A pena privativa de liberdade é colocada pelo discurso jurídico como necessária para que haja a ressocialização do indivíduo que foge de algumas das normas existentes para a manutenção ordem na sociedade, caracterizando a sua conduta como criminosa. Cabe às instituições penais a aplicação de práticas que promovam o ideal ressocializador proposto. Assim, a reinserção social de um indivíduo só poderá ocorrer a partir do momento em que ele passar por este processo de ressocialização e reeducação.
Percebe-se a falência do sistema prisional através de problemas recorrentemente enfrentados, tais como déficit expressivo de vagas nos presídios, rebeliões, fugas e altos índices de reincidência criminal. A prisão perdeu (se é que algum dia o teve) seu papel de instituição ressocializadora e promotora da reeducação dos indivíduos para tornar-se apenas um local que favorece a socialização em uma cultura carcerária. Mesmo as iniciativas que visam à formação educacional e profissional dentro das instituições carcerárias possuem, sobretudo, o objetivo de preenchimento do ócio dentro da unidade, não se constituindo efetivamente em instrumento de reeducação dos indivíduos.
Considerando que o sistema prisional brasileiro não está comprometido com a questão da ressocialização, como se infere a partir da ausência de políticas voltadas para tal objetivo, e como se pode tomar a ausência de política como uma forma de política, é lícito pensar que o modelo vigente de encarceramento possua, de fato, outros objetivos que não os explicitados no discurso jurídico. O modelo brasileiro possui, na realidade, um caráter muito mais presente de uma suposta proteção dos cidadãos e defesa social – do patrimônio e dos indivíduos – do que propriamente de ressocialização do transgressor. Ou seja, ele estaria mais voltado para aqueles que estão fora dos presídios, visando a garantir sua segurança ao privar da liberdade aqueles indivíduos considerados perigosos para a coletividade.
Ao retornar à liberdade, uma nova etapa começa para o egresso: ele precisa ser reinserido na sociedade. A questão da não-inserção social é um problema que afeta grande parte da população egressa brasileira e é resultante da convergência de vários aspectos, mas tem como resultado comum a exacerbação da pobreza. A população carcerária, de modo geral, é formada por indivíduos em situação de vulnerabilidade social e econômica e que, portanto, em condições normais já teriam dificuldades de inserir-se. Soma-se a estas dificuldades o fato de que, ao sair da prisão, passam a carregar o estigma de ex-presidiários, o que se torna um obstáculo quase intransponível para a maioria dos egressos. Além disso, a baixa escolaridade, que é característica da quase totalidade da população carcerária, dificulta a recolocação do egresso no mercado de trabalho.
2. Socialização e Ressocialização
Para Luckmann e Berger (2004), ao nascer, todo indivíduo ainda não é considerado membro de uma sociedade, mas possui uma pré-disposição para fazer parte dela. Para que ocorra esta inclusão, é necessário que ele se socialize. A socialização pode ser definida como a introdução do indivíduo no mundo objetivo de uma sociedade, e ocorre a partir do momento em que o mesmo passa por um processo de interiorização que constitui a base da compreensão dos seus semelhantes, no qual os acontecimentos objetivos são interpretados como dotados de sentido.
O processo de socialização, constante na vida do indivíduo, nunca se encerra e está dividido em duas partes: uma primeira chamada socialização primária, na qual o indivíduo forma a sua estrutura social básica, e uma segunda conhecida como socialização secundária, que é referente à aquisição do conhecimento de funções específicas.
Os valores significativos interiorizados pela criança na socialização primária lhe são impostos e as definições que lhe são dadas através destes valores compõem a realidade objetiva. A partir daí, a criança passa a participar do mundo social objetivo e as suas características são percebidas de acordo com a localização da criança na estrutura social, e também com a disposição do seu temperamento para sentir, de um modo especial e privativo dela, a influência de diversos agentes.
Durante o processo de socialização primária, não há escolha por parte da criança a respeito das significações as quais irá absorver: um mundo lhe é imposto e ela é obrigada a aceitá-lo. A criança, além de absorver papéis e atitudes dos pais (ou responsáveis por sua socialização primária), também passa a tomar o mundo deles como seu.
