EUA e Otan martelam para criar à força uma Guerra Fria 2.0
A continuação da Guerra Fria 1.0 criou uma série de ameaças e provocações contra a Europa e, em particular, contra a Rússia. Hoje, especialistas insistem em que uma nova Guerra Fria está em curso: alguns dizem que a nova é a continuação da anterior, chamada Guerra Fria 1.0, que tão contraproducentemente envolveu o planeta por tanto tempo; outros dizem que ela inclui um fenômeno qualitativamente novo, o que justifica defini-la como Guerra Fria 2.0.
Por Vladimir P. Kozin*, no Global Research
Bandeiras dos Estados Unidos e Rússia Os que propõem a segunda teoria argumentam que a atual crise tem realmente nova dimensão, que o padrão anterior da Guerra Fria 1.0 morreu oficialmente em novembro de 1990, quando nações europeias decretaram solenemente seu final oficial, na Carta para uma Nova Europa, assinada em Paris.
Pessoalmente, sou de opinião que a Guerra Fria 1.0 terminou em 1990 – pelo menos entre as maiores potências globais e pelo menos politicamente. A diferença radical entre as Guerras Frias 1.0 e 2.0 é que a primeira teve dimensão global, e a segunda ocorre, realmente, em modo bilateral: entre EUA e Rússia, e Otan e Rússia.
Mas infortunadamente, uma nova Guerra Fria 2.0 emergiu em 2014 – 24 anos depois do fim da primeira. É per se um grande desafio-ameaça contemporâneo para a Europa. Apareceu muito depressa e intencionalmente, embora alguns fatores objetivos e reais tenham criado terreno sólido para esse renascimento. Apesar do fim da Guerra Fria 1.0 há quase 24 anos, as velhas linhas divisórias permaneceram discerníveis.
Quais são as grandes “velhas” provocações e ameaças?
Primeiro, aconteceu vasto aumento da Otan, que cresceu em direção ao leste: do fim da Guerra Fria 1.0 até o início da Guerra Fria 2.0, o número de membros daquela Aliança quase dobrou (de 1999 até 2009, 12 estados – 43% do número total de membros – foram acrescentados à lista). Mais importante que o número de estados até hoje é que a Otan continua empenhada nessa expansão: há mais quatro estados na lista de espera, dentre os quais a Geórgia e a Ucrânia. Robert Pzschel, representante oficial da Otan, confirmou, no final de outubro, que ambas, Geórgia e Ucrânia, podem vir a tornarem-se membros-plenos da Otan. O novo secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg em seu discurso de posse, dia 1º de outubro, disse que a Aliança assinara acordos com Finlândia e Suécia que lhe permitiriam cooperação mais íntima com o bloco militar ocidental.
Dia 15 de outubro, em discurso no Simpósio da Associação do Exército dos EUA [orig. Association of the US Army (AUSA) Symposium], Chuck Hagel, do Pentágono, criticou a Rússia por levantar-se no caminho, ‘às portas’ da Otan, impedindo o avanço da Otan. [1] Como se a Rússia estivesse caminhando todos os dias para oeste, para mais perto das ‘portas’ da Otan. A realidade é o contrário disso: a Aliança Atlântica, desde o dia em que foi constituída, só faz caminhar todos os dias, cada vez para mais perto da Rússia, para as portas da Rússia. O ministro russo da Defesa Sergey Shoigu disse que essa declaração de Chuck Hagel é prova de que os EUA estão preparando um cenário para ações militares próximas às fronteiras da Rússia.
A verdade é que os EUA sempre se esforçaram muito para manter “robustas forças avançadas de modelagem” [orig. “robust shaping forces forward”], como o vice-secretário de Defesa dos EUA Bob Work admitiu no Conselho de Relações Exteriores [orig. Council on Foreign Relations], em Washington, D.C., dia 30 de setembro, mesmo num momento em que o Pentágono combatia em duas grandes guerras – no Iraque e no Afeganistão. A expressão “forças avançadas” [orig.“forces forward”] é terminologia norte-americana para designar “forças avançadas alocadas permanentemente” nas bases norte-americanas de além-mar; e “forças avançadas alocadas rotativamente” [orig. “rotationally forward-deployed forces”] espalhadas pelo planeta: 80 mil no Pacífico; 20 mil na Coreia do Sul; 40 mil sob ordens do Comando Central; 28 mil na Europa, mais na África, na América Latina, etc. Hoje, como disse Chuck Hagel no Simpósio da AUSA, há soldados norte-americanos alocados ou “avançados” em quase 150 locações em todo o mundo. Não apenas “às portas” de vários países, mas, na realidade, diretamente em solo de outros países.
Segundo, os EUA retiraram-se unilateralmente, em meados de 2002, do Tratado Antimísseis Balísticos [orig. ABM Treaty] – tratado que, para todos os governos anteriores dos EUA, havia sido a “pedra basilar da estabilidade estratégica global”.
Terceiro, as decisões, dos presidentes Clinton e Obama de instalar um Sistema Global de Mísseis Balísticos de Defesa [ing. BMDS] mirado contra vários estados: as etapas básicas desse movimento são: em dezembro de 2002, a Diretiva Presidencial sobre instalação “limitada” do BMDS; em fevereiro de 2005, a criação do Comando Conjunto Funcional dos EUA para Defesa de Mísseis Integrados [orig. US Joint Functional Command for Integrated Missile Defense]; em fevereiro de 2007, os EUA apresentaram oficialmente os detalhes para o BMDS na Polônia e na República Checa; e em setembro de 2009, Barack Obama anunciou o plano US EPAA BMD. [2]
Quarto, o início da primeira fase da implantação da Abordagem Adaptativa em Fases, para a Europa (EPAA) em 2011, e o lançamento das capacidades preliminares no mesmo processo, continuação da 2ª fase e promessa de ter as quatro fases operantes a partir de 2022 e daí em diante.
