na mesma situação, apenas desprovida do aparato necessário para "ter consciência de ser consciente/experimentar qualia", e para expressar isso. E se puséssemos um softwarezinho de reconhecimento de figuras, mais um de conversinhas, já daria resultados idênticos em aparência, sem no entanto ter tanto apelo intuitivo por não copiar a arquitetura de nosso cérebro. Pode até ser algo significativo, mas não sabemos. Pode bem ser só um meio de atingir o mesmo fim, embora mesmo com nosso cérebro em alguns casos não se tenha qualia "sempre", ou ao menos isso não é percebido por nosso "eu", talvez podendo existir meio independentemente, como uma mente de uma "outra pessoa" habitando o mesmo cérebro, sem se comunicar com o "eu" -- um pouco como os casos de corpo-calosotomia.

Eu acho que até pode ser o caso, mas não vejo porque "devemos" tomar alegações assim como "verdade". Fica em aberto, até que se entenda como (não apenas quando, correlações) toda essa rede de processos físicos (ao menos nosso caso), dá origem a qualia.

Pois é. A questão é saber até onde essas propriedades podem ser verificadas empiricamente e de forma objetiva.
Caso contrário, fica difícil chegar a algum consenso.
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Alan Watts

Offline Buckaroo Banzai

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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #59 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 14:23:12 »
Em sua penúltima postagem, o Buckaroo alega que a linguagem não pode ser uma justificativa para experiência subjetiva, usando, como argumento, o estabelecimento, feito por ele, de que crianças que ainda não adquiriram a capacidade de se comunicar verbalmente com outros (não conhecem os códigos linguísticos da linguagem intercomunicativa humana) e animais que nunca chegam a adquirir esse tipo de "capacidade linguística" não experimentariam essa subjetividade. E experimentam? Petição de princípio?

Petição de princípio de ambos os lados. Apenas penso que é menos "estranha" (não que isso signifique realmente muita coisa) a noção de que, antes de aprendermos a falar, já experimentamos os estímulos sensoriais da mesma forma que acontece mais tarde, e provavelmente o mesmo com outros animais, ao menos dada suficiente similaridade cerebral. Em vez de termos sido todos "zumbis filosóficos" até termos aprendido a falar. Apenas me parece bem estranho isso, não muito diferente de imaginar que ocorresse depois de um vocabulário de N palavras apenas, e as pessoas com menos palavras são zumbis filosóficos, só não sabem disso.



Além disso, quem disse que os sistemas cognitivos não possuem linguagens internas, inerentes aos processamentos mais fundamentais de suas próprias funções.

Foi mais ou menos o que disse, quando falei que a linguagem que usamos para comunicação talvez fosse mais uma forma de "transmitir os pensamentos" do que de tê-los, ou de ter "significados" para as coisas que vemos ou sentimos, podendo existir significados sem símbolos/palavras, e até algum raciocínio sem colocar as coisas na forma de "frases verbais". Apenas não supus (não que tenha algum problema com isso) ser algo "inerente aos processos mais fundamentais de suas próprias funções". Mas então não seria exclusividade humana (provavelmente menos ainda assuminod essa linguagem inerente a processos mais fundamentais), a menos que se assumisse alguma daquelas teorias doidas do Fodor de que os conceitos são todos inatos.

Offline Adriano

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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #60 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 17:45:22 »
.. Pode bem ser que computadores, calculadoras, e até relógios de corda ou termostatos sejam conscientes de alguma forma, em algum grau.

não, não podem.


"Consciência" aí tem apenas o sentido de "experiência subjetiva", "qualia", não os processos mentais. E simplesmente não se sabe, e não há como afirmar algo diferente, pode-se apenas especular.
E eu estou fazendo um pouco o papel de advogado do diabo, defendendo uma visão que nem ao menos apoio integralmente, como a dos memes. É que considero a idéia de memes mais aceita por aqui, como a já exposta pelo Gigaview no tópico Meme, eu mesmo, eu. Entendo os memes como um qualia coletivo, da espécie humana. Além da integração desta teoria com a epistemologia popperiana. E do outro lado, eu já pesquisei muito a psicologia e mesmo a psicanálise na interpletação dos memes mais simples como o de pulsão de vida e pulsão de morte até algo mais complexo como o de autorrealização na psicologia. Vai desde a interação familiar e seu papel no seu desenvolvimento da personalidade (este guande qualia da subjevitidade) até as relações sociais e culturais, abrangidas de maneira mais inconsciente no indivíduo, numas vertentes críticas da psicanálise enquanto análise focada apenas nas relações familiares.
Princípio da descrença.        Nem o idealismo de Goswami e nem o relativismo de Vieira. Realismo monista.