A socialização secundária passa a ocorrer a partir do momento em que o indivíduo possui a personalidade formada e seu mundo interiorizado. De acordo com Luckmann e Berger, como a realidade já foi interiorizada, o novo processo precisa possuir conceitos que possam ser sobrepostos aos já conhecidos pelo indivíduo, caso contrário, podem ocorrer problemas de coerência entre a socialização primária e a secundária. O processo de socialização secundária torna-se necessário à medida que a divisão social do trabalho ocasionou a distribuição social do conhecimento e, portanto, passa a ser necessária a aquisição de funções específicas com raízes na própria divisão do trabalho, segundo os autores citados acima.
Ao contrário do que ocorre na socialização primária, na qual os pais são responsáveis pela interiorização de valores apreendidos pelo indivíduo, na socialização secundária ele passa a compreender o contexto das instituições, as quais são responsáveis, através da utilização de funcionários institucionais, como professores, por exemplo, pela interiorização dos novos conceitos.
A realidade subjetiva, referente àquilo que é apreendido na consciência individual, também é um ponto abordado pelos autores. Para eles, a socialização primária pode ser entendida como bem sucedida quando o indivíduo possui presente nas suas ações, enquanto ser ativo no mundo da vida cotidiana, um princípio constante de “inevitabilidade”.
Já no processo de socialização secundária, os valores aí internalizados possuem uma inserção muito menos profunda na consciência do indivíduo. O elemento mais importante para a conservação desta realidade subjetiva é a conversa cotidiana entre os indivíduos: ela seria responsável pela reafirmação de significados sociais que compõem a realidade subjetiva, assim como é responsável pela sua manutenção. Para que a realidade subjetiva seja mantida, é necessário que o exercício da conversa cotidiana seja contínuo e coerente.
No processo de ressocialização, o passado é reinterpretado para que seja harmonizado com a realidade presente, há uma tendência no individuo de retrojetar no passado vários dos elementos que não eram aceitos naquela época. Para que este processo seja bem sucedido, é necessária uma base social, com cujos significativos o indivíduo, inserido no processo de ressocialização, crie uma identificação afetiva (uma vez que essa identificação será responsável pela interiorização destes novos significativos como ocorre na infância, quando o indivíduo possuía uma dependência emocional em sua aprendizagem).
A nova realidade deve ser legitimada e mantida, ao passo que a antiga e seus valores precisam ser abandonados. Porém, antes que ocorra o abandono, é necessário que sejam feitas reinterpretações a respeito dos significados e valores utilizados na realidade anterior à ressocialização.
O conceito de ressocialização é integrante do discurso jurídico e justifica a pena privativa da liberdade como forma de criar nos indivíduos uma disciplina que permita a convivência com os demais integrantes da sociedade. O termo estaria ligado ao fato do indivíduo privado de liberdade, através das praticas punitivas, passar a respeitar as normas penais, tendo como principal objetivo que, no futuro, ele não volte a cometer delitos.
O Estado pune o infrator de maneira “idealizada”, uma vez que sustenta normativamente que ele possa ser reinserido na sociedade sem que seus crimes sejam considerados fatores excludentes, estigmatizantes. Os resultados obtidos após o cumprimento da condenação permanecem muito distantes dos ideais ressocializadores. O modelo punitivo de reclusão do indivíduo adotado possui a função de proteção e defesa social muito mais presente do que a ressocializadora, sendo que esse dado pode ser comprovado através dos altos índices de reincidência criminal.
3. Organização Prisional: ressocialização ou estigmatização?
Para Giddens (2005), uma organização é formada por um agrupamento de pessoas, que estão estruturadas através do principio da impessoalidade, unidas a fim de atingirem objetivos específicos. Muitas vezes, as organizações são responsáveis por tirar coisas de nossa responsabilidade e entregá-las ao controle de especialistas ou funcionários organizacionais, sobre os quais não possuímos muita influência. As organizações possuem o poder de submeter indivíduos a ordens e normas das quais eles não podem escapar.
A disciplina organizacional só pode avançar a partir da manipulação do tempo e do espaço, sendo necessário o fechamento dos indivíduos. O poder disciplinar possui sua base nesta prática, mas Giddens acredita não ser suficiente para o controle detalhado das atividades e movimentos corporais dos indivíduos dentro da organização. Para o autor, cada indivíduo deveria ter “seu lugar próprio” em cada momento do dia, evitando assim a formação de grandes grupos com vontade independente e oposta a da organização (GIDDENS, 2003, p.172).
