Antes do A, vem o espermatozóide e o óvulo, que não foram incluídos na questão. Deve-se também proibir contraceptivos e masturbação?
Não sou favorável ao aborto, mas estou me adiantando aqui ao que será dito.
Também não sou favorável ao aborto e a eutanásia. E não sou contra tampouco.
Não sei qual a solução para estes problemas, talvez sejam daqueles problemas sem solução.
O criador do tópico se refere ao perigo de relativizar o homicídio, mas o problema mesmo está em se relativizar o valor da vida humana.
Muitos acham que todos que se posicionam contra aborto e eutanásia o fazem por considerações de natureza religiosa. Não entendem porque alguém, se não crê em Deus e em alma, pode querer obrigar um doente terminal a um cruel sofrimento inútil. Ou pode pensar que um mero aglomerado de células que nem formaram neurônios ainda, pode ter o mesmo valor de um ser humano consciente e plenamente saudável.
Parece absurdo.
No entanto, na verdade, os juristas precisam decidir sobre estas questões analisando à luz da experiência histórica.
Todos nós já nascemos na era da Carta Universal dos Direitos Humanos, que em seus artigos VI e VII declara:
Artigo VI
Todo ser humano tem o direito de ser, em
todos os lugares, reconhecido como pessoa
perante a lei.
Artigo VII
Todos são iguais perante a lei e têm direito,
sem qualquer distinção, a igual proteção da
lei. Todos têm direito a igual proteção contra
qualquer discriminação que viole a presente
Declaração e contra qualquer incitamento a
tal discriminação.
Esse documento, implicitamente, declara que a vida do homem é um valor absoluto. E que a vida de nenhum ser humano pode valer menos que a de outro.
Mas nem sempre foi assim...
De fato este é um conceito muito novo na História. Desde que sabemos, em todas as épocas, em todos os lugares, essa ideia nunca fez o menor sentido para os povos.
A escravidão só foi abolida há pouco mais de cem anos. Plebeus sempre foram menos humanos que nobres, mulheres menos que homens, crianças menos que adultos. A vida do estrangeiro não tinha o mesmo valor, muitas religiões praticaram sacrifícios humanos, os judeus se julgaram superiores aos gentios, assim como quase todos os outros povos também pensavam.
Há muito pouco tempo, na década de 30 do século passado, o racismo se apoiava em teorias cientificistas, e ninguém se envergonharia de expressar opiniões racistas publicamente. Eugenia era algo levado muito a sério, mais até nos Estados Unidos e na Inglaterra que na própria Alemanha nazista.
Henry Ford, o mais notório empresário do mundo, escrevia ( e assinava ) artigos anti-semitas.
Os nazistas não inventaram os campos de concentração e extermínio. Isso já havia existido na Ìndia britânica, na África do Sul, na União Soviética. Limpeza étnica não foi uma prática tão chocante. Esses extermínios comandados por um Estado ocorreram com índios na América do Norte, na América Espanhola, Portuguesa, em quase todo mundo colonial. No Congo Belga, em pleno séc. 20, o rei Leopoldo pode ter exterminado mais de 5 milhões de pessoas. Também existiu o holocausto ucraniano, o armênio...
Mas então veio a segunda guerra e deu no que deu. E com a descoberta das atrocidades dos nazistas a humanidade finalmente se deu conta do perigo que todos corremos ao se relativizar a vida humana.
Toda vida humana tem o mesmo valor, mesmo que isto seja uma mentira. Mesmo que seja uma fantasia pensar que um punhado de células menos complexa que uma samambaia é tão importante quanto você.
Porque quando se admite a ideia de que as vidas humanas podem ter pesos diferentes, então está aberta a discussão sobre onde pôr a linha divisória. Aí é que mora o perigo.
Se o embrião é menos humano, também talvez não o será um bebê com hidrocefalia? Mas se esse bebê é menos humano, talvez seja um pouco menos humano alguém com extrema deficiência mental. Ou com alguma deficiência mental. Ou o negro, ou o judeu, ou o índio, ou o homossexual, ou o... e aí vamos descendo a ladeira.
Até que um dia a ladeira pode chegar até você.