Offline Buckaroo Banzai

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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #61 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 18:58:50 »
Memes não são "qualia coletivo", a menos que se redefina tanto "qualia" quanto "memes". No mínimo "qualia".

"Meme" é só um sinônimo para "cultura", apenas enfatizando seu aspecto não-monolítico, de como pode ser decomposta em partes que se segregam independentemente.

E a menos que o Ramachandran esteja correto em seu palpite, não há uma grande correlação entre qualia e cultura; os animais, humanos ou não, experienciam qualia através de seus sentidos, indepdendentemente de terem qualquer forma de cultura. Se Ramachandran estiver correto, bem, mesmo assim, imagino que ele não postule uma integração muito forte entre ambas as coisas, como que uma pessoa fosse daltônica até aprender os termos para todas as cores. Mas pode ser que pense isso mesmo, de qualquer forma, ainda que eu pense que é um bom exemplo de colocar a carroça na frente dos bois.

Offline Moro

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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #62 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 21:20:36 »
.. Pode bem ser que computadores, calculadoras, e até relógios de corda ou termostatos sejam conscientes de alguma forma, em algum grau.

não, não podem.

E?

não existe possibilidade de computadores terem consciência, só quem não sabe como funciona um processador ou um programa de computador pode pensar assim.

Não sei nem onde começar refutar isso..

Deixa eu reformular seu argumento: "não existe possibilidade de redes neurais terem consciência, só quem não sabe como funciona um neurônio pode pensar assim. "

Seria esse seu argumento? Ou você acredita em almas? :)

Agora sério: antes de discutirmos se computadores podem ou não ser conscientes é preciso entendermos que diabos é o fenômeno
da consciência.

Vou lhe dar um exemplo: digamos que aeronaves mais pesadas que o ar ainda não tivessem sido inventadas.
Alguem poderia argumentar, usando seu conhecimento de fisiologia e aerodinâmica, que é impossível o homem voar como os pássaros.
E é mesmo: para que um humano, mesmo pequeno, pudesse voar batendo asas usando sua força muscular, as asas teriam que
ser tão grandes que isso tornaria humanamente impossível esse tipo de voo.

A questão é: o desafio não é o de voar como os pássaros, mas de alçar voo com uma máquina mais pesada que o ar.
Não estou com isso querendo dizer que reproduzir o fenômeno da consciência seja realmente possível em um futuro próximo usando
um computador. Mas que usar a tecnologia de computadores, tal como existe hoje, com as arquiteturas e o grau de integração
que existem hoje, para descartar a possibilidade de criação de uma inteligência indistinguível da de um humano é, no mínimo um raciocínio míope.

Agora vamos voltar ao problema da consciência.

Manhatan, você está enganado.

Eu não falei nada sobre no futuro isso ser possível ou não, simplesmente afirmei que hoje eles não tem consciência, isso é evidente, e sim tem como saber.

Na verdade, quem pensa que eles tem consciência o faz por simples crença. Não há nenhuma, repito, nenhuma evidência que demonstra que eles tenham consciência e mais ainda, não há sentido lógico na afirmação.
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Offline Moro

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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #63 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 21:29:05 »
Giga, pode me passar o ponto a partir do qual eu tenho que assistir? Estou assistindo aos poucos enquanto faço alguns treinamentos burocráticos da empresa em que trabalho (assédio sexual, etc..) e se não for te incomodar..

A partir de ~48 min.

baixando
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Offline Moro

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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #64 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 21:33:18 »
.. Pode bem ser que computadores, calculadoras, e até relógios de corda ou termostatos sejam conscientes de alguma forma, em algum grau.

não, não podem.


