Dúvidas sobre a experiência subjetiva como uma ilusão que experienciamos subjetivamente (...) devido a linguagem:
- Essa tentativa de eliminacionismo através da linguagem me pareceu ser mais uma hipótese de emergência do que de inexistência/ilusão. Não é uma ilusão de experienciar subjetivamente já uma experiência subjetiva, que portanto existe?
A ilusão ocorre nas tentativas de experimentos mentais para tentar provar um deus/religião que não tem contrapartida alguma na realidade objetiva. Os Skyhook, os ganchos presos aos céus. No negacionismo destas inexistência existe muita coerência física e biológica para demonstrar a falácia de buscar apenas na experiência do indivíduo na cultura. A questão é que a nossa proposta é melhor em termos de embasamento físico e biológico.
Espantalho e esquiva. A pergunta foi bastante clara, penso.
Uma ilusão de experiência subjetiva/qualia não é necessariamente uma experiência subjetiva, algo que portanto, existe?
Só "retórica" em torno de ser algo equivalente a crença em deuses afirmar que o vermelho que vemos não é algo inerentemente inferível a partir de um olho/cérebro/organismo e da física da luz visível não convence ninguém, apenas talvez aqueles muito empolgados com ateísmo, e que talvez tenham um certo desespero quanto a essa questão, não raramente usada como último refúgio para alegações sobrenaturais. Então, o "cético" acha sua escapada no absurdo/nonsense de negar a própria experiência, o que equivale a dizer que "batatas não existem, ou podem não existir, ser uma ilusão, pois tudo que percebemos é ilusão".
Sempre parece que passam direto por cima do problema. A lógica parece ser, como disse, uma versão meio tacanha da navalha de Occam, "zumbis fazem tudo que fazemos, sem precisar de qualia, então a hipótese mais simples é de que somos todos zumbis". O melhor que se faria seria negar a possibilidade de zumbis (o que novamente suscita uma porção de questões interessantes sobre como outros sistemas talvez não sejam, ou não podem ser, os zumbis que supomos ser). O contrário é meio como aquela coisa de se negar a pluricelularidade e enxergar toda vida apenas sob uma ótica uni/intracelular, e ainda dizer que é a "proposta melhor em termos de embasamento físico e biológico".
- se a linguagem possibilita isso (chame-se de emergência ou ilusão), seria possível também "engabelar" alguém, ou que alguém ficasse "confuso" com a sua linguagem a ponto que essa pessoa "tivesse a ilusão" (experimentada subjetivamente...) de qualia diferentes dos que se pensa serem "normais", isso é, daqueles associados (supostamente) a estímulos corriqueiros (como luz visível)? Por exemplo, uma "nova cor"? Ou com qualquer outra "categoria" de qualia. Se não, por que não?
No próprio tópico temos um exemplo citado da literatura de Oliver Saks demonstrando como a experiência subjetiva impede que uma pessoa percebe a própria cegueira. Ela mesma se ilude e acredita piamente nesta ilusão. O que seria isto? Um qualia invertido mas sem estar presente num mundo imaginário alternativo?
Se uma pessoa não percebe a própria cegueira, parece óbvio que isso se dá por ela ter a experiência subjetiva da visão -- apenas não produzida por estímulos visuais, meio como num sonho, ou como talvez seja o caso com alguns cegos que se supõe criarem imagens a partir de informações não provenientes dos olhos. Ainda que seja uma ilusão, é totalmente diferente da "ilusão" proposta pelo eliminacionismo, que, como disse, parece falar mais emergência do que de ilusão/inexistência.
Ampliando um pouco mais vemos as religiões e toda a sua deformação informacional sobre os qualias da espécie, negando o que são conteúdos já consagrados por praticamente toda humanidade.
E o mesmo com o culto da multicelularidade. "Me chamo legião, por que eu sou muitos", "pai, filho, e espírito santo", etc.
E replicamos muito bem estas situações de confronto destes ambiente, nas discussões com o que denominamos de crentes, os zumbis céticos, que não possuem o qualia da descrença.
Crença ou descrença não é um tipo de qualia mais problemático um pouco do que esses dos inputs sensoriais. De qualquer forma, céticos/incrédulos e crentes não diferem em nada nos seus "qualia de crença", apenas no conteúdo das crenças, pormenores do que é observado. Jogando para qualia visuais, é como falar de uma diferença fundamental nisso entre alguém que olhasse apenas para quadros do Picasso e alguém que olhasse para quadros do Rembrandt. Essas pessoas não tem "diferenças de qualia", não existe o "qualia do Picasso" ou o "qualia do Rembrandt", assim como não existem píxeis do Picasso distintos dos píxeis do Rembrandt quando se alterna imagens de quadros de ambos num monitor. O fenômeno, píxeis/qualia, é o mesmo, só muda, irrelevantemente, sua configuração.
O mais próximo disso seria não simplesmente uma questão de crença e descrença mas crenças motivadas por experiências subjetivas menos ordinárias, como "quase morte", estados alterados de consciência, ou alguma coisa mais extrema na gradação de coisas um pouco menos excepcionais (como medo, felicidade, gratidão), somada a um certo contexto cultural.
