Advogado eleitoral explica como as condenações podem afetar a candidatura de Lula 14 de julho de 2017
Fernando Neisser também fez comentários sobre a sentença do juiz federal Sérgio Moro.
Por Rafael Bruza
O advogado Fernando Neisser e o ex-presidente
Lula / Fotos – Reprodução
A condenação em 1ª instância feita nesta quarta-feira (12) não impede o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ser candidato nas eleições de 2018 pelo Partido dos Trabalhadores (PT), pois a Lei da Ficha Limpa prevê inegibilidade a partir de condenações em 2ª instância. Mas Lula pode ficar inelegível, sim, depois de ser eventualmente condenado no segundo julgamento do caso do tríplex do Guarujá, feito no Tribunal Regional da 4ª Região, que referendou cerca de 54% das decisões de Sérgio Moro até agora.
Para esclarecer essa possibilidade, o Independente entrevistou o advogado e presidente da Comissão de Direito Político e Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), Fernando Neisser, que esclarece o que os advogados do ex-presidentes podem fazer no caso de uma segunda condenação em outro julgamento e depois comenta brevemente algumas percepções que teve da sentença.
Independente – Lula foi condenado em 1ª instância e será julgado em 2ª instancia no futuro, onde pode ficar inelegível segundo a Lei da Ficha Limpa. Você tem previsão de quanto tempo o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) pode demorar para realizar este julgamento?
Fernando – Tem-se dito que o tribunal demora entre um ano e um ano e meio para julgar os recursos contra as sentenças do Moro. São processos complicados, longos e, enfim, com sentenças bastante longas. Eu acabei de ver aqui na capa da Veja que o presidente do TRF-4 teria declarado que o caso será julgado antes de julho do ano que vem.
Eu já imaginava que seria por volta disso. Não faz o menor sentido o TRF-4 ficar com essa batata quente na mão, sem motivo. Um ano é um tempo mais do que suficiente para levar o recurso a julgamento. A única coisa que precisa acontecer para o recurso ser julgado é chegar ao TRF, passar pelo Ministério Público de 2ª instância, que vai emitir um parecer, algo rápido, questão de dias, e ir ao juiz, para o desembargador relator preparar seu voto. Então, aqui em São Paulo, o TJ normalmente tem demorado 6 meses, 7 meses para julgar um recurso.
Então um ano é um tempo razoável. Não faz sentido eles virarem o centro das atenções do Brasil no ano que vem por conta do não julgamento de um recurso.
Independente – O prazo do TRF então bate com o período de preparo das eleições e das candidaturas. O que pode acontecer exatamente se Lula for condenado em 2ª instância, durante a campanha eleitoral de 2018?
Fernando – Existem algumas hipóteses, vamos lá. Ele pode ser condenado na 2ª instância antes do registro das candidaturas, pode ser condenado entre o registro e o dia da eleição ou pode sofrer condenação depois da eleição. Temos então dois marcos temporais: registro da candidatura e eleição, que fixam os três momentos diferentes.
Se for condenado antes do registro, ele, em tese, ficaria inelegível, sujeito aos efeitos da Ficha Limpa. Se o partido apresentar sua candidatura e ele for fatalmente impugnado – seja por um adversário ou pelo Ministério Público Eleitoral – a Justiça Eleitoral iria analisar se ele está nas hipóteses da Ficha Limpa e, no caso, estaria, porque os crimes pelos quais ele foi condenado, que são corrupção e lavagem (de dinheiro) estão no rol da lista de crimes que a Lei da Filha Limpa prevê, que são crimes a administração pública, no caso a corrupção, e contra o sistema financeiro, no caso da lavagem.
Mas existe uma possibilidade prevista na própria Lei Ficha Limpa. Se for condenado pelo TRF, naturalmente os advogados do Lula vão entrar com recurso especial para o STJ (Supremo Tribunal de Justiça), e com recurso extraordinário para o STF (Supremo Tribunal Federal).
Numa situação dessas, a Lei Ficha Limpa prevê que eles podem pedir uma liminar para esses tribunais de Brasília, estes tribunais superiores, para que sejam suspensos os efeitos da condenação, permitindo que ele seja candidato. Essa liminar tem sido concedida em Brasília quando o ministro ou ministra com quem cai o processo por sorteio, na distribuição, analisa aquele recurso e acredita que ele tem grande chance de ser provido, de ter sucesso, no tribunal em Brasília, numa lógica que diz “não faz sentido eu impedir que alguém dispute uma eleição, se na hora de julgar o esse recurso ele vai ser, por exemplo, absolvido”. Entendeu?
Então, caso venha essa condenação antes do registro, certamente os advogados do Lula vão recorrer para Brasília pedindo essa liminar e então entra um pouco da roleta dos tribunais superiores porque depende do sorteio e temos ministros, tanto no STF quanto no STJ, que possuem visões jurídicas completamente opostas. Nós sabemos que pode haver uma situação, em tese, pelo menos, em que o ex-presidente Lula estaria disputando uma eleição pendurado por uma liminar. É uma possibilidade.