"Consciência" aí tem apenas o sentido de "experiência subjetiva", "qualia", não os processos mentais. E simplesmente não se sabe, e não há como afirmar algo diferente, pode-se apenas especular.

Não, Buck. Que evidências você tem disso?

Não há consciência, simples assim.
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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #66 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 21:44:11 »
Excelente!!!! Sintetiza pontos de diversas discussões daqui do CC (daquele tempo quando tinhamos discussões sérias e interessantes  :P).

<a href="http://www.youtube.com/v/fbItRBc4Cp8" target="_blank" class="new_win">http://www.youtube.com/v/fbItRBc4Cp8</a>

Por favor comentem.

  não entendi nada. o português que ele fala é muito erudito.

o que é:  Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência?

a paz, na guerra?

Offline Moro

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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #67 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 21:57:28 »
Não é nem um pouco simples.

vê só.. o processador executa uma sequencia de código binário, apenas isso. Não importa o quão similar seja a reação de um computador a determinado comportamento humano, estruturalmente não existe possibilidade de se encontrar consciência em um computador ou calculadora.

btw, para uma alegação tão extraordinária (encontrar consciência onde estruturalmente não se pode encontrar e aonde os próprios criadores do equipamento não desenharam essa característica) que tipo de evidência você poderia propor?
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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #68 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 22:50:16 »
(Aviso: ainda não terminei de ver o vídeo. A BBC bem que poderia ter feito a gentileza de quebrá-lo em partes)

Por falar em quebrar em partes:



É um apanhado interessante de coisas, mas um tanto desconexas. O problema é que "consciência" pode pelo menos uns dois ou três significados um pouco distintos. Pode ser como o cérebro processa as informações do mundo ao redor, guarda informações, faz decisões, e nisso há a ramificação do problema do livre-arbítrio...

Não sei porque, mas pessoalmente não sei que problema do livre-arbítrio é esse. Não vejo problema algum em sermos
guiados por cadeias de causas e efeitos. O que muitos não parecem perceber é que o fato de essas cadeias existirem
não implica de forma alguma que as respostas do cérebro humano sejam previsíveis. Elas podem muito bem ser caóticas
(no sentido de sensibilidade a condições iniciais) e extremamente complexas. Porque é tão fácil aceitar que o clima da Terra seja
regido por relações de causa e efeito, mas não a mente humana?


concordo 100%. não há problema algum com o livre-arbítrio a não ser um monte de pessoas querendo encontrar racionais toscos para dizer que não o temos.

OK, mas o que você acha do último experimento do vídeo em que a escolha (apertar o botão) acontece segundos depois de se "iluminar" a área do cérebro onde se processa a decisão? Quem está decidindo? Quem é que está enganando quem nessa estória?

Não sei se estou sendo simplista demais e não vendo coisas que você está vendo.  Isto só quer dizer que ele começou o processo de decisão alguns segundos antes de ter efetivamente apertado o botão.
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Offline Gigaview

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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #69 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 23:08:24 »
Revisao de conceitos, senão daqui a pouco nem sabemos mais o que estamos discutindo:

1. Qualia [singular: quale, em latim e português]. Termo filosófico que define as qualidades subjectivas das experiências mentais.
2. Os qualia simbolizam o hiato explicativo que existe entre as qualidades subjectivas da nossa percepção e o sistema físico a que chamamos cérebro.
3. Os qualia desempenham um papel importante na filosofia da mente, principalmente por poderem ser interpretados como uma refutação de facto do fisicalismo.
4. Daniel Dennett, identifica quatro propriedades que são comumente associadas aos qualia, isto é, os qualia são:
   4.1. inefáveis; isto é, não podem ser comunicados ou apreendidos por outros meios diferentes da experiência directa.
   4.2. intrínsecos; isto é, são propriedades não relacionais, que não se alteram conforme a relação da experiência com outras coisas.
   4.3. privados; isto é, todas as comparações intersubjectivas dos qualia são sistematicamente impossíveis.
   4.4. directa ou imediatamente apreensíveis pela consciência; isto é, "experienciar um quale" é "saber-se que se experiencia um quale, sabendo-se que é isso mesmo tudo quanto há a saber sobre esse quale".
5. Même é para a memória o análogo do gene na genética, a sua unidade mínima.
6. O même é considerado como uma unidade de informação que se multiplica de cérebro em cérebro, ou entre locais onde a informação é armazenada (como livros) e outros locais de armazenamento ou cérebros.
7. O même é considerado uma unidade de evolução cultural que pode de alguma forma autopropagar-se.
8. Os mêmes podem ser ideias ou partes de ideias, línguas, sons, desenhos, capacidades, valores estéticos e morais, ou qualquer outra coisa que possa ser aprendida facilmente e transmitida enquanto unidade autônoma.
9. Quando usado num contexto coloquial e não especializado, o termo même pode significar apenas a transmissão de informação de uma mente para outra. Este uso aproxima o termo da analogia da "linguagem como vírus", afastando-o do propósito original de Dawkins, que procurava definir os mêmes como replicadores de comportamentos.