- se é afirmado que a experiência subjetiva é uma ilusão, e tudo que conhecemos do mundo se dá através da nossa experiência subjetiva, então como se responde a afirmação de que qualquer outra coisa é possivelmente uma ilusão? Que "batatas não existem"? O eliminacionismo acaba implicando numa espécie de niilismo solipsista; só experienciamos essa ilusão da experiência, e portanto não temos como realmente saber qualquer coisa.
Não extrapole. A ilusão é apenas considerado para o qualia e todo o epifenomenalismo. Vou ilustrar com uma citação do meu "artista" cognitivo predileto:
Em um artigo posterior escrito especificamente para criticar Chalmers, Dennett compara o autor dualista a um vitalista:
Imagine algum vitalista que diz aos biólogos moleculares:
Os problemas fáceis da vida incluem aqueles de se explicar os seguintes fenômenos: reprodução, desenvolvimento, crescimento, metabolismo, autoreparação, autodefesa imunológica... Esses não são [problemas] tão fácil, é claro, e podem tomar mais de um século ou algo assim para que os pontos finos sejam tratados, mas eles são fáceis em comparação com o problema realmente difícil: a própria vida. Nós podemos imaginar algo que seja capaz de reprodução, desenvolvimento, crescimento, metabolismo, auto-reparação e autodefesa imunológica, mas que não seja, veja bem, vivo. O mistério residual da vida estaria intocado pelas soluções a todos os problemas fáceis. De fato, quando eu leio as suas abordagens da vida, eu fico me sentindo como a vítima de um engodo (Dennett, 1996)
Novamente, a comparação foge do problema, que parece fingir que não o vê.
A analogia tem seu acerto enquanto lida com duas coisas emergentes, mas apela para uma simplificação caricatural no trecho "nós podemos imaginar algo que seja capaz de reprodução, desenvolvimento, crescimento, metabolismo, auto-reparação e autodefesa imunológica, mas que não seja, veja bem, vivo".
Isso está simplesmente errado, é uma comparação falsa, beira a desonestidade. Vida
é reprodução, desenvolvimento, crescimento, metabolismo, auto-reparação e autodefesa imunológica (basicamente). Não tem nada fundamental faltando aí. Não há nada de surpreendente que de se montar "peças" que realizam essas funções emerja a vida. E não há mais espaço para argumentar que algo assim não seria "bem, vivo" do que se juntando peças de uma máquina, ligando-a, de onde emerge seu funcionamento, e cogitar que "não é ainda bem uma máquina".
Com experiência subjetiva, é algo completamente distinto. Dos processos correlatos a ela, simplesmente não se infere a sua emergência. É esse o "problema difícil", e toda citação ou colocação que você faz simplesmente passa por cima como se não existisse, como se bastasse dizer que "tem um monte de processos no cérebro". Isso não basta nem para explicar a experiência subjetiva, e muito menos para negar sua existência.
[...] A razão é que no caso da vida, o fenômeno que precisava de explicação, é em última instância um fenômeno comportamental, funcional. "Como é que os organismos vivos conseguem fazer essas coisas incríveis? Crescer, metabolizar, reproduzir?" Essas são todas questões sobre funções e mecanismos para realizálos. Agora, se você fosse um vitalista, cem anos atrás, seria até razoável pensar que não é óbvio que mecanismos físicos pudessem fazer essas tarefas. Então por isso você postula o espírito vital para realizar essas funções objetivas. Acontece que o DNA pode fazer isso, e no momento que isso ocorre, o vitalismo desaba. No caso da consciência, no entanto, é bem diferente. Não estamos tentando explicar uma função objetiva que podemos realizar. Pegue todas as funções objetivas na vizinhança da consciência e dos comportamentos: eu posso apontar para você, eu posso falar sobre o que está acontecendo, eu posso integrar informação e etc, eu posso perceber estímulos. E podemos explicar todas essas funções, as coisas que eu faço, e seus mecanismos neuronais subjacentes, mas há essa questão ainda, por que todo esse funcionamento é acompanhado de experiência subjetiva? Todas as descobertas que quiser, da neurociência e dos mecanismos, irão sempre deixar essa questão da consciência.
E complementando a metáfora artistica que você começou mimetizando, eu diria que para mim as obras de Dennett são um espetáculo cinematográfico, Chalmes é apenas o antagonista, aquele que faz um monte de merda, mas mesmo assim contribui muito para a história toda ficar emocionante.
Se não me engano, você que começou com isso de haver qualquer coisa artística aí, mas tanto faz.
Até porque, se for para ir além na inteligência visual, temos que consider estes espetáculos homéricos que construímos com a tecnologia e não apenas ficar na escultura, que utiliza uma tecnologia há muito ultrapassada (problema fácil) e não possibilita a experiência de tantos qualias paras os indivíduos em geral
Eu não sei do que você está falando, parece que cada vez mais você se distancia do tema que é abordado.