Giddens verifica uma grande semelhança na visão do poder disciplinar de Michel Foucault e na análise de Max Weber sobre a burocracia moderna, ainda que o foco dos respectivos autores seja distinto. Enquanto Weber preocupa-se com a área estratégica da burocracia, analisando o Estado e seus escritórios administrativos, Foucault raramente analisa os mecanismos do Estado de forma direta, verificando suas formas através de tipos mais marginais de organização, como hospitais, manicômios e prisões. Ainda assim, ambos demonstram preocupação com o surgimento de novos tipos de poder administrativo, criados a partir das atividades humanas concentradas na organização, através de suas especificações e coordenações precisas.
De acordo com Foucault (1997), a prisão fundamenta-se, primeiramente, no fato de que a liberdade é um bem pertencente a todos e da mesma maneira, logo, a sua privação teria um “preço” equivalente, sendo um castigo igualitário. Como complemento a sua base de fundamentação, a prisão tem o papel de transformar o indivíduo, impondo-lhe disciplina: um dos responsáveis por essa transformação é o trabalho prisional, cujo sentido não estaria ligado à aprendizagem de um ofício, mas a noção própria de virtude do trabalho, dando aos indivíduos a forma ideal do trabalhador.
A prisão passa a ser responsável pela administração de toda dimensão temporal da vida dos apenados, além do controle dos seus corpos: deve haver uma modificação do tempo do indivíduo em tempo disponibilizado ao trabalho e a transformação do seu corpo para a realização do trabalho; deve “qualificar-se como um corpo capaz de trabalhar” (FOUCAULT, 1997, p.124).
Para Foucault, o trabalho prisional aqui não visa ao lucro ou ao aprendizado de uma atividade que seja útil ao apenado, mas sim ao seu ajuste a um aparelho de produção. O trabalho prisional não seria “nem uma adição nem um corretivo ao regime de detenção”, ele teria uma função diferente da punição.
Muito afastada do ato de ressocializar os indivíduos, a prisão acaba por demonstrar a falência de seus métodos através das constatações feitas pelo autor. A primeira delas diz respeito ao fato de as prisões não diminuírem as taxas de criminalidade; a segunda trata da observação de que a detenção provoca reincidência: depois de sair da prisão, se tem mais chance do que antes de voltar para ela, fato que é aumentado na medida em que a impossibilidade de encontrar trabalho fora dela é enfrentada pelo egresso. A terceira constatação está ligada ao fato de que prisões fabricam delinqüentes, além de favorecer a solidariedade entre eles.
Segundo Bauman (1999), o encarceramento sob variados tipos de métodos e rigor tem sido o principal modo de lidar com setores problemáticos e difíceis de controlar da população.
A idéia de controle disciplinar transformou as instituições panópticas em casas de correção com o intuito de tirar da “perdição” indivíduos com hábitos considerados negativos para as sociedades. A ética do trabalho seria responsável pela “salvação”: o trabalho duro e constante era a receita para uma vida regrada e baseada na ordem social. As instituições panópticas de confinamento eram antes de tudo “fábricas de trabalho disciplinado”.
Desde sua concepção até os dias de hoje, é discutível se as casas de correção poderiam promover nos internos o seu propósito de reabilitação, para trazê-los novamente ao convívio social. Os princípios da ética do trabalho não se encaixam nos modelos coercitivos das prisões. O aprisionamento ensina ao indivíduo como se portar dentro da instituição, de acordo com normas e valores específicos dela, sendo que esses não são os mesmos encontrados na sociedade fora dos seus muros. Segundo Bauman, aprisionamento é exatamente o oposto da reabilitação.
O autor observa o acentuado crescimento da utilização do encarceramento como modo de punição deve-se ao fato de que novos setores da população serem visados como novas ameaças à ordem social. A expulsão desses indivíduos do meio social passa a ser configurada como uma solução eficiente para neutralizar a ”ameaça” que causam a ordem pública. Assim, as penas de privação da liberdade acabam sendo colocadas na dinâmica da urgência, dando a ilusória resposta à opinião pública de que está ocorrendo uma espécie de justiça instantânea. A prisão imediata é utilizada aqui como construtora de uma falsa noção de eficácia do aparelho repressor estatal. (BAUMAN, 1999, p.127).
A criminalização dos que são economicamente inferiores e não possuem condições ideais de consumo na sociedade contemporânea é realizada de modo crescente pelo sistema penal, sendo que, cada vez mais, ser pobre é visto como um crime e empobrecer como produto de predisposição ou intenção criminosa. Essa ação corresponde a uma nova mentalidade sobre a resposta ao delito por parte de indivíduos de classes econômicas superiores (os consumidores).