E antes que alguém de passagem se aventure a dizer besteiras, "a investigação filosófica sobre a mente não implica nem pressupõe que exista alguma entidade -- uma alma ou espírito -- separada ou distinta do corpo ou do cérebro, e está relacionada a vários estudos da ciência cognitiva, da neurociência, da lingüística e da inteligência artificial."

fonte: wikipedia
Brandolini's Bullshit Asymmetry Principle: "The amount of effort necessary to refute bullshit is an order of magnitude bigger than to produce it".

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Offline Gigaview

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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #70 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 23:21:32 »
(Aviso: ainda não terminei de ver o vídeo. A BBC bem que poderia ter feito a gentileza de quebrá-lo em partes)

Por falar em quebrar em partes:



É um apanhado interessante de coisas, mas um tanto desconexas. O problema é que "consciência" pode pelo menos uns dois ou três significados um pouco distintos. Pode ser como o cérebro processa as informações do mundo ao redor, guarda informações, faz decisões, e nisso há a ramificação do problema do livre-arbítrio...

Não sei porque, mas pessoalmente não sei que problema do livre-arbítrio é esse. Não vejo problema algum em sermos
guiados por cadeias de causas e efeitos. O que muitos não parecem perceber é que o fato de essas cadeias existirem
não implica de forma alguma que as respostas do cérebro humano sejam previsíveis. Elas podem muito bem ser caóticas
(no sentido de sensibilidade a condições iniciais) e extremamente complexas. Porque é tão fácil aceitar que o clima da Terra seja
regido por relações de causa e efeito, mas não a mente humana?


concordo 100%. não há problema algum com o livre-arbítrio a não ser um monte de pessoas querendo encontrar racionais toscos para dizer que não o temos.

OK, mas o que você acha do último experimento do vídeo em que a escolha (apertar o botão) acontece segundos depois de se "iluminar" a área do cérebro onde se processa a decisão? Quem está decidindo? Quem é que está enganando quem nessa estória?

Não sei se estou sendo simplista demais e não vendo coisas que você está vendo.  Isto só quer dizer que ele começou o processo de decisão alguns segundos antes de ter efetivamente apertado o botão.

De fato, não é tão simples assim. Abaixo parte do início do texto da Susan Blackmore que postei no tópico Même, Eu mesmo, Eu (../forum/topic=23040.0.html#msg529107). A ótica de Susan é a ótica da memética. O Buckaroo, Adriano e Dr. Manhattan discutem as perspectivas de Dennet e Chalmers dentre outros.

Suspenda seu braço à sua frente. A qualquer momento que você decidir, de sua livre e expontânea vontade, flexione seu pulso. Repita isto algumas vezes, estando certo de que você o faz tão conscientemente quanto puder. Você provavelmente irá experimentar algum tipo de processo de decisão no qual você deixa de não estar fazendo alguma coisa e então decide-se a agir. Agora, pergunte a si mesmo: o que deu início ao processo que conduz à ação? Foi você?

