Feynman, o que estou postando, agora, comecei a escrever desde a última vez que me dirigi a você, aqui mesmo, neste tópico. Tenho estado extremamente esgotado depois que aceitei um trabalho extra que não me deixou mais do que um pouco dos fins de semana para todos os meus assuntos e atividades não profissionais. Não consigo nem me concentrar direito em assuntos um pouco mais exigentes e, mesmo tendo, na última semana, encerrado a parte mais crítica da tarefa, o que me alivia, ainda estou sob os efeitos disso. Quando eu passei por aqui, nas últimas vezes, queria concluir essa resposta mas acabava me distraindo com outros tópicos "mais leves", digamos assim, e fui montando essa resposta aos poucos. Nossa! Como eu gostaria de dizer muito mais coisas, mas vou me segurar. Tenho muita munição para te atacar mas não vou despejar tudo de uma só vez o que te aniquilaria só pelo trabalho de ser alvejado. Eu ia demorar mais um pouco, mas você me incentivou no outro tópico. Se notar alguma incongruência, pleonasmos ou qualquer "estranheza quântica", é efeito do que acabo de expor. Que fique bem claro que nada disso constitui-se em desculpa alguma pois, como bem sabes, "sou arrogante" e o que te apresento a seguir é para o fim de nada menos que te "massacrar". Sinta o poder do lado claro da força, emperadorzinho!
Esqueci de alertar, da última vez, para que você se preparasse porque, não obstante seu arrazoado ter sido "notável", não me assustou nem desanimou, nem um pouco sequer. Na verdade, muito o contrário (ainda que não o bastante para vencer meu sono da última vez -- desculpe, cheguei a deixar boa parte da resposta pronta mas, como você próprio sugeriu, não tenhamos pressa, por isso, preferi deixar para depois, com mais tempo e descanso mental, para apresentar minhas respostas). Minha mente (e meu corpo) tem estado muito ocupada com meus afazeres para que eu possa me concentrar aqui.
É, Feynman, dessa vez você até superou um pouquinho (sem ofensas) minhas expectativas. Não indica ter feito tão bom trabalho quanto eu, mas torna-se claro que não permitiu que o mundo acadêmico o destruísse por completo. Dá até algum gosto! Desconsiderando, é claro, certas coisas que você disse e que me fazem duvidar de que eu estava mesmo acordado quando as li.
Espero suas reações.
Gostei muito especialmente deste bloco a seguir. Tanto que vou comentá-lo com um bom detimento, como não posso evitar.
Um "cientista" que crê que haja algo fora do âmbito da ciência não sabe nem o que ciência é, quanto mais, fazê-la. E quem acredita que haja algo fora do âmbito da realidade... bem, com esse não dá nem para começar a discutir.
Começando pelo final, somos e estamos perfeitamente de acordo com a impossibilidade de conversar seriamente com solipsistas e relativistas escusos. Mas não posso deixar de te incomodar com o alcance da primeira frase. Existe uma máxima na epistemologia científica que acusa alguns cientistas de saber tanto de ciência quanto os peixes de hidrodinâmica. Pois como os peixes em relação ao seu nado, o cientista faz ciência como ninguém... e não conhece os motivos de seu sucesso para além de uma protofilosofia empiricista que transforma dados em conhecimento. Este é de uma natureza mais sutil que a mera interpretação de dados empíricos. Dados empíricos não levam ao geocentrismo (hipóteses baseadas no princípio da parcimônia levam), e com um sistema de epiciclos e equantes consegue-se uma precisão tão boa quanto se queira, em detrimento, claro, da simplicidade. Da mesma forma, pontos em um gráfico não levam a uma lei quantitativa, pois um conjuntos de pontos se ajusta a um cem número de funções matemáticas. Mais uma vez, entram em jogo estéticas de pensamento que racionalizam o estudado para se chegar em uma correlação que não necessariamente é a única. Talvez queiras discorrer um pouco a respeito. A propósito, já aproveitando: é mais fácil, para ambos, atermo-nos a um número reduzido de questões e desenvolvermos as mesmas ao nível desejado, e não ficarmos pontuando esta batelada de coisas, não achas? Assim, vou me ater a alguns pontos mais relevantes, ainda que de modo arbitrário, para não gerar um ad infinitum argumentativo.
