Como a oposição venezuelana está se organizando nas ruas para resistir ao projeto ditatorial do regime chavistaLOURIVAL SANT’ANNA, DE CARACAS
09/08/2017 - 08h01 - Atualizado 09/08/2017 09h57
Está cada dia mais difícil converter o preço do litro da gasolina na Venezuela. A gasolina normal custa 1 bolívar. A aditivada, 5 bolívares. Na terça-feira, 25 de julho, o dólar valia 8 mil bolívares. Nove dias depois, embalado não só pela desordem econômica geral, mas pelas turbulências causadas pela eleição da Assembleia Constituinte, estava a 16 mil bolívares. Ou seja, 1 centavo de dólar compra 160 litros de gasolina comum e 32 da aditivada. Nesta temporada de extremo desabastecimento e hiperinflação, a gasolina passou a ser a única coisa abundante e barata para os venezuelanos. Para protestar contra a falta de todo o resto, inclusive democracia, eles a estão colocando em garrafas, ateando fogo e jogando na polícia e nos coletivos chavistas, grupos armados em motocicletas, financiados pelo governo, que abrem fogo contra os manifestantes e fogem impunes. É a guerra da gasolina. Nos últimos quatro meses, ela deixou, pelo menos, 130 mortos – a maioria vítimas da repressão de Maduro – e mais de 5 mil detidos, dos quais 1.300 continuam presos, segundo o Foro Penal da Venezuela, uma entidade de defesa dos direitos humanos.
Essa é a última – e a mais sangrenta – das ondas de protestos desde janeiro de 2014, quando se aprofundou a escassez de produtos de primeira necessidade. Nos dois primeiros meses daquele ano, foram 43 mortos. Desde então, os manifestantes – homens e mulheres em igual quantidade, jovens, adultos e velhos – aprimoraram suas técnicas de enfrentamento. Como uma infantaria, eles são separados por divisões. “Idosos, recuem”, gritou um jovem na linha de frente, no domingo, 30 de julho, dia da eleição da Constituinte, quando a Guarda Nacional Bolivariana (GNB) começou a avançar contra uma barricada erguida numa alça de acesso à Autopista, a principal artéria de Caracas.
Encapuzados, com máscaras de gás muitas vezes artesanais, capacetes, coletes à prova de bala recheados com placas de raios X e escudos personalizados das mais diversas formas e materiais, os jovens se lançam para a guerra desigual. Armados com o arsenal moderno dos batalhões de choque, os militares da GNB, um corpo das Forças Armadas Nacionais Bolivarianas,.respondem com balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo, que têm usado não só para dispersar, mas para ferir, disparando diretamente contra as pessoas, em vez de lançá-las no chão.
Muitas vezes, os manifestantes pegam as granadas de gás e jogam de volta contra a Guarda. O maior triunfo no campo de batalha é atingir os policiais em cheio com os coquetéis molotov, de modo a fazer seus uniformes de poliéster, altamente inflamáveis, pegar fogo. Isso tem acontecido cada vez com mais frequência. Os “escudeiros”, como são chamados os jovens da “Resistência”, gritam de júbilo quando veem um policial rolando em chamas no asfalto.
Os confrontos acontecem em toda a Venezuela. Mas centenas de jovens têm convergido para Caracas, na esperança de derrubar o governo de Nicolás Maduro. Na capital da Venezuela, encontram acolhida em casas e apartamentos de muitas famílias mais abastadas, que lhes dão comida, roupas e sapatos – que duram pouco, nos confrontos constantes com a polícia –, celulares e algum dinheiro. Alguns são recebidos para morar com as famílias. Outros são abrigados em imóveis desocupados, que são muitos, em Caracas, com o elevado êxodo para outros países e o desabamento da atividade econômica (o PIB encolheu 30% entre 2015 e 2016 e estima-se que perderá outros 5% neste ano).
>> O colapso da Venezuela
Os que vêm de fora são chamados de “caminhantes”. A história de um estudante de 25 anos, que deu entrevista sob a condição de não ser identificado, mostra por quê. Ele caminhou 850 quilômetros até Caracas, ao longo de duas semanas, em um grupo de 28 universitários, vindo do estado de Táchira, no sul da Venezuela, fronteira com a Colômbia. O grupo chegou à capital venezuelana há três semanas. Na cidade de San Cristóbal, o jovem trabalha como chefe de cozinha e cursa o 7o ano de engenharia industrial na Universidade Experimental de Táchira, que é pública e está em greve contra o governo. Ele conta que “caiu preso” em 2014, por dois meses. “No primeiro dia, desmaiei de tanto apanhar. Jogavam água na cela à noite para não dormirmos.”
No corpo, o jovem ostenta cerca de 40 cicatrizes de balas de borracha. Durante um confronto no dia 22, uma granada de gás lacrimogêneo partiu o capacete e a máscara que ele usava e afundou sua têmpora direita. “Caí e perdi os sentidos. Quando acordei, estava numa moto dos paramédicos”, recorda ele, referindo-se aos estudantes de medicina que criaram a “Cruz Verde” e a “Cruz Azul”, uma da Universidade Central da Venezuela e outra da Universidade Santa María, para socorrer os manifestantes. “Não sei quem me catou do chão.”
Restante vejam no link:
http://epoca.globo.com/mundo/noticia/2017/08/venezuela-por-dentro-da-revolucao-da-gasolina.html