Criso, sua posição é rara; no mínimo, incomum, e se vc não se importar eu gostaria de explorar mais esse seu resultado de transcendência das limitações que você enxergava no ateísmo.
Olá, Fred! Tudo bem? Sem problemas. Primeiramente, eu poderia dizer que minha participação aqui no fórum sempre teve o intuito de pincelar uma espécie de
psicanálise do ateísmo, ou seja, mapear quais são os condicionamentos e motivações que levam alguém a rejeitar a experiência mística do sagrado.
Primeiro, eu gostaria que você detalhasse exatamente precisamente quais são essas limitações, de forma mais específica do que "barreiras psicológicas, conceituais e linguísticas". Corte metodológico; eu quero delinear exatamente o objeto da conversa.
Pelo que observei até hoje, a principal forma de manifestação destas barreiras é: trauma, preconceito e pensamento circular. A barreira do trauma, mais rara e específica, se enraíza a partir de experiências negativas e opressoras da vivência religiosa. Daqui se origina um ateísmo menos pensado, menos
raciocinado, muito mais ancorado em sentimentos internos de revolta e rebeldia do que em uma busca filosófica e científica da verdade. Essa forma de ateísmo é mais recorrente entre adolescentes, militantes ideológicos e pessoas diretamente oprimidas pelo moralismo religioso. A barreira do preconceito, bem mais ampla e habitual do que a primeira, consiste na cristalização mental de associações intrínsecas entre sagrado e ignorância/superstição/hipocrisia/etc. Para este tipo de ateu, ser ignorante/supersticioso/hipócrita/etc é uma condição sine qua non para o envolvimento com o sagrado. Este já é o caso de vários usuários aqui do fórum, que dão à sua rejeição do sagrado ares de uma pseudointelectualidade arrogante e apontam com dedos acusadores para o sagrado como quixotes lutando contra moinhos de vento. A terceira barreira é a circular, na qual o ateu desconhece o sagrado por não experimentá-lo. Em outras palavras, ele considera a experiência inexistente a priori e por isso não tem motivação para buscá-la como algo real,
Gorducho me apontou para isso. Esse é o caso, por exemplo, do usuário
Fernando Silva, que desacredita porque nunca experimentou. Para este tipo de ateu, a dimensão do sagrado no homem inexiste, e qualquer relato ou atributo referente a estas esferas sutis da experiência humana lhe soa vão e vago. Agora, apesar de ser uma pequeníssima minoria, existem também ateus que não foram condicionados. Estes últimos são aqueles que, mesmo tendo estudado e conhecido a dimensão do sagrado, deliberadamente optam por não aderir a uma tradição mística ou religiosa, e sua postura agnóstica e irreligiosa é uma
opção (e não um condicionamento), como é o caso dos usuários
Eremita,
El Elyon e
Sergiomgbr. Contra eles, não tenho absolutamente nada para discutir ou argumentar. Perambulam por aí o Buckaroo, Gigaview e Alquimista também. São pessoas que
escolhem ser ateias. Pensam ser o caso de todos, mas não é. A grande maioria é simplesmente condicionada, preconceituosa ou inepta.
Segundo, eu gostaria de saber se você é deista ou panteista, o que ficou implícito por sua pergunta sobre como alguém superou essas vertentes.
Eu sou apenas um Aprendiz
.'. em busca da iluminação. Não pressuponha nada de minhas perguntas, eu as faço única e exclusivamente para descortinar os caminhos entre as premissas e conclusões dos usuários. No caso do AlienígenA, por exemplo, suas linhas de pensamento evidenciam que ele toma a percepção científica e sagrada do mundo como essencialmente antagônicas, e a interpretação do cético e do místico como irreconciliáveis. É um preconceito que está dentro dele, que ficou evidente em outros tópicos onde, ao me ver defendendo a ciência, tomou meu pensamento por engodo e contradição, quando na verdade o antagonismo se encontra dentro dele, nas associações que alicerçou. É uma condenação que traça discriminações desnecessárias e limitadoras da experiência humana.
Se adotou o deísmo, por favor me esclareça qual a base racional para uma divindade (ou mais de uma, peço que esclareça qual ou quais deus adota, e como distinguiu sua versão das demais propostas).
Fred, como eu disse, eu não saí do ateísmo para regredir ao comportamento religioso, mas para avançar em passos largos na direção da Verdade. As divindades são projeções humanas, são sombras na parede. Todas elas. O crente em divindades é o escravo olhando para as paredes da
caverna platônica, se iludindo com as sombras. O ateu é o sujeito que percebe que são sombras, mas ainda sente medo e apego demais. Além do mais, ele só rejeita as sombras da religiosidade, mas ainda é escravo de todas as outras. Ele sabe que, lá fora, em algum lugar, um
archote queima, alguém porta a luz, pois algo projeta aquelas sombras na parede. Ainda assim, mesmo sabendo que são ilusões, ele não tem coragem de dar as costas para o mundo das aparências. Ele subiu até o alto do penhasco, até o
pico da águia, mas, ao olhar para abismo, retrocede com medo e vergonha quando
o abismo olha de volta para ele.