Começando pelo final...
Concordo que não nos desgastemos mesmo nisso tudo. O fato é que nem devo me dar esse luxo e eu não poderia mesmo arrastar isso longamente. Contudo, considerando que é com você que debato (e este é o maior de todos os reconhecimentos que já fiz aqui -- deves alcançar o que quero dizer se corresponderes à minha expectativa), eu não seria tão otimista ao ponto de esperar que esse debate seguisse num ad infinitum argumentativo. Outrossim, tenho dificuldade em conter minha verbo(grafo)rragia e meu ímpeto de debelar cada detalhe. Isso é bastante problemático e me policio para arrefecer ao máximo (acho que sem muito êxito). Deixo em suas mãos, então, a (quase total) condução do debate pelos caminhos que sejam mais convenientes para você (sem que isso resulte em acusações ou protestos). Pegue-me pelos 'calcanhares', pelos mais "fracos pontos". Se puderes.
Pois como os peixes em relação ao seu nado, o cientista faz ciência como ninguém... e não conhece os motivos de seu sucesso para além de uma protofilosofia empiricista que transforma dados em conhecimento. Este é de uma natureza mais sutil que a mera interpretação de dados empíricos.
Cuidado aqui com a semântica, que tens em tua mente, da palavra "sutil". O perigo desta palavra nos ronda como um fantasma do passado. É preciso que definas com exatidão o que queres dizer com sutil, especialmente quando adverbializada com "mais" em relação à "interpretação de dados empíricos". Interpretação de dados empíricos também seria sutil, só que "menos", é isso?
Nada "transforma dados em conhecimento". Dados são conhecimento; conhecimento dos dados; registro dos dados. Tudo exatamente a mesma coisa. Inclusive o modo como os dados relacionam-se, uns com os outros, também é um dado que só pode ser verificado empiricamente (e não, não estou só falando da relação exterior à mente; falo da relação que estes dados têm entre si DENTRO da mente). Não existe "tradução" alguma em ciência. O problema, aí, é que dados empíricos NÃO devem ser "interpretados". "Interpretação" de dados empíricos é filosofia, não ciência. Hipóteses, teorias e leis devem ser estruturadas sobre dados empíricos e constantemente revisadas com mais dados empíricos, não com "interpretações". E não se precipite em pensar que estou sendo "superficial" e simplista pois isto não termina aqui. O que é simples e "superficial" não é essa minha abordagem mas o que seguramente sei que já se 'peristaltiza', neste exato momento, em sua mente, nos seus contrapontos -- alguma "profundidade" que supões jazer* na mente humana mas que não passa de algo ilusório.
Não existe "sutileza" alguma em NADA disso.
*É isso mesmo, porque se o tal "algo" existisse, por certo, estaria morto então.
Um "cientista" que crê que haja algo fora do âmbito da ciência não sabe nem o que ciência é, quanto mais, fazê-la. E quem acredita que haja algo fora do âmbito da realidade... bem, com esse não dá nem para começar a discutir.
Começando pelo final, somos e estamos perfeitamente de acordo com a impossibilidade de conversar seriamente com solipsistas e relativistas escusos. Mas não posso deixar de te incomodar com o alcance da primeira frase.
De fato, me incomoda porque fora do âmbito da ciência, em se tratando da natureza dos elementos considerados, é o mesmo que fora do âmbito da realidade. A diferença está apenas no alcance "visual". Ciência é a realidade que se "vê"; realidade (a ainda não abarcada) é a ciência que *ainda* não foi "vista". Isso dá azo à fuga axiomática religiosa: "ciência não pode *nem jamais poderá* abarcar deuses". Deuses estariam, então, fora da ciência E DA realidade tornando, assim, as duas uma única definição em termos de elementos englobáveis por suas naturezas sendo, apenas, uma (ciência), subconjunto da outra (realidade). Deuses estariam fora do conjunto maior da realidade. Mas, por não entender ciência como mero subconjunto da realidade, o "cientista" da minha primeira frase:
"Um "cientista" que crê que haja algo fora do âmbito da ciência não sabe nem o que ciência é, quanto mais, fazê-la."
