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08/08/2017 Para Armínio Fraga, 'uma guinada populista levará tudo para o brejo' - 08/08/2017 - Mercado - Folha de S.Paulo
O economista, que dirigiu o Banco Central de 1999 a 2002, no segundo
mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), recebeu a
Folha na tarde de quarta-feira (2), o dia em que o presidente Michel Temer
(PMDB) conseguiu barrar a denúncia criminal apresentada contra ele na
Câmara dos Deputados.
Fraga não expressa entusiasmo pelo governo Temer, revela desencanto com o
PSDB e o senador Aécio Neves, o candidato para quem trabalhou nas eleições
de 2014, e diz temer que a participação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) na campanha de 2018 elimine qualquer chance de um debate
consistente sobre os rumos do país.
Folha - Os mercados parecem calmos hoje, apesar das incertezas
na política e das dificuldades na economia. Por quê?
Armínio Fraga - Há gente nervosa, mas ninguém em pânico. As condições
externas são favoráveis. O dinheiro está queimando na mão das pessoas lá
fora, com juro muito baixo. O Brasil continua com juro alto, apesar da queda
recente, o que atrai capital.
Além disso, existe a percepção, a meu ver bastante correta, de que as
instituições do país estão funcionando. E o balanço de pagamentos também
deu uma guinada enorme, o que dá certo conforto.
Apesar da confusão, o governo vem conseguindo manter viva alguma margem
para a aprovação de reformas. Provavelmente, o que o mercado embute nas
expectativas hoje é um 2018 tranquilo. Mas tenho receio de esse quase
consenso não ser tão firme assim.
O que pode desencadear a tempestade é a política?
A política e as eleições. Existe a expectativa de que uma solução seria algo ao
centro, antipolítica, vindo de fora. Fala-se na ideia de procurar alguém como
[o presidente francês, Emmanuel] Macron.
Mas é certo que, mesmo que surja alguém sem o histórico difícil que muitos
do mundo político têm, não vai acontecer no Brasil uma guinada tão grande
na composição do Congresso. O Brasil velho continuará lá, superbem
representado, o que vai dificultar.
Dificultar o quê?
O trabalho de quem quer que venha a ser eleito. Mesmo se o Brasil evitar os
extremos no espectro de candidatos, será necessário que o próximo governo
tenha um alto grau de competência e mobilização, muito pouco plausível.
O que assustaria o mercado?
Se [o próximo governo] não vier com algo muito bem fundamentado na
gestão da economia, pode trazer um problema enorme. A dívida pública,
mesmo com todas essas reformas aprovadas, o que não é certo que aconteça,
vai estar na Lua, indo para 95% do PIB.
Ninguém parece muito preocupado com isso hoje em dia.
Não sei por quê. Não é algo que permita qualquer grau de displicência ou
tranquilidade. Vejam o que está acontecendo com o investimento. Está abaixo
de 14% do PIB. A gente tinha que estar investindo o dobro disso para crescer,
porque nossas carências são enormes. A calmaria dá ao Brasil tempo, mas só
isso.
Até acho que vem uma recuperação por aí, com a queda dos juros e certa
tranquilidade que vem desde o impeachment de Dilma [Rousseff]. Com
certeza a saída dela ajudou muito. Mas não será aquela recuperação
espetacular enquanto não houver clareza em relação ao que vem por aí.
A crise política e a recessão prolongada estimularão candidaturas
de perfil populista?
Um discurso de honestidade e segurança irá muito longe. Na área econômica,
a base do discurso de todos deverá ser colocar a economia nos trilhos. Todos
sempre dizem que tudo é possível, ninguém faz as contas e a vida segue.
Nossos governos estão muito fragilizados do ponto de vista financeiro. O
Estado do Rio vive situação dramática, e vários outros estão muito mal.
A fragilidade financeira limitará o próximo presidente?
Quem chegar terá que tomar medidas emergenciais e rever muita coisa. A
Previdência terá que ser rediscutida, e existem muitas outras questões ligadas
ao tamanho e à qualidade do Estado. Tudo isso com o Congresso ainda em
boa parte com a cabeça do Brasil velho, que deu errado.