O neurocientista Benjamin Libet, da Universidade da Califórnia em São Francisco, recrutou voluntários para fazerem exatamente o que foi proposto acima. Um relógio permitiu aos voluntários perceberem em que momento exatamente eles decidiram agir, e ao colocar eletrodos em seus pulsos, Libet pôde avaliar o tempo exato do início da ação. Mais eletrodos em seus couros cabeludos puderam reportar um padrão particular de ondas cerebrais chamado de "potencial de reação", que ocorre prontamente antes de qualquer ação complexa e está associado com o planejamento cerebral dos próximos movimentos.

A descoberta controversa de Libet foi que a decisão de agir veio depois do potencial de reação. Parece que é como se não houvesse um "ser" consciente comandando as sinapses e dando início às ações.

Esta e outras pesquisas fizeram-me acreditar que a idéia do "ser" é uma ilusão.
« Última modificação: 07 de Fevereiro de 2011, 00:35:12 por Gigaview »
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Offline Gigaview

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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #71 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 23:36:09 »
Acho que não fui claro. A questão não é o tempo de reação entre a decisão e o apertar do botão. O cérebro de alguma forma decidiu antes, e a "consciência" da decisão de apertar o botão só pareceu depois. Isso significa que quando decidimos alguma coisa, na verdade, estamos apenas processando uma falsa idéia de que estamos no comando e que decidimos alguma coisa. E surge aí toda a discussão do livre-arbítrio etc e tal.
« Última modificação: 06 de Fevereiro de 2011, 23:38:31 por Gigaview »
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Offline Buckaroo Banzai

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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #72 Online: 07 de Fevereiro de 2011, 00:14:00 »
Não é nem um pouco simples.

vê só.. o processador executa uma sequencia de código binário, apenas isso. Não importa o quão similar seja a reação de um computador a determinado comportamento humano, estruturalmente não existe possibilidade de se encontrar consciência em um computador ou calculadora.

O problema é que também não existe a possibilidade de se encontrar/detectar consciência em uma pessoa. Não há nada que você possa apontar em um cérebro e dizer, "é aqui, isso aqui faz a consciência/qualia, por causa de X, e isso não existe em computadores, calculadoras, ou cangurus, apenas em placentários e polvos".

Sabemos que existe a consciência (ao menos aqueles dentre nós que não negamos sua existência, como Daniel Dennett) apenas por experiência própria, e por podermos, depois de uma conversa que pode ser razoavelmente longa, explicar o que é isso, como o "vermelho" que vemos não "é" a luz vermelha refletida ou emitida, mas um "rótulo mental" que de alguma forma "assistimos", em vez de apenas reagirmos como supomos reagir (na verdade, minha intuição está com você, não acho que isso ocorra - embora não tenha qualquer maneira de provar) um aparelho como uma câmera que filme a cores, de maneira totalmente "mecânica", como uma balança ou um relógio de corda, sem haver sentido em se perguntar algo como "como é 'ser' uma câmera".

Por mais intuitivamente gritante que seja a afirmação de que uma câmera não "experimenta" as cores como nós ou como talvez experimente uma mosca*, por não sabermos o que é qualia, como é que os processos que ocorrem no nosso cérebro dão origem a isso -- que repito, não é nada "ordinário", não é meramente um processo, uma função --  não temos como dizer que há ou não há essa condição física necessária em qualquer outra instância.

Daí há até a possibilidade (Chalmers) de que isso seja algo meio "onipresente", um tipo de propriedade física virtualmente não estudada. Um pouco como eletricidade ou gravidade, mas uma "outra coisa". E os processos do nosso cérebro seriam talvez (chutão meu, tentando fazer com que essas coisas façam algum sentido, talvez Chalmers já tenha dito algo assim) algo meio análogo a uma bateria (para eletricidade) ou um corpo suficientemente massivo (para gravidade), de alguma forma concentra/cataliza/manipula um fenômeno que não é exatamente exclusivo do cérebro. No outro extremo (descontados Dennett e outros eliminacionistas), Ramachandran, que acha que só se deixa de ser um "zumbi filosófico", um autômato, quando se adquire linguagem.
 




* para um exemplo hipotético de algo para o qual é mais intuitivamente aceitável a idéia de que veja cores como mais ou menos como nós (em vez de ser uma "balança de fótons" ligada a um par de asas e um aparelho digestivo), embora não se suponha que elas tenham toda a nossa complexidade mental.





btw, para uma alegação tão extraordinária (encontrar consciência onde estruturalmente não se pode encontrar e aonde os próprios criadores do equipamento não desenharam essa característica) que tipo de evidência você poderia propor?