(que, diga-se de passagem, não formulei bem pois o que eu quis realmente dizer era "fora do âmbito *possível*, *alcançável* da ciência") confunde-se, então, com o indivíduo da minha segunda frase:
"E quem acredita que haja algo fora do âmbito da realidade... bem, com esse não dá nem para começar a discutir."
que, como você mesmo, muito acertadamente, disse:
"somos e estamos perfeitamente de acordo com a impossibilidade de conversar seriamente com solipsistas e relativistas escusos."
Então, por que me "incomodar" com o alcance da minha primeira frase? Como alguém já disse: "Claro que ciência é limitada; limitada a tratar das coisas que existem, das coisas reais, não das que gostaríamos que existissem, que fossem reais". Cientistas não desejam a existência de coisas irreais. Desejar a existência de coisas irreais é uma interferência que não permite o pleno exercício científico, EM CIRCUNSTÂNCIA ALGUMA. E, se não se pode exercer plenamente o que se define por ciência, pode-se ser apenas um serviçal da mesma, não um cientista porque, como afirmo sempre e tento demonstrar, ciência e cientista são uma e a mesma coisa e não existem separadamente. Na realidade, sendo a ciência a abstração e o cientista, o fato, só o cientista existe. Por aqui, você pode, talvez, vislumbrar a extensão da minha "idiossincrasia".
Existe uma máxima na epistemologia científica que acusa alguns cientistas de saber tanto de ciência quanto os peixes de hidrodinâmica. Pois como os peixes em relação ao seu nado, o cientista faz ciência como ninguém... e não conhece os motivos de seu sucesso para além de uma protofilosofia empiricista que transforma dados em conhecimento.
Alguns? Trata-se de uma estratégia de prévia garantia de evasão? Poder-se-ia supor que *alguns* peixes também "saberiam" de hidrodinâmica? E como é nos casos dos "cientistas" (que, se são os que sobram de "alguns", devem ser maioria) que não se incluem entre esses "alguns" e que são como os peixes 'sapiens sapiens' em hidrodinâmica?
Você disse tudo e bem: é, no máximo, uma máxima da *epistemologia* "científica" (há epistemologia sem pretensões científicas?) que você apresenta aí de uma maneira que me parece informal e que, divisada de perspectiva epistemológica, como tudo, passa a nada significar. Transportando a comparação para fora do covil epistemológico, já que a mesma o ultrapassa naturalmente, e onde ela pode ter a chance de ser vista em sua possível correspondência com a realidade, verifica-se que a mesma confirma minhas proposições ao invés de antagonizá-las, como insinuas ou esperas. Veja aqui:
Quem diria que, com toda a perseguição daqueles "tempos antigos e medievais", alguém como eu poderia dizer o que digo, agora: bons tempos foram aqueles em que cientistas faziam ciência sem nem mesmo "saber o que estavam fazendo" e tudo o que tinham que enfrentar era a pura e clara estupidez humana (e algumas fogueiras, esfolações, decapitações... volta e meia). Agora, eles têm que enfrentar a mesma estupidez, mas poderosamente equipada e disfarsada em vestes de intelectualidade e cultura. Ah, esses epistemologistas... sempre concluindo as mais óbvias coisas como excelsas conquistas e novidades e nunca capazes de raciocinar de modo realmente científico.
../forum/topic=24252.75.html#msg592766Clique no link acima para ver o contexto.
Ainda assim, eu a dispenso e a mando de volta ao antro epistemológico porque não me é necessária. Fico só com o conceito primitivo em toda sua 'incompletude'.