Os não-consumidores ou consumidores falhos são pessoas incapazes de responder aos atrativos do mercado consumidor contemporâneo, já que não possuem recursos econômicos exigidos para tanto; estes indivíduos são redundantes para o mercado de consumo e considerados “fora do lugar”, “objetos impuros”, são os principais e potenciais clientes do sistema penal. (BAUMAN, 1997, p. 26).
Em sua análise sobre o cárcere, Alessandro Baratta observa que a sua função principal é manter indivíduos desiguais, sendo este o elemento principal para a criação de uma população criminosa. A pena restritiva de liberdade deixaria marcas estigmatizantes no individuo e não produziria o efeito ressocializador e reeducador em que está baseada, mas, ao contrário, acabaria por conferir ao individuo o papel de delinqüente.
A estigmatização penal apresenta-se para o autor como elemento transformador da identidade social da população criminosa. A prisão seria causadora de um fenômeno de “desculturação”, por meio do qual o individuo perderia as condições de viver em liberdade, perdendo o senso de auto-responsabilidade do ponto de vista econômico e social. Complementar a este processo ocorreria uma aculturação dos valores característicos de uma subcultura carcerária, a qual quanto mais internalizada, menores as chances do individuo ser reinserido na sociedade além dos muros da prisão.
4. Trabalho prisional: educação, separação ou alienação?
Observando o trabalho prisional no Rio Grande do sul, Lemos, Mazzilli e Klering (1998) verificam que o verdadeiro envolvimento do apenado com o trabalho é inviabilizado por ações das organizações carcerárias que primam pela segurança e disciplina. O sistema penitenciário, ainda que preocupado com a reintegração dos indivíduos na sociedade, exerce, segundo os autores, uma relação de total subordinação, tolhendo qualquer iniciativa, logo, massificando a condição do apenado.
Os apenados percebem o trabalho prisional a partir de duas dimensões distintas: a da realidade e a formada por suas expectativas. Acreditam ser possível adquirir “uma nova postura em face ao mundo” (LEMOS, MAZZILLI, KLERING, 1998, p.140), sendo assim mais fácil a reinserção na sociedade. Porém, por outro lado, percebem que o trabalho prisional não contribuirá para o seu convívio em sociedade, uma vez que têm a idéia de que ele é utilizado pela instituição para manter a ordem e a disciplina.
Analisando a função do trabalho prisional, Hassen (1999) afirma que, teoricamente, além de ser muito importante como fator ressocializador para o indivíduo que cumpre pena privativa de liberdade, coincide com a melhora da relação com a sua família. Ao ingressar em um programa de trabalho prisional, o preso passa a poder colaborar com o sustento da família, ao contrário de depender dela. Por menor que seja a remuneração pelo trabalho, há, para a autora, a possibilidade de dispor dela para a família, uma vez que a sobrevivência material mínima é garantida ao preso pelo sistema.
Hassen considera que o ambiente de trabalho no sistema prisional também é considerado positivo por criar laços sociais de convivência entre presos-trabalhadores e pelo fato de que dentro do ambiente de trabalho “a relação com o tempo se altera” (HASSEN, 1999, p.38). Além disso, deve-se considerar que o trabalho penal aumenta a chance do apenado na troca do regime fechado para o semi-aberto, já que é ligado ao bom comportamento dentro da instituição prisional, ocorrendo também a diminuição de um dia de pena a cada três trabalhados.
Outra função do trabalho prisional seria a de criar uma “distância espacial do crime dentro da prisão” (HASSEN, 1999, p.38). Os presos que não querem trabalhar logo são identificados com o mundo do crime pela instituição penal assim como pelos próprios internos, e através dessa identificação, a população prisional acaba por ser dividida em dois grupos: o grupo de indivíduos que estão ligados ao crime e o grupo dos indivíduos que estão ligados ao trabalho.
O trabalho prisional não foge à ética social do trabalho. Ele aparece nas representações coletivas como um valor universal que diferencia os homens de bem, sendo sinal de decência, organização e marca de honestidade.
Apesar de teoricamente possuir um ideal ressocializador, a autora conclui que o trabalho prisional encontra-se longe desse intuito. Hassen acredita que os resultados do trabalho prisional estão muito mais ligados à separação dos indivíduos em criminosos e trabalhadores e que a questão ressocializadora depende, na verdade, da iniciativa pessoal do apenado, bem como do apoio de familiares e amigos, para que consiga manter as características positivas que possuía antes de entrar na instituição penal, já que a prisão torna os apenados indivíduos moralmente piores. A autora afirma que o encarceramento não é a solução para o problema da criminalidade e que sua função ressocializadora não é posta em prática.
