Feynman, eu já estava com boa parte disso pronto na semana passada mas era tarde e eu não consegui, pelo meu esgotamento, fazer as edições. Me desculpe.
Newton falava em deus... mas sua agenda era executada com ciência e matemática: não foi sua religião que lhe deu a taxa de variação temporal do momentum... não foi sua religião que lhe deu a força proporcional às massas e inversamente ao quadrado da distância entre elas... não foi sua religião que lhe deu o "método das fluxões" - FOI SUA CIÊNCIA, FOI SUA PERSCRUTAÇÃO! O que mostra que, É CLARO, o religioso pode fazer ciência, e pode, É CLARO, contribuir com a ciência. TODOS que a estudam podem fazer isso, não importa suas crenças. Mas suas contribuições serão em função do conhecimento obtido em sua formação, em sua posição de perscrutador.
Um perscrutador (científico?) que foge das mais cruciais questões com o argumento ad hoc absolutista esfarrapado (E ERRADO, MENTIROSO) de que elas estão fora do escopo/alcance da ciência? Claro que vou acreditar nisso... Mas é só porque vocês me garantem, tá OK? Confio cegamente em vocês.
Agora, falando sério, porque brincadeira tem hora mas seriedade, não, fora do alcance da ciência, só o que estaria fora do âmbito da realidade. Se qualquer crente admitir que deuses estão *fora do âmbito da realidade* e *NÃO* do alcance da ciência pode haver um início de acordo. Um "cientista" que crê que haja algo fora do âmbito da ciência não sabe nem o que ciência é, quanto mais fazê-la. E quem acredita que haja algo fora do âmbito da realidade... bem, com esse não dá nem para começar a discutir.
O fato é que já, *há muito tempo* que está cientificamente plenamente *comprovado* que deuses não existem. Quem acredita que isso não está comprovado, ainda está fugindo da realidade. Apelar para figuras matemáticas abstratas, como as assíntotas, ou para mudanças de paradigma divino são indícios claros dessa fuga. Qualquer cientista reconhece os fatos científicos e não foge deles. Quem foge dos fatos não faz ciência porque exercê-la é, exatamente, não fugir dos fatos (FATOS, não relatos pessoais ou históricos, OK? É um fato que existem escritos místicos atribuídos a Newton mas "isso significa que ele acreditava em todas as besteiras que escreveu" NÃO é um fato, é uma conclusão a partir de um fato e é aí que o perigo mora pois a maioria confunde as conclusões que tira dos fatos com os fatos em si e isso só é científico se as conclusões forem, também, fatos em si, com comprovações independentes dos "fatos que as geraram", ou qualquer luz diferente no céu será um disco voador, ou qualquer palavra de político...).
O caro Francis Collins não deu sua contribuição por ser religioso, e sim por ser um profissional desta área. Não existe uma única frase da bíblia, uma única palavra de seus ensinamentos que auxiliem a determinação da estrutura em dupa hélice do ácido desoxirribonucleico e suas relações com o fenótipo. Isto é fruto direto da perscrutação científica, seja ela vinda de um religioso ou não.
Isto é fruto direto das refinadas técnicas de análise do ADN. A "perscrutação científica" que você aponta teve, primeiro, que atravessar uma terrível barreira religiosa antes de ser aceita por religiosos, como é da própria natureza desse processo. Não é a "ciência do ADN", é a tecnologia do ADN que não permite mais fuga. Hoje o Collins "não se opõe" porque não há mais um lugar nas proximidades para se esconder, porque a tecnologia não permite mais (normalmente, a fuga -- hipótese ad hoc -- usada nestes casos é que "deuses deram inteligência ao homem para isso mesmo", isto é, para demonstrar que deuses não existem e serem, por isso, queimados em fogueiras por crentes -- não depois que os crentes conseguem descobrir que aquelas "coisas malígnas" que contestam deuses podem ser mais úteis que os próprios deuses, é claro, e mudarem as determinações de seus deuses de modo a poderem aproveitá-las) e não porque ele "estudou ciência".
Você está certo em afirmar que nada na bíblia há que auxilie o estudo da genética mas omitiu/esqueceu de explicitar que há muitas coisas que obstaculam fundamentos mais basilares da genética e de toda a ciência. Mas... para que ter que escolher quando se pode ficar com os dois, não é? Vivemos num mundo que mostra o tempo todo, assim como os políticos, que não é necessário nem desejável ou mesmo vantajoso ser honesto, não é? É a evolução, a seleção natural, a sobrevivência do mais forte mentiroso. O que pode haver de errado nisso?
Assim, embora EVIDENTEMENTE religiosos possam dar importantes contribuições à ciência, não o fazem porque são auxiliados por isso. E sim pois mantêm ambas idiossincrasias em suas vicissitudes.