Como, sem dúvida alguma, és infinitamente mais versado em epistemologia que eu, devo estar em "desvantagem" -- só conheço ciência mesmo. Contudo, ainda verifico uma patente contradição aqui que espero que você esclareça se eu estiver apreendendo erradamente. Pelo que entendo, o objetivo epistemológico seria, exatamente, explicar o próprio fenômeno científico em si, destrinçá-lo e esmiuçar os detalhes de sua natureza com a esperança de que a mesma possa ser extensivamente descrita e comparada ao que não seria ciência de modo a conferir a maior "clareza" descritível e perscrutável possível à distinção. Pois como então essa "máxima epistemológica" que você apresenta é epistemológica se ela derroca a possibilidade de identificação do fenômeno ou processo científico? Realmente, fora de qualquer filosofia e DENTRO da realidade, é impossível mesmo definir o que é científico. É algo que só pode ser percebido por simples observação de quem pensa cientificamente. Mas epistemologistas negam esse fato, pelo que entendo. Como fica a questão? Se o cientista é tão alheio às razões da sua própria capacidade científica quanto o peixe às da sua própria capacidade de nado, como e por que a epistemologia?
Mas eu te digo qual é o motivo do sucesso de qualquer cientista: racionalidade total, que se manifesta por ausência de desejo de fuga da realidade, que confere liberdade TOTAL de crenças.
Dados empíricos não levam ao geocentrismo (hipóteses baseadas no princípio da parcimônia levam), e com um sistema de epiciclos e equantes consegue-se uma precisão tão boa quanto se queira, em detrimento, claro, da simplicidade. Da mesma forma, pontos em um gráfico não levam a uma lei quantitativa, pois um conjuntos de pontos se ajusta a um cem número de funções matemáticas. Mais uma vez, entram em jogo estéticas de pensamento que racionalizam o estudado para se chegar em uma correlação que não necessariamente é a única. Talvez queiras discorrer um pouco a respeito.
Com certeza que quero, e como!. Porém, antes, ainda em certa conexão com a sequência anterior, quero dizer o seguinte:
Perceba que nesse axioma filosófico *faltoso em realidade* -- a racionalização está na "estética de pensamento" -- está embutida a dualidade mente/realidade que é parte da própria essência de toda filosofia. O filósofo separa a mente do cérebro e desvincula a primeira das limitações do segundo (e não, não o faz "consciente" de que o está fazendo ou já não seria filósofo pois já perceberia quão baldada a manobra). Isso é artificial e irreal de modo a destituir de equivalência analítica as projeções exteriores à mente, como a 'crença que assume independência do crente' ou a 'ciência que assume independência do cientista' (voltarei a falar disso depois, acho). Para o filósofo, se existe linguagem, existe "possibilidade infinita" e independente do suporte físico da linguagem (e é por isso que ABSOLUTAMENTE TODA E QUALQUER filosofia é metafísica e, mesmo, explicitamente sobrenatural). Para reforçar a certeza nisso, o filósofo precisa criar "mundos" fictícios interagentes mas, ainda que paradoxal e contraditoriamente mesmo, metafisicamente independentes para sustentar sua filosofia. Antes de mais nada, precisa criar a ilusão de separar-se da realidade e observá-la de fora. Isso, essa separação, foi uma desgraça quando, por exemplo, o pobre coitado finalmente não conseguiu mais levantar-se de tantos tropeços que deu na realidade quântica da natureza que se manifesta em todos os níveis ou departamentos em que se possa supor subdividir a realidade. Todos que estudam física seriamente sabem bem do que estou falando. A mecânica quântica extinguiu o sonho dourado da dualidade mente/realidade (embora parapsicólogos e outros doidos varridos, obstinadamente, insistam que foi o contrário). Não é à toa que as 'hipóteses' que sugeres aqui caem por terra e que ficamos apenas com as descrições. Na verdade, o que descobrimos é que nunca pudemos explicar nada, de fato. Tivemos apenas a ilusão de explicações, a ilusão de que é possível explicar, de que existe um explicar, de que existe uma racionalização verdadeira para além do fato de que a mente é uma ilusão e que, portanto, racionalizar nem mesmo é separar a mente da realidade (como eu mesmo costumo dizer, por inércia), mas perceber esta ilusão. Não diretamente, o que é impossível, é claro.