A estratégia [do atual governo] de promover um ajuste fiscal gradual é
pragmática. Provavelmente acharam que era o que dava para fazer, mas ela só
posterga o desafio.
Não devemos ter medo. Um ajuste bem-feito, radical, provavelmente
aumentaria nossa capacidade de crescer. Daria muito mais espaço para o
Banco Central baixar os juros e alongaria os horizontes, destravaria muito o
investimento.
Os gargalos existentes em áreas como a infraestrutura podem
travar a recuperação?
Eles existem, mas também podem atrair investimento. Arrisco dizer que, num
país arrumado, o crescimento teria como locomotiva o investimento. Esse tipo
de pressão seria um luxo comparado com o que vemos hoje. Qual a vantagem
de estar cortando juros porque o país está em depressão? Não adianta nada.
A revisão da meta fiscal deste ano causará dano à credibilidade da
equipe econômica?
Estamos pagando o preço de várias coisas, dos aumentos salariais do início do
governo Temer. Sempre defendi que o trabalho maior fosse feito pelo lado do
gasto, mas não tem jeito. Infelizmente, vamos ter que aumentar os impostos.
No curto prazo, é inevitável e desejável que se faça isso, em razão dos riscos
com o aumento da dívida.
O impacto da Operação Lava Jato sobre grandes empresas como a
Odebrecht e a JBS servirá para impor um novo padrão de
relacionamento entre o poder econômico e o Estado?
Vai ficar mais difícil voltar ao que havia, mas a tentação sempre existirá. Boa
parte do empresariado esteve na cama com vários governos, especialmente
esses mais recentes. Por serem mais centralizadores, levaram esse jogo a um
patamar nunca visto antes.
Acredito que revelações e punições daqui para a frente funcionarão como um
freio. É um boa consequência dessa tragédia. Mas tem que tirar do outro lado
o espaço discricionário que permitiu ao governo fazer do Estado um balcão.
O sr. ficou surpreso com os diálogos de Joesley Batista com o
senador Aécio Neves?
Fiquei chateado. Entendo que a política exija negociações variadas, que há
uma disputa por recursos do orçamento e tudo mais, mas ali havia muitos
aspectos do Brasil velho. Foi desagradável.
Na campanha presidencial de 2014, eu estava animado com a possibilidade de
trabalhar com Aécio. Acho que teria sido um bom presidente, mas esse lado
mais extremo eu não enxergava. É uma tristeza.
Como a visita secreta de Joesley ao presidente, na calada da noite. Temer
chegou [ao poder] com uma boa agenda. Foi parceiro preferencial do PT na
roubalheira e na destruição da economia, mas teve o mérito de parar com
aquilo e apresentar uma proposta [de reformas]. Foi uma grande surpresa.
Depois ficou claro que seus vínculos com o Brasil velho eram muito fortes.
Há risco de retrocesso?
Se a mudança na direção da política econômica for mantida, consolida uma
coisa muito boa. Pode acontecer o contrário, uma guinada populista e ir tudo
para o brejo.
E o PSDB?
Não tenho muito entusiasmo pelo que estou vendo. O PSDB está se enrolando
todo. Vai acabar perdendo a chance.
O que espera do debate na campanha eleitoral de 2018?
Se Lula for candidato, vai voltar ao mesmo padrão de mentiras e promessas
de antes. Ele declarou outro dia que nunca o Brasil precisou tanto do PT
quanto hoje. Para quê? Para quebrar de novo? Para enriquecer todos esses
que estão aí mamando há tanto tempo? Acho que a campanha vai ser de
baixíssimo nível.
Se a discussão não for boa, quem vier depois não terá legitimidade para tomar
as medidas necessárias. Fica a ideia de que o Brasil tem apenas duas opções:
ser feliz, ou tomar medidas amargas. Isso dificulta a solução da falência
generalizada que se aproxima.
Quando penso nos oito anos do governo Fernando Henrique [1995-2002],
mesmo o início do governo Lula, que foi uma surpresa positiva, acho que foi
um sonho. O normal não é aquilo, é o que está aí agora. O medo é que aquilo
tenha sido só um acidente.