A concorrência foi grande, mas o título de maior absurdo que vi hoje vai para isso aqui:
http://ifpa.edu.br/documentos-institucionais/0000/concurso-tae-2016/2711-anexo-iv-padro-es-avaliativos/file
Tirando apenas ter auto declaração e "seja o que Deus quiser", qual seria a melhor forma de se ter um critério racial para cotas?
Na certidão de nascimento consta raça? 
Acho que é zero o número de filhos de fraudários com tal pensamento de longo prazo. Mas talvez desperte algum mercado de falsificação de certidões de nascimento. O que de qualquer forma ficaria mais solidamente configurado como crime de falsidade ideológica, ou algo assim.
Na certidão de nascimento consta, mas dá na mesma em termos de precisão, porque em casos de dúvida geralmente se coloca o que os pais declaram. Se o objetivo é eliminar subjetividade, não adianta nada. Nem é mais item obrigatório no documento, embora o dado ainda seja colhido e enviado ao governo no ato do registro.
"Deduziam, olhando para os pais e, às vezes, até perguntavam. Mas isso trazia muito constrangimento", comentou. "Muitas vezes, vinha o pai e declarava que o filho tinha cor negra. Depois, vinha a mãe e reclamava. Chegavam a brigar no balcão".
http://www.arpensp.org.br/principal/index.cfm?tipo_layout=SISTEMA&url=noticia_mostrar.cfm&id=4288
Mas eu vejo tudo isso como secundário, porque o problema está no conceito. Há duas justificativas distintas para a existência de cotas, e que apesar de parecerem uma questão menor, já que os defensores de qualquer delas concordam que deve haver cotas, é na verdade uma questão central.
A justificativa 1 é:
"Os negros foram trazidos para o Brasil como escravos, tiveram seu trabalho indevidamente explorado e, após a abolição, foram deixados à própria sorte. Os descendentes desses escravos sofreram e sofrem as consequências desse episódio e, por isso, tem mais dificuldade que outros grupos de conseguirem ingressar no vestibular por ampla concorrência. As cotas servem para compensar esse desequilíbrio histórico."Se o indivíduo aceita essa justificativa acima, então não faz nenhum sentido se ater ao fenótipo. Um sujeito hipotético que tenha, digamos 8 ancestrais diretos que foram escravos, mas que possui um fenótipo mais próximo ao europeu por causa da miscigenação deve possuir um "cota score", um direito para usufruir da cota, maior do que um cara com fenótipo negro mas que teve apenas 3 ancestrais escravos. Claro que "número de ancestrais" escravos é apenas um indicador possível para representar o direito à cota de reparação histórica, mas estou dizendo tudo isso para afirmar que alguém que defenda cotas sob essa justificativa 1 não pode estar preocupada com critérios fenotípicos, apenas com critérios genéticos, porque importa saber de onde essa pessoa se originou do ponto de vista da história do Brasil. Esses dois garotos da foto são irmãos (
gêmeos!), portanto possuem exatamente os mesmos antepassados históricos, que sofreram exatamente a mesma opressão, então tem exatamente o mesmo direito de receberem essa reparação.

A justificativa 2 seria:
"O racismo ainda é uma realidade. As pessoas negras, hoje, por causa de sua cor e seu fenótipo, são preteridas em vários aspectos da vida estudantil, e não tem acesso às mesmas oportunidades que pessoas brancas, mesmo pessoas brancas da mesma classe social. Há uma desvantagem adicional provocada pelo racismo e a cota serve para compensar isso."O indivíduo que defende cotas sob essa justificativa, ao contrário do primeiro, precisa estar exclusivamente preocupado com o fenótipo. Agora, pouco importa o fato de ele ter 4 ou 5 ou 10 antepassados escravos, importa que ele possui fenótipo negro e é essa condição individual que faz com que ele seja castigado com desvantagens pela sociedade, e as cotas existiriam para contrabalancear essas desvantagens. Isso quer dizer que o critério não pode ter nada a ver com genética. Um negro que venha de família que imigrou recentemente, por meios e iniciativa própria, ou mesmo um não-subsaariano que possua fenótipo "próximo", como um cara de família aborígene, deve ter direito à cota.
Resumindo: o que vamos procurar em uma pessoa para considerá-la negra defende fortemente das razões que levaram o programa de cotas a ser implementado. Não sei qual é a justificativa mais próxima da "oficial", ou mesmo se é uma mistura de ambas, para complicar ainda mais.
Mesmo que não existisse essa dificuldade, ou seja, supondo que fôssemos unânimes em alguma das justificativas acima, ainda apareceria a dificuldade da arbitrariedade dos casos limítrofes. Haverá um valor limite que separa abruptamente um negro de um não negro, e isso é um problema, porque concede o benefício a um e não a outro, mesmo que ambos os indivíduos tenham praticamente o mesmo valor naquele critério.
Um jeito de resolver isso, absurdamente inviável do ponto de vista prático pelo trabalho que ia dar, seria atribuir individualmente e universalmente um valor a ser acrescentado na nota de cada indivíduo no teste, de acordo com o "cota score". Então, pelo critério genotípico, o indivíduo com pouquíssimos ancestrais escravos, que ainda por cima eram indiretos etc. teria um baixo "cota score", e teria só um pouquinho de acréscimo na nota (sei lá, +1%). E o cara que teve 15 ancestrais direitos escravos, a família se fodeu até 1888 e ainda quebraram os braços e pernas de todo mundo antes de soltar da fazenda, teria um alto "cota score", portanto um alto acréscimo (por exemplo, +15%). E aí, cada indivíduo, dentro desses extremos, teria sua própria pontuação, gerando um valor personalizado a ser acrescentado na nota. Pelo critério fenotípico (caso adotássemos a justificativa 2), a mesma coisa: um cara com fenótipo do Eddie Redmayne teria baixíssima pontuação para cota, portanto pouco acréscimo na nota. Um sósia do Martins Indi teria alta pontuação, logo alto acréscimo. E todos os intermediários teriam, outrossim, sua pontuação personalizada.
E aí, 28 anos depois de as provas terem sido realizadas, sairia o resultado do vestibular, de forma justa e criteriosa.
Ou seja, nenhum critério bom o suficiente poderia ser implementado de forma viável.