Dados empíricos não levam ao geocentrismo (hipóteses baseadas no princípio da parcimônia levam), e com um sistema de epiciclos e equantes consegue-se uma precisão tão boa quanto se queira, em detrimento, claro, da simplicidade.
Primeiro, parece haver uma contradição cruzada aqui: "hipóteses baseadas no princípio da parcimônia levam ao geocentrismo" e "com um sistema de epiciclos e equantes consegue-se uma precisão tão boa quanto se queira, **em detrimento, claro, da simplicidade**"? Seria uma falta de simplicidade pela falta de conhecimento de uma simplicidade maior?
É óbvio que dados empíricos levam ao geocentrismo, assim como ao 'newtoncrenticismo', mas, quais? Quantos? Dados empíricos (os concernentes) SÃO (foram) o que *chamamos* geocentrismo. Mas há outros dados empíricos (os não concernentes, no caso específico, os excedentes) que já não permitem mais o geocentrismo. Se a conclusão pelo geocentrismo fosse apenas ato de açodamento, seria natural e perdoável mas tal não foi o caso; havia mais por trás e a prova disso é que, quando esses 'dados excedentes' "apareceram", resistiu-se a eles com obstinação. Não era só empirismo que estava em jogo; eram interesses pessoais, interesses antropocêntricos. Quem pensa cientificamente, ou seja, o cientista, está isento desses interesses e, para ele, o empirismo é tudo o que é necessário. Nada pode "levar" ao geocentrismo apenas por deliberação humana, nem a 'navalha' nem nada além da simples estrutura física da realidade. Não era em volta da Terra que o homem via o Sol girar; era em volta de seus "olhos", de si mesmo. A Terra em que pisava era só uma extensão de si mesmo. Depois, foi o Sol (o sistema do Sol) uma extensão de si mesmo. Depois, a galáxia. Agora, o "chamado" universo ("chamado" pois que agora inventam-se outros porque o homem, ou melhor, sua mente, precisa da dualidade, precisa "dele" e das coisas relacionadas a ele e das "outras coisas", de algo "lá fora" para que ele possa se relacionar com absoluta independência, para que ele e suas coisas tenham suas próprias leis diferentes de outras; tudo fuga da realidade de ser só uma pequena parte do tudo sem nenhuma possibilidade de alterar as "leis" do "tudo" -- a mente humana sempre precisa da possibilidade de um "centro" em que ela possa estar, por isso, agora, tenta pluralizar o universo). Não haveria nada de errado se o geocentrismo fosse concluído apenas pelos dados que se tinha. Isso seria automaticamente ajustado/corrigido com mais dados mais tarde. O problema é que nunca foi o geocentrismo a conclusão. Foi E É o antropocentrismo. Esse foi E É o "pecado" *constante* que ronda a mente do não cientista e o que o impede de fazer ciência de fato.
Ao concluir isso, você está também concluindo que dados empíricos não levam ao heliocentrismo, nem ao galactocentrismo, nem ao acentrismo, nem, por fim, a nenhuma realidade. Então, o que sobra? Se a presença física da realidade não leva à realidade, o que levará? A tal "sutileza"? Todas as "estéticas de pensamento" que você clama são traduzíveis por uma única palavra -- antropocentrismo -- palavra de significado díspar, muito "especial", que não guarda nenhuma semelhança substratal com qualquer outro "centrismo". É o único realmente metafísico de todos os centrismos. E é puramente filosófico, "concluído" sem nenhum empirismo. Mais um motivo para o descarte total de qualquer filosofia. Um cientista tem que estar totalmente livre do arraigamento antropocêntrico. "Estéticas de pensamento" não passam de 'empirismos esquecidos', por conveniência psicológica ou não. É por isso que uma das possíveis *indiretas* definições de ciência é aquilo que muda a lógica ou, como você, mais poeticamente, prefere, muda a "estética de pensamento". E se ciência muda a "estética de pensamento", não pode ser produzida por ela pois que é a própria. Na realidade, sabemos bem que não é ciência que muda tal "estética"; é a realidade mesmo.
