Há um documentário onde o Capitão Rodrigo Pimental ( personificado no cinema na figura do Capitão Nascimento ) aparece pela primeira vez dando uma entrevista, quando ainda pertencia aos quadros do BOPE.
Nesse mesmo documentário um presidiário deu uma entrevista que eu não esqueci mais. Bem interessante.
O cara estava preso em uma delegacia, com mais uns 50 vagabundos, em um lugar onde não cabiam nem 10. Enlatados naquele cubículo no verão sem ar condicionado, para uns dormir 2/3 tinham que permanecer de pé, acordados. Pior que o inferno.
Ai o cara começou a contar: " Ah, eu já estive preso X anos em tal lugar MAS GRAÇAS A DEUS consegui fugir, depois fiquei Y anos não sei aonde, mas novamente DEUS ME AJUDOU e eu fugi, aí fiquei 1 ano na rua, assaltei um banco e com A GRAÇA DE DEUS LOGREI FUGA... "
E eu pensando: " Com Deus botando esses caras na rua pra quem é que nós vamos rezar?"
Mas ele continou: " Mas Deus vai me ajudar e eu vou sair daqui também. Aí vou roubar, vou meter mesmo! Mas vou meter de que tem, vou roubar banco, estourar carro forte. Porque eu não vou viver como a minha vozinha que trabalhou a vida inteira e no fim não tinha nada, porque quando eu sair daqui só vou usar tênis reebok, roupa de marca e tal... "
Há uma reflexão para se fazer em cima disso. Uma não, duas.
Primeiro esse cara passou a maior parte da vida aglomerado em uma fornalha com outros 200 machos facínoras para eventualmente fugir, ficar 6 meses na rua usando tênis nike e camisa da nike, pra depois voltar a ficar mais 3 anos na fornalha esperando deus ajudar novamente.
Ora, claramente não compensa. Eu nunca usei tênis nike, mas será que é tão confortavel assim?
O que esse idiota está dizendo na verdade, embora não tenha consciência disso, é que estes são símbolos de status que o resignificam como pessoa. Este homem, assim como muitos, aprendeu a acreditar que é um nada, que não existe, se não tem acesso a certos bens de consumo que representam ( na cabeça dele ) uma posição de valor na sociedade.
Claramente, a vozinha dele, que ganhou salário mínimo e se aposentou pelo INSS viveu melhor, uma vida bem menos sacrificada que a dele.
Este é um problema típico de sociedades desiguais. Onde o que esta contribuindo para o ímpeto criminoso é a maneira como alguns na base da pirâmide social se sentem em relação aos que estão acima. Psicologicamente, invejam mais o que estes significam, do que estes possuem.
Mas por outro lado, se você presta atenção na vida infernal que esse homem leva no crime, levando a maior parte da sua vida preso em condições sub-humanas, fica também claro que alguém com uma qualidade de vida minimanente decente, não vai abrir mão de um algum conforto para mergulhar de cabeça nesse inferno. O cara só pode achar essa opção viável se a perspectiva de vida que ele tem tentando levar uma vida honesta não for muito melhor que a vida extremamente sacrificada que o crime oferece.
Aí se vê que é a pobreza, ou mais exatamente a horrível qualidade de vida dos menos favorecidos das regiões metropolitanas do Brasil, que torna a vida do crime atraente, uma opção a considerar.