Você está falando do tal dupli-tripli-multi-pensamento? Já que ninguém mais esclareceu para mim esta hipótese ad hoc, talvez você, Feynman, possa fazê-lo. Você pode provar que isso existe, por favor? Aqui me disseram que eu afirmar que Newton mentia e zombava descaradamente de todos com as asneiras místicas dele é que seria uma hipótese ad hoc. Em que essa minha "hipótese" seria mais ad hoc que a do multipensamento? Será que é só porque eu não sou e não tenho os belos olhos do George Orwell? Ou é porque essa ideia adequa-se melhor aos desejos da maioria? Afinal, provar, de um modo geral, que pessoas mentem é facílimo (embora, especificamente, nem sempre) agora o tal duplipensamento... há como evidenciar que isso existe afora ou acima da mentira? É possível diferenciá-lo da mentira? Não quero experiências pessoais, quero evidências.
"mantêm ambas idiossincrasias em suas vicissitudes" soa por demais poético, desejoso, fugidio e pouco científico.
Sua religião os ajudam tanto em seu trabalho como cientistas quanto seu conhecimento sobre os pormenores do mundo futebolístico, e tanto quanto a música auxilia no trabalho de um cientista que seja, também, músico. Podem até adventar a inspiração que isto proporciona (como fazia Einstein, com a música) , mas daí a afirmar que isto determina diretamente se os métodos de sequenciamento genético, por exemplo, são feitos de forma mais ou menos otimizada, por ser ou não crente, descamba nos atoleitos filosóficos pueris onipresentes da crença passiva, da fé encabrestada.
Se a religião não ajuda não é problema, desde que não atrapalhe, não é mesmo?
A religião ajuda a ciência na medida em que se recolhe à sua insignificância perante o conhecimento da natureza, e deixa aquela trabalhar. Pessoas crentes podem contribuir com a ciência... mas por serem pessoas... e não por serem religiosas.
Muito bonito, enfático e lancinante, Feynmann, mas, lamentavelmente, a religião não pode ajudar (nem atrapalhar) nada, tampouco, tomar atitudes como "recolher-se à sua própria insignificância" (isso soou um tanto áspero de sua parte -- normalmente, eu é que tenho sido assim, aqui) pela simples razão de que *não existe*. É só uma abstração na qual as pessoas jogam as culpas que só são imputáveis a elas mesmas. É triste quando se usa abstrações como desculpa para fugas mas é uma das mais comuns atitudes humanas. Quem pode tomar essas atitudes são os religiosos. É inútil e desonesto fugir com subterfúgios abstratos. Como quando crentes (e outros, não necessariamente crentes, também, afinal, o "argumento" é bonito e de bastante efeito) alegam que não odeiam homossexuais, mas homossexualismo. Ora, que lorota braba! Não existe homossexualismo sem homosexual, portanto, não existe homossexualismo além da abstração. Como se pode odiar uma abstração (especialmente sem odiar o objeto-fonte da abstração -- é o objeto que gera a abstração e não o contrário)? Tudo isso não passa de paralogismos bestas e, nos piores casos, sofismas imperdoáveis. Quando dizemos coisas como: vamos combater o crime, vamos combater a corrupção, não estamos dizendo nada que faça sentido. Se não começarmos a combater *os criminosos*, *os corrúptos* (tudo criminoso mesmo) não vamos fazer nada. Inventam-se fantasmagorias para deturpar toda a realidade e fomentar loucuras como a de que "pressões" que a sociedade exerce sobre certos indivíduos é o que os conduzem a cometer crimes, a ser criminosos. Um ser que está lutando pela sua sobrevivência não é um criminoso, independentemente de sua consciência. A definição de criminoso não pode incluir luta pela sobrevivência. Essa inclusão é uma atitude sórdida que só faz a articialidade de tirar a culpa do culpado e colocá-la em quem não a tem, em quem não tem nenhuma responsabilidade por aquilo. O mesmo ocorre com a ciência que, também, é só uma abstração. Ela não fará nenhum trabalho sozinha e a crença em que ela possa é tão crença quanto qualquer outra. Toda filosofia é religiosa. Abstrações não existem sem os abstraidores, traidores de si mesmos, dos outros e da própria aceitação da realidade quando lançam suas culpas nas abstrações que criam. Cada ser humano deveria aprender a parar de fugir de suas responsabilidades. Digo deveria porque não fujo da realidade de que nada indica que se possa esperar por isso.
Existem, sim, muitas e importantes incompatibilidades entre ciência e religião. Estas propagandas são aleijadas epistemologicamente. Tentam clarificar um ponto com a perpetuação de um mito de conciliação. Mas mitos são sua especialidade, não é mesmo?
Não, Feynman. Há antipodal incompatibilidade entre ciência e religião e estas propagandas não são aleijadas epistemologicamente; são sustentadas epistemologicamente. Crentes jamais querem conciliação. Isto não é próprio da natureza da religiosidade e da fé. Você disse muito bem: é um mito e é a "especialidade" de crentes (não ciência). Quem está acreditando nisso, já está caindo na propaganda deles.