Caso ele venha a ser condenado só depois da data do registro, mas antes das eleições, ele fica sujeito ao que chamamos de inegibilidade superveniente. Nessa hipótese, o registro dele fica íntegro porque o que importa é como ele estava no dia do pedido do registro. Mas ele não poderia ser diplomado. Aliás, se ele eventualmente ganhar a eleição, seria diplomado e caberia uma ação que se chama recurso contra inspeção do diploma, para cassar esse diploma de presidente em uma situação como essas, a não ser que ele consiga também a tal da liminar.
Estaria sujeito à cassação do diploma caso tenha sido eleito nesse último caso e isso levaria à necessidade de convocação de novas eleições abertas, diretas, enfim, eleições normais, eleições suplementares, como a gente chama na Justiça Eleitoral.
Se ele vier a ser condenado depois da eleição, a condenação não tem efeito eleitoral, desde que não transite em julgado e que ele recorra ao STJ e mantenha o caso com recurso. Em tese, não tem efeito eleitoral, a não ser, claro, que com a condenação em segundo grau venha uma ordem de prisão. Aí seria uma situação bastante complexa. Mas tecnicamente, do ponto de vista da Justiça Eleitoral, uma condenação depois do dia da eleição não tem mais qualquer relação com aquele resultado das urnas.
Independente – O Ministério Público Eleitoral (MPF) recorreu entendendo que Moro deveria ser mais rigoroso na pena. Não sei se você leu a sentença a fundo, mas o que você opina sobre a pena de 9 anos e seis meses de prisão? É justa?
Fernando – Li a sentença. Olha, discutir dosimetria de pena é algo muito complicado porque tem muito a ver com o feeling (percepção) do juiz do que com qualquer outra coisa. Eu, pessoalmente, acho que a pena está dentro do limite. Não há qualquer das hipóteses de aumento de pena especificamente previstas na lei. E o fato de ele ter dado penas acima das penas mínimas tem a ver com o que ele diz sobre o fato de o presidente ter uma responsabilidade maior e os valores (financeiros) envolvidos serem altos. Me parece uma condenação razoável. A gente tem que entender que, no direito penal, a regra é que seja aplicada apena mínima. Sempre, a não ser que existam razões previstas na lei que justifiquem aumentos. Como ele é réu primário, não tem nenhum agravantes na ação e nenhuma outra causa de aumento, vale só esse aumento genérico da percepção do juiz sobre o caso.
Não me parece que o Moro foi muito brando nesta situação, não.
Independente – Na sentença, Moro cita palavra de delatores para afirmar que Lula teve condutas de destruição de provas e obstrução à Justiça, que tornariam a prisão cautelar possível. Mas o juiz não decretou a prisão, pois, segundo afirma, o encarceramento de um ex-presidente traz certos “traumas” (“veja aqui”). Qual é sua opinião sobre esta colocação de Moro? Se ele diz que cabe uma prisão cautelar, ela deveria ter sido decretada a despeito de comoções sociais/políticas ou o juiz acertou ao condenar Lula sem decretar a prisão?
Fernando – Eu acho que foi absolutamente inoportuna essa menção do Sérgio Moro na sentença. Primeiramente porque não existe qualquer razão prevista na lei dizendo que alguém não pode ser preso por este motivo. Mas principalmente porque a regra diz que o réu responda em liberdade na primeira para a segunda instância.
Portanto, ele não precisa explicar nada para não prender. E quando ele menciona muito rapidamente que “teria feito isso, teria feito aquilo”, existe uma explicação rasa, não técnica. Não houve pedido do Ministério Público para prender e se a prisão cautelar, que é a prisão processual – não a de adiantamento e cumprimento de pena, mas a prisão que pode ocorrer nesse momento da sentença–, decorresse da questão de destruição de provas, já não teria sentido, pois as evidências já foram produzidas, o processo não vai produzir mais nenhuma prova daqui em diante.
Se alguém é acusado de tentar intimidar testemunhas, mudar o discurso delas ou destruir documentos chegando na fase da sentença, já não posso justificar a prisão preventiva de alguém por obstrução à Justiça no caso de destruição de provas no momento da sentença. Ou isso teria que ter acontecido lá atrás, se houvesse elementos para isso, ou não faz mais sentido.
Ali me parece que o Sérgio Moro quis colocar isso quase de uma forma a ficar magnânimo na situação. Do tipo: “eu poderia prendê-lo, mas não vou porque sou responsável”. Achei despropositado, equivocado, desnecessário … Não consegui compreender de outra forma este trecho da sentença.
Rafael Bruza
Jornalista formado em Madri, retornou ao Brasil em 2013 para lançar um meio de comunicação próprio. Idealizou, projetou e lançou o Indepedente em fevereiro de 2016. Acredita que o futuro do mundo está dentro de cada um de nós e trabalha para que as pessoas tenham uma visão realista, objetiva e construtiva do planeta Terra.
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