Persigo a libertação da caverna - o recebimento dessa
verdade que brilha acima das sombras e das nuvens.
Reconhecer o
portador da luz e me reconciliar com Ele.
Panteísmo, bom... eu pessoalmente o considero apenas uma forma poética (e politicamente correta) de ser ateu, pois não se atribui características não naturais a processos, ainda que esses deslumbrem; até onde sei, era nesse sentido que Espinoza usava o termo.
Fred, a questão não é voltar atrás, ressignificando o conceito/apego/projeção de divindades de uma forma conveniente e embelezada, mas, justamente pelo contrário, ir até o final, levando a cabo a destruição de mentiras, ilusões e projeções que o ateu deu início ao desafiar justamente o mais difícil, que é a opressora e onipresente
face do demiurgo. Com esse primeiro passo de resolução, essa primeira mordida na maçã da
Gnosis, o ateu desfere seu primeiro golpe contra o Grande Engano, isto é, contra Maya - a estrutura da aparência, ignorância e cegueira que prende os homens ao
Samsara, mas é aí que vão parar. Quando verem que o processo de desmascaramento ousará tocar em suas próprias máscaras, recuarão imediatamente. Afinal de contas, muitos aspectos de nossa personalidade e identidade estão emaranhados na estrutura da Ilusão. O mesmo se dá com relação a todas as paixões, apegos e vícios que os ateus compartilham com a plebe, ou seja, o ateu de massa ainda porta consigo toda a mesma estrutura mental de ignorância, projeções, apegos e conceitos. A única diferença é que ele retira deus da equação. Você pensou que meu anseio era por reavivar uma ou outra dessas projeções, mas meu objetivo derradeiro é a radical demolição de toda essa estrutura.
Mas no contexto de uma pesssoa de fé, suponho que pode ser um caso especial de deísmo; extrair deus da análise da harmonia e complexidade dos processos que regem o mundo. Se for essa a sua posição, como escapa de críticas como o "god of the gaps", ou da inevitável violação ao princípio da parcimônia?
Fred, as coisas se apresentam de forma variada e múltipla à sua consciência, especialmente por dois motivos - primeiro, de acordo com a comodidade de seus sentidos físicos em matéria de conveniência biológica, ou seja, o que você percebe sensorialmente não é a realidade última, mas uma pequeníssima fração simulada da mesma, necessária para sua sobrevivência e reprodução; segundo, de acordo com a utilidade que sua consciência pode fazer delas, ou seja, o que sua mente categoriza e distingue não é também a realidade última, mas um pequeníssimo mapa representativo da mesma, conveniente para sua vida social e para algumas funções menos animalescas. Se seu insight alcançar este ponto, perceberá que alguns conceitos de percepções humanas como belo e feio, maior e menor, quente e frio, entre outros, são relatividades ilusórias que ocorrem dentro da mente e que não possuem nenhuma existência intrínseca. Se ir mais além em sua ânsia pela Verdade, acabará por desvelar que alguns outros princípios muito mais temidos como passado e futuro, interno e externo, nascimento e morte também não passam da mesma coisa.
Eu posso ter antecipado demais já que sua descrição ainda não foi específica, então se seu construto é totalmente diferente e essas perguntas forem impertinentes, só dizer; mas aí, peço que explique exatamente em que você acredita, para eu poder cutucar adequadamente.
Fred, na medida em que seu espírito ousar rasgar o véu das aparências, se verá ao mesmo tempo rasgando o véu da separação e das distinções. Se os fenômenos da "matrix" soam efêmeros e dissociados, a realidade última denuncia o contrário - que todas as coisas são
interligadas e interdependentes. A distinção é relativa, fruto de uma ilusão dos sentidos e do pensamento. Não é de uma divindade ou ídolo esculpido por mãos humanas que dou testemunho, mas deste Incognoscível, desta Fonte Suprema a qual Heráclito chamou
λόγος ( LOGOS )sobre a qual declarou em seus Fragmentos -
"Este mundo, o mesmo de todos os seres, nenhum deus, nenhum homem o fez, mas era, é e sempre será
um fogo eternamente vivo, acendendo-se em medidas e extinguindo-se em medidas".
Para mim vai ser fascinante descobrir como você construiu esse modelo.
Não é uma construção minha, mas uma sabedoria perene simbolizada e representada de diversas formas em muitas culturas ao longo dos séculos, como O Verbo de Jakob Böhme, a Anima Mundi dos rosacruzes e estoicos, o Tao dos chineses... este tipo de verdade não se alcança por meio dos sentidos que apreendem o mundo das aparências, ou por meio do pensamento convencional que categoriza e distingue, mas por meio da
contemplatio a respeito da qual iniciados como Platão escreveram ao longo dos séculos.
T+
Abraço!