30 ANOS DE VIGIAR E PUNIR (FOUCAULT) Juarez Cirino dos Santos
"O objetivo de FOUCAULT, em Vigiar e Punir, é descrever a história do poder de punir como história da prisão, cuja instituição muda o estilo penal, do suplício do corpo da época medieval para a utilização do tempo no arquipélago carcerário do capitalismo moderno.
Assim, demonstrando a natureza política do poder de punir, o suplício do corpo do estilo medieval
(roda, fogueira etc.) é um ritual público de dominação pelo terror: o objeto da pena criminal é o corpo do condenado, mas o objetivo da pena criminal é a massa do povo, convocado para testemunhar a vitória do soberano sobre o criminoso, o rebelde que ousou desafiar o poder.
O processo medieval é inquisitorial e secreto: uma sucessão de interrogatórios dirigidos para a
confissão, sob juramento ou sob tortura, em completa ignorância da acusação e das provas; mas a execução penal é pública, porque o sofrimento do condenado, mensurado para reproduzir a atrocidade do crime, é um ritual político de controle social pelo medo.
No estudo da prisão, a originalidade de FOUCAULT consiste em abandonar o critério tradicional dos efeitos negativos de repressão da criminalidade, definido pelas formas jurídicas e delimitado pelas conseqüências da aplicação da lei penal, para pesquisar os efeitos positivos da prisão, como tática política de dominação orientada pelo saber científico, que define a moderna tecnologia do poder de punir, caracterizada pelo investimento do corpo por relações de poder, a matriz comum das ciências sociais contemporâneas.
Desse ponto de vista, o sistema punitivo seria um subsistema social garantidor do sistema de produção da vida material, cujas práticas punitivas consubstanciam uma economia política do corpo para criar docilidade e extrair utilidade das forças corporais.
A perspectiva histórica da pesquisa de FOUCAULT parece assumir que as relações de produção da vida material engendram as relações de dominação do sistema punitivo, orientadas para (re)construir o corpo como força produtiva – ou seja, como poder produtivo –, e como força submetida, mediante constituição de um poder político sobre o poder econômico do corpo.
Na linguagem de Vigiar e Punir, as relações de saber e de controle do sistema punitivo constituem a microfísica do poder, a estratégia das classes dominantes para produzir a alma como prisão do corpo do condenado – a forma acabada da ideologia de submissão de todos os vigiados, corrigidos e utilizados na produção material das sociedades modernas.
Nesse contexto, o binômio poder/saber aparece em relação de constituição recíproca: o poder produz o saber que legitima e reproduz o poder.
No estudo de FOUCAULT, a instituição da prisão substitui o espetáculo punitivo da sociedade feudal, porque a ilegalidade dos corpos da economia feudal de subsistência foi substituída pela ilegalidade dos bens da economia capitalista de privação. Na formação social erigida sobre a relação capital/trabalho assalariado, as ilegalidades são reestruturadas pela posição de classe dos autores: a ilegalidade dos bens das classes populares, julgada por tribunais ordinários, é punida com prisão – ao contrário da ilegalidade dos direitos da burguesia, estimulada pelos silêncios, omissões e tolerâncias da legislação, imune à punição ou sancionada com multas –, legitimada pela
ideologia do contrato social, em que a posição de membro da sociedade implica aceitação das normas e a prática de infrações determina aceitação da punição. Neste ponto, o gênio de FOUCAULT formula a primeira grande hipótese crítica do trabalho, que parece ser o fio condutor da pesquisa descrita no livro, além de vincular Vigiar e Punir à tradição principal da Criminologia Crítica: o sistema penal é definido como instrumento de gestão diferencial da criminalidade – e não de supressão da criminalidade."
*Grifos meus