Vi alguns dos vídeos da Sarkeesian e, apesar de nem sempre concordar com ela[1], creio que ela apontou para um problema recorrente não só nos games mas na mídia popular de uma forma geral. É o fato de os produtores dessa mídias, por preconceito ou preguića abusarem dos clichês - e o público aceitar isso como "normal". É o caso do clichê da "Donzela em perigo":
Como eu disse, a coisa geralmente parte de um ponto com qualquer um que não for extremamente implicante vai concordar, mas daí por diante segue super-dramatizando isso. Dentro do contexto de ser só um traço da cultura patriarcal para oprimir a mulher. Mas não só os clichês não serão só sobre mulheres, e nem serão apenas negativos/opressivos. Se as mulheres são SALVAS pelos protagonistas, você no mínimo tem que dizer que seria no máximo um exemplo de "sexismo benevolente", que, apesar de ser um símbolo de como a sociedade valoriza a mulher, colocando como ideal um sacrifício homérico com o objetivo de salvá-la, idealmente não seria tão repetitivo, e haveria mais personagens femininos com mais "agência". Mas o que ela faz é meio como, reclamar de que, sei lá, personagens negros nos videogames são sempre estrelas do basquete ou boxeadores, e tentar fazer um vínculo disso com uma perpetuação da escravidão.
PS.: acho racista que nos últimos/não-tão-últimos jogos da série "GTA", o protagonista/bandido só pode ser um negro.
em lugar de tentar criar uma personagem feminina um pouco mais profunda, preferem usar personagens cuja única utilidade é motivar o protagonista. No vídeo ela mostra dezenas de exemplos.
Mas novamente, acho que se for comparar, os personagens masculinos não são assim tão tremendamente melhores em termos de serem não-clichês. Até por extensão. Se as mulheres são freqüentemente donzelas em perigo, os homens serão na mesma medida seus salvadores. E aqui você ainda pode também dizer que são estereotipados, uma vez que em 90% do tempo o "salvamento" é na base de violência, do início ao fim. "Por que para a sociedade matriarcal, o homem é só um monte de músculos cujas únicas funções são prover e proteger a mulher, só assim ele é considerado como tendo valor pela sociedade", diria um MRA.
Outro clichê é o da "mulher na geladeira"[2]. Imagino que a irritacão que algumas mulheres sentem com esse tipo de clichê não seja muito diferente da que eu sentiria se, digamos, cearense fossem sempre mostrados em filmes e programas de TV como retirantes esfomeados que só conseguem sobreviver com a ajuda de sudestinos bondosos - ou gaúchos se fossem sempre mostrados como bichinhas de bombachas. Acho que não se trata de ser implicante, mas de se procurar uma experiência mais rica e significativa para nossos produtos culturais.
De volta ao meu primeiro ponto, o problema não é criticar os clichês, mas a tentativa de colocá-los como misóginos/patriarcalistas/opressores/etc, quando, na maior parte do tempo, na pior das hipóteses, são só casos de clichê de "sexismo benevolente" motivado por fórmulas serem mais convenientes no mercado do que arriscar em algo mais diferente.
[1] Por exemplo, ela reclama da violência contra as personagens femininas em vários jogos, incluindo Red Dead Redemption. Ora, nesse jogo o protagonista está no início do século XX em um ambiente violento e sem leis, e as mulheres vítimas de violência são em sua maioria prostitutas que vivem nesse ambiente. Por outro lado, uma das poucas mulheres fortes e independentes em Red Dead Redemption acaba servindo como Donzela em Perigo em um certo nível do jogo...
Acho que talvez o maior "tiro no pé" nessas tentativas de procurar misoginia na cultura são esses casos de mulher sofrendo violência em ficção. Porque, primeiramente, isso praticamente nunca vai ser colocado como algo que é "bom" na história, mas será sempre ação do vilão! Acho que requer alguma estupidez ou desonestidade para algumas argumentações nessa linha. Em segundo lugar, e não menos importante, se você considerar a proporção, homens são mortos como moscas em filmes e vídeo-games*, mas geralmente não motiva a argumentação MRA-esca equivalente -- bem, talvez sim, vindo realmente deles; digo que, SE vamos achar que gente "sofrendo violência" em filmes ou jogos é um sinal de como a violência contra essa gente é aceita, então se teria um caso incomparavelmente mais bem sustentável de que a violência contra os homens que é problematicamente aceita. Aqui até se poderia argumentar sobre a banalização da violência, mas acaba sendo forçado fazer um caso sobre ser algo em que a violência contra a mulher que é mais banalizada.
Até a violência
infantil é mais banalizada (descanse em paz, Chaves). A própria idéia de uma dona de casa furiosa correndo atrás do marido com uma frigideira ou uma vassora na mão é meio que "naturalmente engraçada" nesse nível bobo de humor, mas troque os sexos e imediatamente perde a graça. Ou, fora da situação de casal, o "seu" Madruga esbofeteando a dona Florinda, que fica sempre passiva à situação de agressão.
De vez em quando dá para fazer piada com isso, acho que Monty Python tem alguns exemplos (que se não me engano, também são "denunciados" por Sarkeesian como misoginia).
Com violência sexual é também a mesma coisa, apesar de feministas por vezes tentarem vender a idéia de que toda a sociedade tem um fetiche por estupro, chegando até a dizer que é a categoria mais popular de filmes pornôs.
[2] O nome desse clichê é por causa de um quadrinho em que a namorada do herói é morta pelo vilão e colocada em sua geladeira - apenas para que o autor dê um bom motivo para o herói agir de forma... heróica.
Não sei se relacionado a isso, umas um autor uma vez fez a piadinha, que, depois de "a morte do Super-homem", talvez devessem fazer "o estupro da Mulher-maravilha". Não estou querendo implicar que as pessoas vejam estupro como pior que assassinato (embora alguns devam ver), mas acho uma colocação interessante para mostrar como a violência "contra o homem" (ou, não exatamente, ao menos não num sentido que eu consideraria "androfóbico") que é comparativamente mais explorada de forma sensacionalista ou como clichê de enredos, do que a contra a mulher. Mas é a violência contra a mulher nos roteiros que será mais comumente interpretada como sintoma e perpetuação de um problema social, que tem as mulheres como vítimas específicas, ou até alvos deliberados.
* Em algum momento do vídeo, a garota menciona a desproporção de homens e mulheres num outro vídeo no youtube, uma compilação de cenas de pessoas levando tiros na cabeça em filmes, ao mesmo tempo em que ressalta que, nos casos com mulheres (dois ou três apenas), não se vê cérebro espirrando por todo o lado, é bem mais limpinho.
https://www.youtube.com/v/ftm5r_bFIU8