Bem, ninguém poderia projetar a característica de "experimentar qualia". Não sabemos como fazer isso. Nem se alguém fosse algo próximo de um demônio de Laplace, dotado de todo conhecimento de física e neurologia que se tem, e ter poder até para criar um cérebro como o nosso num passe de mágica. Esse demônio poderia apenas recriar o nosso cérebro, que sabe-se ter consciência, e só isso. Não saberia como criar um PC consciente ou um corvo consciente (supondo que não sejam). Com todo conhecimento que se têm de física e neurologia e sua capacidade "onipotente" de cálculo, o demônio de Laplace está no mesmo pé que a gente nesse assunto.

Offline Cientista

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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #73 Online: 07 de Fevereiro de 2011, 00:33:27 »
Desculpem a demora. Primeiro, quero dar algumas respostas ao Adriano.

Interessantíssimo mais esse tópico iniciado pelo Gigaview.

Adriano, estou impressionado com seu progresso cognitivo. Se continuar assim, daqui a uns 200 anos, estará quase pensando como eu...

Em virtude disso, vou te dar uma ajuda, de cunho mais... técnico-científico, na defesa do seu "ponto de vista" (que não é "ponto de vista" nenhum, no sentido de "opinião" porque está, basicamente, certo) que é, *obviamente*, fundamentalmente igual ao meu. A verdade é que considero este tipo de questão da mais alta importância e do meu interesse também.
Bom saber. Interessante que também tive afinidades com o Gilberto sobre este tema.
Sem dúvida, sem querer que isso se apresente como depreciação para os demais foristas, alguns dos quais, como você mesmo, Adriano (embora eu adore provocá-lo, eu o colocaria entre os TOP 5), tenho em grande reconhecimento, o Gilberto, penso eu, honra a todos aqui com sua presença neste ambiente virtual. Se a proposta dele para a solução do problema difícil da consciência, que está sendo tangido aqui, neste tópico, for mesmo confirmada pioneira não acho temerário dizer que há potencial, nele, para um Nobel. É provável que todos aqui, algum dia, sintam orgulho em afirmar que ele participa(va)* deste forum. Aliás, seria muito proveitoso que ele participasse desse tópico...

*Que a parte entre parêntesis nunca venha a ser necessária



Estou curioso para ler e o mais interessante é que o conceito de **trol** é muito utilizado.
???????????????????????????!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Acho que você continua bem sensível às minhas provocações.

Offline Cientista

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Re: Uma visão cética (sem bullshits filosóficos) da consciência
« Resposta #74 Online: 07 de Fevereiro de 2011, 00:47:17 »
Bem, ninguém poderia projetar a característica de "experimentar qualia". Não sabemos como fazer isso. Nem se alguém fosse algo próximo de um demônio de Laplace, dotado de todo conhecimento de física e neurologia que se tem, e ter poder até para criar um cérebro como o nosso num passe de mágica. Esse demônio poderia apenas recriar o nosso cérebro, que sabe-se ter consciência, e só isso. Não saberia como criar um PC consciente ou um corvo consciente (supondo que não sejam). Com todo conhecimento que se têm de física e neurologia e sua capacidade "onipotente" de cálculo, o demônio de Laplace está no mesmo pé que a gente nesse assunto.
Francamente, há um bocado de incoerências e exageros desejosos aqui, mas ater-me-ei ao "pé de igualdade entre o demônio de Laplace e nós". Não há a menor possibilidade dessa comparação visto que o demônio de Laplace não poderia ter consciência, justamente porque não poderia se iludir (se enganar). A consciência é contruída de ilusão, isto é, de distorções e enganos em relação à realidade. Por isso ela é fundamentalmente linguística. E esta é uma das razões pelas quais o demônio de Laplace é um modelo de impossibilidade de existência de deuses porque o que é perfeitamente cognitivo não pode ter desejos, ilusões, consciência. Tal "mente" não pode existir.

 

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