Claro, (a propósito, você parece nutrir algum tipo de fascinação por essas besteiras ptolemaicas, não?) "com um sistema de epiciclos e equantes consegue-se uma precisão tão boa quanto se queira", mas do que? De toda a realidade? Ou só de parte dela? Quando mais da realidade se apresenta *e se inclui*, o sistema continua oferecendo "previsões" confiáveis? Aliás, o "quanto se queira" é bastante delator... Perceba que os resultados que se obtém são sempre delimitados pelos dados da natureza de que dispomos e nunca pelas nossas "técnicas" de análise porque as próprias técnicas de análise também são dados que confirmam-se ou não, empiricamente. Para fazer ciência é preciso perceber isso e não se iludir com isso (ainda que o 'peixe hidrodinamólogo' não esteja consciente, possibilidade que insinuas, de que percebe e não se ilude).
O que expus não aborda o que estava, realmente, na base de tudo aquilo (geocentrismo, sistema de epiciclos e equantes e demais "artefatos teóricos" similares) -- a ilusão antropocêntrica. De fato, nada disso proveio do empirismo, *embora devesse*. Quando o empirismo não é tudo, o compromisso com a realidade é nenhum.
Então, dados empíricos só não conduzem ao geocentrismo se você quiser. Se você quiser ajustar os dados aos seus desejos. Mas se você quiser fazer muito melhor que ajustar seus desejos aos dados, ou seja, jogá-los (os desejos) todos fora, pode concluir pelo geocentrismo sem culpa NEM ERRO pois ele é tudo o que você tem naquele momento e o jogará fora, prontamente, assim como fez com seus desejos, no momento em que ele não mais servir. O que você está tentando fazer, em suma, é, exatamente, usar a culpa como argumento de defesa. Isso não terá nenhuma eficácia, é claro. Não com alguém como eu. Muito menos, com a realidade.
Da mesma forma, pontos em um gráfico não levam a uma lei quantitativa, pois um conjuntos de pontos se ajusta a um cem número de funções matemáticas. Mais uma vez, entram em jogo estéticas de pensamento que racionalizam o estudado para se chegar em uma correlação que não necessariamente é a única.
É duro ler isso escrito pelo "grande Feynman"... mas acho que todos nós sempre vivemos o bastante para testemunharmos coisas tristes. Tenho que me recuperar um pouco antes prosseguir... Você escreveu mesmo isso, Feynman?
Pobres polinômios interpoladores...
Pobres técnicas de ajuste de curvas...
Pobre teorema da amostragem...
Pobres... nem me ocorrem mais, agora, dessas "almas" sofridas, mas que, certamente, são muitas e que choram ao ler isso.
Pobre realidade...
Por que fazes tamanha assuada, Feynman? Se a própria Natureza não o faz (afinal, ela "não joga dados"), por que fazes TU?
Isso pode parecer filosoficamente bonito e bastante "convincente" para os fracos de espírito científico, mas a prática das interpolações e ajustamentos de curvas bem sucedidas que geram ótimas e consagradamente utilíssimas fórmulas empíricas em que os insucessos não podem ser tomados como mais que ruídos, incômodos mas *contornáveis* (sabendo-se, por *empirismo* anterior, que eles podem "estar lá", a qualquer momento, e que é preciso ter precaução, sempre, e, não necessariamente, abandonar a função ou desqualificá-la como se fosse intrínseca, natural e quase inevitavelmente impostora) não corrobora a ideia de que seja uma simples "inclinação estética" a interligação de pontos por 'linhas continuistas' (também vai contra o princípio da parcimônia que invocaste, mas não se preocupe, é um absurdo total erigir o princípio da parcimônia a uma absoluta panacéia científica pois como disse muito acertadamente, Asimov, uma lei científica ou "natural" é só o procedimento mais frequente de ocorrência de um fenômeno, não é obrigatório que seja o único, talvez nem seja natural mesmo que seja o único, não sabemos pois não temos dados empíricos suficientes, e, mais importante de tudo, NÃO PERDE A UTILIDADE POR NÃO SER O ÚNICO, ou deveríamos fechar todas as fábricas do mundo pois nenhuma delas está livre das falhas na produção, gerando produtos inúteis a uma certa taxa; felizmente, os produtos úteis que geram são suficientes para justificar suas permanências; não precisamos de fábricas perfeitas e, sim, de "fábricas" que funcionem). A natureza funciona assim, TAMBÉM. E sabemos, *apenas por empirismo*, que ela funciona de outra forma, TAMBÉM. E tudo isto é, naturalmente, empírico. A única conclusão não empírica foi a do antropocentrismo, dessa dualidade que NÃO existe, como todo empirismo tem demonstrado. E a única atitude 'ingênua' é a de quem *acredita* que encontrou algo melhor que o empirismo para apreender a realidade. Isso é crer na trancendência de si mesmo e numa capacidade mágica de certos sinergismos que não produzem mais que a estrita soma das contribuições de seus agentes.