Acho que você, Feynman, e a maioria de outros daqui não entenderam a essência da questão posta pelos religiosos (e isso constitui-se, entendo eu, num verdadeiro desrespeito até para com os religiosos e, muito pior, numa "força" para a "causa" deles). O que eles querem é destituir ciência de 'poder desdivinizante' e conseguem toda vez que alguém afirma que deuses não estão no escopo/alcance da ciência. O fundamental não é mostrar que a "religião ajuda o cientista", mas demonstrar que a *"ciência não ajuda o ateu"*. Essa é toda a questão aqui. Ciência é "a fonte" e o repositório de todo conhecimento real de que a humanidade dispõe. Os crentes não são bobos nesse quesito e sabem disso muito bem (demorou, mas finalmente). Tudo o que eles querem é demonstrar que "lidar com ciência" (que eles definem como ser cientista) não destitui o indivíduo de suas crendices. E "lidar com ciência" não destitui mesmo; o que destitui é *ser* cientista (é pensar cientificamente). O objetivo deles através de campanhas como essa é, tão simplesmente, provar que se um cientista não é "convencido pela ciência" de que deuses não existem, isso é fortíssima evidência de que existem. E se isso fosse verdadeiro, eles teriam muita razão. E, claro que cientistas crentes são provas da segunda proposta (de que "ciência não ajuda o ateu"). É tudo o que "eles" (quem são, exatamente, "eles", afinal... é algo que tenho me perguntado nos últimos tempos) querem, nada mais.
Você acha que eles não sabem disso que você expôs? Se você acredita que haja um "reino" fora da ciência mas ainda dentro de alguma possível "realidade" (ainda que "diferente" da *realidade*) onde deuses possam ser considerados com liberdade sem serem importunados pela ciência, você está concordando, então, com eles. E isso é *tudo o que eles querem*. Tudo o que você diz, aqui, vem em favor dos religiosos na campanha deles, não contra, como está supondo. Vou repetir: eles não querem provar que a religião os ajudou a "ser cientistas" e "obter resultados"; querem mostrar que a ciência não os demoveu de ser religiosos e sugerir, implicita ou explicitamente, que conclusões científicas não indicam inexistência de deuses. Só isso.
Sabe, às vezes me sinto como naquele filme "A Coisa", onde as pessoas comiam "The Stuff" (nome original do filme, inclusive) e ficavam perturbadoramente imbuídas de uma realidade centrada em comer mais Stuff e não perceber esta realidade.
E, naturalmente, começavam a jantar Stuff, comer Stuff no café da manhã e em todas as refeições, e perder totalmente o discernimento das coisas. Para mim, religiosos são comedores de Stuff.
Incrível! Sinto a mesma coisa. E nem sempre exatamente em relação a crentes. O que me impressiona é você acreditar que religiosos, ainda que "comedores de Stuff" com todos os efeitos colaterais que você aponta aqui, são capazes de fazer ciência. Você... não degustou esta "iguaria", degustou, Feynman?
Para mim, religiosos são como comedores de Stuff e muitos pseudo-não-religiosos também.
A ciência se desenvolveu não por causa da religião, mas APESAR dela.
É verdade a partir de certo ponto... mas se formos às origens talvez vejamos que a ciência beneficia do impulso para compreender a obra divina, para compreender como Deus pensou e fez o Universo e o homem... É que quando se acredita que houve um criador intencional conclui-se que a criação é racional e tem um propósito... logo teria de haver regularidades naturais que a ciência poderia perceber...
Os padres que foram e são cientistas não o são ou foram apesar da sua religião mas muito devido à sua religião... perceber a intenção e obra de Deus foi um incentivo... para eles a leis da natureza eram as leis de Deus... e quando parece que a descoberta científica vai contra os escritos sagrados é só transformá-los em alegóricos naquele ponto concreto.
Se formos às origens, o que descobriremos é a luta hercúlea de pioneiros da ciência contra pensadores mágicos. Essa sua hipótese é uma inversão total da realidade. Essa ideia espúria de possível associação entre pensamento mágico e científico é muito recente. Ela surge, principalmente, bem depois da revolução industrial. É que quando conclui-se que há um criador absoluto de tudo, nenhuma regularidade é garantida (nem precisa ser um criador absoluto de tudo; é muito comum fabricantes colocarem em seus manuais: "sujeito a alterações sem aviso prévio") e não pode haver nem faz sentido fazer ciência. Para que haja ciência é mister que as regularidades naturais não sejam produtos intencionais.
Os "padres que foram e são cientistas" pertecem, basicamente, a duas categorias: os mortos de fome, como Mendel, que encontraram um meio de sobrevivência na igreja e os infiltrados, como Lemaître, que precisam conhecer melhor o terreno "inimigo" para combatê-lo melhor.