Quinto, uma decisão tomada por Washington, em 2010, de base ampla, para modernizar as armas do arsenal nuclear tático dos EUA, o chamado tipo B-61, inclusive as armas alocadas em quatro países da Europa e na parte asiática da Turquia, ao mesmo tempo em que se ampliam as capacidades de penetração daquelas armas para atingir alvos reforçados.
Sexto, essa provocação está conectada ao problema do Tratado das Forças Convencionais na Europa [ing. Conventional Forces in Europa Treaty, CFE-1] e sua versão adaptativa CFE-1A] que deixou de facto de ser vigente em 2007, porque todos os membros da Otan que participaram das negociações daqueles acordos recusaram a ratificá-lo e a definir a expressão-chave “forças convencionais substanciais”.
Sétimo, a Otan posicionou-se ao lado da Geórgia quando atacaram a Ossétia do Sul, em agosto de 2008 (Operation “Empty Field” [Operação Campo Vazio]).
Oitavo, pela primeira foi criada a “tríade de Chicago” – “uma mistura apropriada de armas de defesa nucleares, convencionais e mísseis”, na Reunião da Otan em maio de 2012, em Chicago, e foi confirmada em recente reunião da Otan realizada em setembro passado em Newport, no Reino Unido.
E finalmente, o nono desafio-provocação-ameaça: em fevereiro de 2014, os EUA organizaram e executaram golpe de estado (inconstitucional) na Ucrânia, que pôs no poder em Kiev um regime ultranacionalista e anti-Rússia, que já praticou massivos crimes de guerra contra cidadãos pacíficos no Donbass – que são, de facto e de jure, cidadãos ucranianos – usando armamento pesado, inclusive MRLS “Grad”, “Smerch” e “Uragan”, bombas de fósforo branco e bombas de fragmentação (proibidas por duas Convenções Internacionais). A Human Rights Watch já identificou como bombas de fragmentação o material empregado em outubro, por tropas ucranianas, contra civis pacíficos. Esses crimes cometidos por militares são crimes contra a humanidade e já mataram cerca de 4 mil pessoas, com mais de 9 mil feridos no Donbass nos últimos seis meses, como reconheceu o Gabinete do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, em Relatório divulgado dia 8 de outubro.
As hostilidades que Kiev introduziu geraram resultados negativos: o comportamento de agressão de Kiev levou grande número de pessoas a fugir daquela área (280 mil moveram-se para outras áreas da Ucrânia; e quase 900 mil refugiaram-se na Rússia. Apesar do Acordo de Cessar-Fogo anunciado em Minsk dia 5 de setembro e reiterado dia 19 de setembro, as tropas de Kiev continuam a violar sistematicamente esses importantes acordos: mais 330 morreram depois de anunciado o cessar-fogo. Depois do cessar-fogo, tropas regulares de Kiev e formações irregulares já praticamente já se reorganizaram no sudeste. As potências ocidentais continuam a agir ilegalmente, de um modo que estimula e encoraja o governo de Kiev a só procurar soluções militares para aquele conflito, que só podem levar a um beco sem saída.
O custo da violência militar de Kiev contra o resto da Ucrânia pesará muito sobre as áreas sitiadas de Donetsk e Lugansk, com os danos causados pela guerra já estimados pelos combatentes da resistência na Novorússia, na primeira semana de outubro, em cerca de US$ 1 bilhão. Esse número é bem semelhante ao que Kiev divulgou. Segundo os números do governo da Ucrânia, serão necessários US$ 911 milhões para reconstruir as cidades no Donbass destruídas pela guerra. 65% dos prédios residenciais e moradias e 10% das escolas e jardins de infância foram destruídos no Donbass. O exército da Ucrânia não criou zonas desmilitarizadas com o Donbass. 40 mil empresas de médio porte na região pararam de funcionar. O nível de desemprego na Ucrânia alcançou 40% da força nacional de trabalho. Atualmente, a dívida externa da Ucrânia já alcança algo entre US$ 35 e US$ 80 bilhões. Kiev não pode pagar pelo gás que compra, porque gastou demais em guerra contra o próprio povo. Como já disse a ex-premiê ucraniana Iúlia Timochenko, a corrupção pós-Maidan já ultrapassou a corrupção pré-Maidan.
Por causa do movimento do exército ucraniano na direção do sudeste do país em abril, a região passa por severa catástrofe humanitária, com muitos cidadãos forçados a lutar para sobreviver sem água limpa, eletricidade e outros itens necessários à sobrevivência básica. [3]
Um novo relatório da ONU sobre a situação dos direitos humanos na Ucrânia, distribuído no início de outubro, diz que há violações continuadas das leis humanitárias, por grupos e batalhões de voluntários armados controlados pelas forças armadas ucranianas.
No período relatado, a lei humanitária, incluídos os princípios militares de necessidade, diferenciação, proporcionalidade e precauções tem sido continuadamente violada por grupos armados e algumas unidades de batalhões voluntários sob o controle das forças armadas ucranianas – diz o Relatório.
A quarta vala comum foi encontrada numa vila no leste da Ucrânia. A vala foi descoberta poucos dias depois de a Missão de Monitoramento da Organização de Segurança e Cooperação da Europa (OSCE) ter confirmado a descoberta de três covas para enterro em massa, em áreas que as forças de Kiev abandonaram recentemente. No total foram encontrados mais de 400 cadáveres, vários dos quais mostrando ferimento de bala na cabeça, com características de execução à queima-roupa.
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