Ah! Maldita palingenesia à idade das trevas da qual falou Rousseau (acho que foi ele)! "O irritante da História é que ela se repete". Essa ideia é um ranço de pensamento filosófico dos mais que medievais e escolásticos. É uma libertinagem matemática que só tapeia os prontos para a corrupção cognitiva.
Interligar pontos foi um procedimento que a própria natureza nos conduziu a fazer, assim como nos conduziu, também, às exceções e nos conduziu até, SEMPRE, aos intervalos que não existem e nos quais não cabe qualquer interligação, como Demócrito (me parece, o primeiro que o percebeu a ficar registrado na história) bem foi capaz de perceber por, sem dúvida, pensar cientificamente ainda que o infante Popper ainda não tivesse nascido para "explicar" a ele o que seria ciência. E daí? O que há de não empírico no contorno disso?
Como, então, "pontos em um gráfico não levam a uma lei quantitativa", por toda a "santa ciência", Feynman?!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Mais uma vez, entram em jogo estéticas de pensamento que racionalizam o estudado para se chegar em uma correlação que não necessariamente é a única.
Reabordo propositalmente.
Que "estéticas de pensamento", Feynman? De onde elas vêm? De algum deus? Da nossa "natureza" divina? Ou de nossa natureza *natural* e de "nossa" (?... cara pálida) conexão com a realidade, ou seja, do empirismo? A "racionalização do estudado" é sempre realizada por empirismo. Isto que você está chamando aqui de "racionalização do estudado" é fuga da realidade. Você está só trocando os nomes das expressões?
A correlação é a única possível *dentro do seu espectro, do seu âmbito* e da realidade comprovável. O erro é exigir um absolutismo teórico de uma teoria (ainda que se o faça, contraditoriamente, pela própria negação dessa possibilidade), que se supõe que nunca haverá apenas porque nunca se verificou, *empiricamente*, que alguma teoria tenha sido absoluta alguma vez. Foram nossos percalços, nossos erros que nos mostraram isso. Não foi o Popper não, 'viu? "Incrivelmente" ele mesmo era incapaz de perceber isso e tinha uma mente penalizantemente mágica. Tudo empirismo que filósofos chamam, ridiculamente, de "sutilezas". Ou que "estética" é essa que conduz ao pressuposto de que nunca haverá (ou de que haverá, tanto faz) uma teoria absoluta? Como podemos saber isso? Não sabemos nem se podemos saber. Como podemos saber se podemos saber? Não sabemos porque não temos evidência empírica para isso. Que novidade!
Só existe o empirismo. Todo o resto é ilusão. Pensar cientificamente é perceber isso, sem tentativas de fuga. Não há nada em nós que possa ser melhor que a realidade, nem mesmo que aflore no "digno e salutar" intento de abarcá-la (a menos, é claro, que o lusitano -- e quem mais aqui?... -- esteja certo e que sejamos divinos, sobrenaturais). Só ilusões emergem dessas tentativas, a menos de improváveis coincidências e não é prudente e, definitivamente, não científico, depender de coincidências entre devaneios e realidade. Isso é para jogadores, não cientistas.
E é aí que está toda a tal "estética". Lamento desiludi-lo, Feynman, mas nem isso, uma "estética", nós somos. Não, não se desespere! Respire fundo, com calma. Deve passar logo.