A Somália mostra bem o efeito das desonerações máximas de impostos.
Diz-se coisas como que, "o subsídio do BNDES às compras de caminhões criou um estímulo com uma base falsa à compra de caminhões, uma distorção na economia, fazendo com que mais pessoas comprassem caminhões do que comprariam sem essa distorção, aumentando a concorrência entre eles, reduzindo o que podem cobrar, e aumentando seus custos."
Em que difere, nessas conseqüências, uma redução do preço de compra de caminhões e uma esperada "compra excessiva" deles, dada por subsídio estatal, versus uma redução similar dada pela entrada de caminhões importados mais baratos, ou mesmo preços reduzidos pela indústria local, por qualquer razão não-subsidiada?
Com ou sem indução estatal, qualquer aumento exógeno na dotação disponível de qualquer fator de produção vai levar a um aumento de demanda nesse fator. Isso pode levar a sobreinvestimento, se o mecanismo de equilíbrio no mercado de fatores por efeito substituição não funcionar. O sobreinvestimento, numa economia não dirigida, pode existir apenas por erros dos participantes do mercado, não por erros de planejamento central.
Mas o efeito é o mesmo, não? Então a mesma lógica que diz que esse tipo de subsídios são indesejáveis pode ser usada para no mínimo embasar uma "cautela protecionista," como reduzindo tarifas de importação de maneira gradual de modo a evitar esse efeito análogo ao do subsídio estatal.
Se não me engano o acordo UE-MS tem alguns aspectos "graduais," não é uma abertura total súbita. Ao menos em questões como propriedade intelectual/marcas, e/ou especificamente aquelas adjetivações regionais como "Champagne," parmesão, etc.
A proposta de reforma tributária em passo mais acelerado também dispõe de uma gradualidade para não quebrar as pernas de quem investiu baseado nos custos implícitos com a estrutura tributária atual, o que também tem alguma analogia.
Anti-truste também.
O planejamento central transforma um problema em dois. Ademais, os pequenos erros localizados não se multiplicam para algo maior, como será demonstrado no exemplo descrito a seguir.
Outra vantagem de não subsidiar investimento é que ninguém veria a sua ação como a de um integrante de um programa social do qual o governo teria obrigação de agir como salva-vidas. Assim, cada um assumiria os riscos que correu; os sistemas teriam mais oportunidades de aprender por tentativa e erro. Do lado oposto, tem-se a espiral de erros centralizados grandes e intervenções ingênuas, como a que o economista Samuel Pessoa descreveu: "Como acontece com frequência no Brasil, tentou-se empurrar o prejuízo para outros. Nesse caso, aos concessionários de rodovias. O Ministério dos Transportes reduziu o pedágio —sob certas circunstâncias— pago pelos caminhoneiros. Essa redução do pedágio gerou quebra contratual nas rodovias operadas pela iniciativa privada, e o tema foi judicializado: as concessionárias entraram com um pedido de reequilíbrio econômico financeiro do contrato. Baita confusão!"
Acho que isso não se sustenta. Seria isso o "segundo" problema? Não vi nas demandas dos caminhoneiros a argumentação, "o estado subsidiou nossos caminhões; logo, é responsável pelos nossos custos de operação que cresceram ao mesmo tempo em que a competição aumentou, reduzindo nossas margens de lucro." Em vez disso era o muito menos elaborado, "o diesel está alto demais, o preço não pode variar assim, não sabemos formar preços que não nos dêem prejuízo com essa variação de custos tão volátil! Exigimos diesel mais barato e com menos variação de preço!!!!!1111 O caminhoneiro é quem move o Brasil!!!!!!1111"
Esse tipo de argumentação poderia muito bem vir se não tivesse havido subsídio estatal dos caminhões, mas uma queda nos preços deles através de políticas mais liberais (inclusive só por crédito, como o liberalismo financeiro que favoreceu a crise imobiliária americana, e agora ocorre também com financiamentos de carros via Uber, em menor grau), ou de alguma inovação tecnológica mais ruptora.
Planejamento central versus a ausência dele não tem sempre essas conseqüências catastróficas de um lado e otimização ideal do outro. Empresas, corporações, mega-corporações, são instâncias de centralização de planejamento em diversos níveis, que existem na medida que constituem como mais eficientes do que redes de autônomos/freelancers atendendo às mesmas demandas. Talvez a principal vantagem seja justamente a "economia de escala". Embora possa se considerar que tenham também efeitos indesejáveis sobre o mercado e que valha a pena limitar seu tamanho e poder, da mesma forma que o poder estatal.