O trabalho prisional é tido pelos indivíduos encarcerados como uma maneira de passar o tempo. Não há identificação com a atividade laboral realizada e não ocorre a pretensa reeducação social colocada pelo discurso que justifica a pena privativa de liberdade.
Quanto aos esforços para recolocar os egressos do sistema penal no mercado de trabalho, BAUMAN (1999) observa que a tentativa só será efetiva se houver trabalho a se fazer, algo cada vez mais raro em um mundo globalizado e com as relações de trabalho sofrendo transformações. O autor acredita que, nas atuais circunstâncias, o confinamento em uma instituição prisional representa uma “alternativa ao emprego”, uma maneira de neutralizar ou utilizar uma parcela da população que não é necessária à produção e para a qual não existem alternativas de trabalho para ser recolocada
5. O caso brasileiro e algumas conclusões
O discurso jurídico justifica a pena privativa de liberdade através do pressuposto de que ela seria responsável pela criação de uma disciplina que permitiria aos apenados conviverem em sociedade, uma vez que estes seriam reeducados e ressocializados. Porém, o estado brasileiro adota um modelo no qual a prisão possui primordialmente a função de defesa e proteção social dos cidadãos, já que a reclusão apenas retira da sociedade os indivíduos que cometem crimes sem reeducá-los ou ressocializá-los.
No Brasil, a ressocialização depende mais de um esforço individual para que sejam preservados alguns valores positivos que o apenado possuía antes de entrar na prisão e as boas relações com familiares do que das medidas tomadas por parte do aparelho punitivo. Não há um investimento real por parte do Estado em planos voltados para a problemática da população encarcerada e egressa do sistema penal, e observa-se que as prisões não diminuem as taxas de criminalidade, ao contrário, são responsáveis pela elevação das chances de reincidência.
Como base para a ressocialização, o trabalho prisional introduziria o indivíduo a uma nova disciplina, dando a ele a forma ideal do trabalhador; o trabalho penal não visaria ao lucro ou ao aprendizado de uma atividade útil ao apenado, mas sim o seu ajuste ao sistema de produção. Contudo, observa-se que no sistema prisional brasileiro, o trabalho penal possui um sentido maior de separação da população encarcerada em presos trabalhadores e indivíduos criminosos, além de possuir a função de preencher o ócio dentro das unidades penais.
Dessa forma, o preso, no momento em que é posto em liberdade, encontra-se em situação de vulnerabilidade, dado que não ocorre o processo de ressocialização e preparação para a reinserção social. Ademais, o estigma que agora carrega amplifica as dificuldades para sua reinserção.
A população egressa, que normalmente já vivia uma situação de exclusão social antes mesmo de ingressar em uma instituição penal, apresenta muitas dificuldades para ser socialmente reinserida. O fato de não existirem políticas públicas que auxiliem os egressos no seu processo de reinserção torna a atuação da sociedade civil indispensável: somente haverá a conclusão do processo se a sociedade aceitá-los novamente como parte integrante de sua formação.
Observando o sentido e a justificação da pena privativa de liberdade, ZAFFARONI (1997) cita que eles possuem uma missão praticamente impossível. Para o autor, a pena é um fenômeno político e não possui nenhuma finalidade de caráter racional; foi inventada para que sejam mantidos o poder político verticalizador e corporativizador da sociedade.
Segundo o autor, o discurso ressocializador e reeducador da pena privativa de liberdade, percebidos como uma ideologia autoritária, não pode ser verificado na realidade prática social: ensinar alguém a viver em liberdade mantendo-o encarcerado, sob o ponto de vista do autor, é um ato irracional e com resultados desastrosos, como visto nas prisões latinoamericanas (ZAFFARONI, 1997, p.40). As ideologias “re” colocam quem as utiliza em um patamar social superior ao de em quem elas devem ser utilizadas e pode ser encarado como uma discriminação social.
Texto bastante interessante e pertinente. Fnte:
http://www.sociologiajuridica.net.br/numero-5/240-trabalho-prisional-e-reinsercao-social-funcao-ideal-e-realidade-pratica-fernanda-bestetti-de-vasconcellos