Bolsonaro propõe fechar ministérios de Meio Ambiente e Ciência e TecnologiaArtigos Chamadas Destaques26/09/2018
Plano de governo do candidato do PSL é superficial, propõe políticas que já existem e promete relaxar exigências ambientais
CÍNTHIA LEONE
Especial para Direto da Ciência
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O plano de governo “Projeto Fênix, Caminho para a Prosperidade”, da chapa de Jair Messias Bolsonaro (PSL) e do general Hamilton Mourão (PRTB), é um conjunto de slides transformados em um arquivo PDF. Líder nas pesquisas de intenção de voto para o primeiro turno, o candidato, que concorre para a Presidência da República pela coligação Brasil acima de tudo, Deus acima de todos, é o quarto dos presidenciáveis a ter suas propostas detalhadas por Direto da Ciência.
Uma das principais propostas para as áreas ambiental e científica é fechar os ministérios do Meio Ambiente e de Ciência, Tecnologia e Inovação, que passariam a ser pastas dentro de uma “nova estrutura federal agropecuária” (pág. 68).
Antes de analisar o documento, é preciso recapitular algumas declarações do candidato nesses temas. Em 22 de julho, ele afirmou que vai retirar o Brasil do Acordo de Paris, assinado por 195 países no âmbito da Convenção das Nações Unidas para Mudança do Clima. Nesse mesmo dia, ele disse também que fiscais do Ibama não autuarão desmatadores, se for eleito.
O candidato prometeu reduzir as cotas raciais e sociais de acesso às universidades. Durante reunião na cidade de Dourados (MS), em fevereiro, declarou que não fará “nem um centímetro” de demarcação de terras indígenas. E declarou que quilombolas de Eldorado (SP), no Vale do Ribeira, “não servem nem para procriar”.
Relação com as universidades
Ao mesmo tempo em que diz que o povo deve ser livre para pensar, se informar, opinar, escrever e escolher seu futuro (pág. 7), o programa afirma que vai combater o que chama de marxismo cultural e “suas derivações como o gramscismo” (pág. 8), referindo-se ao pensamento do alemão Karl Marx (1818-1883) e ao do italiano Antonio Gramsci (1891-1937).
Segundo o texto, nos últimos 30 anos, o pensamento desses autores se uniu “às oligarquias corruptas para minar os valores da Nação e da família”. Em vez de aproveitar críticas de estudiosos às obras desses pensadores, o plano de governo revela uma concepção tosca e simplória sobre elas.
Para o candidato, as universidades precisam estar alinhadas aos interesses das empresas e formar futuros empresários (págs. 46, 47, 48, 49 e 72). Ele afirma que os melhores pesquisadores fazem seus mestrados e doutorados próximos das companhias (pág. 49).
Não há espaço, portanto, para a ciência básica e o pensamento crítico.Em seu novo modelo que propõe, as universidades públicas e privadas contribuiriam na qualificação de professores nas áreas aonde existam carências (pág. 48). Esse tipo de ação já existe, como o Programa de Formação Inicial e Continuada, Presencial e a Distância, o de Professores para a Educação Básica (PARFOR), ambos do MEC, em funcionamento desde 2009. Além disso, muitas instituições públicas e particulares têm projetos próprios ou apoiados por governos estaduais e municipais para qualificação de professores. Há muitos desafios para a educação brasileira, mas, além de não especificar o que seria seu novo modelo, o projeto do candidato parece desconhecer as iniciativas do setor.
O texto faz críticas às universidades, afirmando que o modelo atual de pesquisa e desenvolvimento no Brasil está totalmente esgotado, e culpa a dependência dos recursos públicos (pág. 48).
Ignorando que a pesquisa básica é em grande parte financiada por recursos públicos em vários países, inclusive nas universidades dos Estados Unidos, a afirmação contida nessa proposta do candidato parece sinalizar que ele pretende destinar menos recursos públicos para a ciência em seu governo.
[ver em
http://www.diretodaciencia.com/2018/01/27/de-onde-vem-o-dinheiro-para-pesquisa-das-universidades-dos-eua/ ]
Licenciamento ambiental
Uma das propostas é diminuir para três meses os prazos para licenciamento ambiental, com foco nas Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), que segundo o candidato estão enfrentando entraves para sua implantação (pág. 71). Esse tipo de empreendimento está no rol das fontes incentivadas, ou seja, elas gozam de benefícios, como descontos nos sistemas de transmissão e de distribuição.
O Brasil conta hoje com 428 PCHs e 623 Centrais Geradoras Hidrelétricas (ainda menores que as primeiras), números que evoluíram nos anos mais recentes. E há grandes investimentos previstos para o setor, que esbarra nas exigências ambientais ou da população do entorno em aceitar seus impactos. E há cada vez menos áreas de menor impacto para instalação dessas usinas.
Mesmo menores, as pequenas hidrelétricas concorrem pelo uso da água com atividades de agricultura, lazer, abastecimento e patrimônio histórico (no caso de submergir cidades ou sítios arqueológicos) e geram impactos importantes para a reprodução de peixes. É razoável que haja rigor para a concessão de licenças.
Desconhecimento
Bolsonaro propõe que a região Nordeste use seu potencial para energias solar e eólica (pág. 72). Ele afirma ter conhecido iniciativas em países da Ásia, mas no Nordeste do Brasil o assunto não é novidade. O Ceará é o líder nacional de produção de energia solar distribuída (aquela gerada no próprio local de uso, com placas), com 25% dos consumidores nessa categoria, o que corresponde a 40% do total da região nesta modalidade. A Bahia é o vice-líder nacional.
O Brasil está entre os 30 países que mais geram energia solar, e este ano ultrapassou o Canadá e tornou-se o oitavo em energia gerada pelos ventos, com 12,76 GW de capacidade instalada ou 8,3% de toda a energia do país. Concentrada exatamente no Nordeste, a energia dos ventos corresponde a 64% do consumo da região. Sem especificar o que exatamente propõe de novo, demonstra desconhecer tanto o mercado de energia, como a região citada.
Na página 49, o plano afirma que na agricultura há espaço para trazer o conhecimento de Israel. Embora qualquer cooperação seja sempre bem-vinda, a proposta revela desconhecimento da pesquisa agropecuária brasileira e de seus resultados. O Brasil é o terceiro maior produtor agrícola, o quinto exportador e líder em aumento de produtividade por área plantada, estando neste quesito à frente da China, Chile, Japão, Argentina, Indonésia, Estados Unidos e México. Além de uma geografia que favorece a agricultura, o país investe em pesquisas no setor, com destaque para a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), fundada em 1973 e reconhecida internacionalmente.
Gás de xisto
Seu projeto prevê incentivos à exploração não convencional de gás, “podendo ser praticada por pequenos produtores” (pág. 75). Há potencial para esse tipo de extração, popularmente conhecida como “gás de xisto” ou “gás de folhelho”, nas bacias sedimentares do Amazonas, Paraná (maior percentual de ocorrência), Parnaíba, Recôncavo e Solimões. Sua extração é feita por meio do fraturamento hidráulico (fracking), técnica que pode contaminar grandes volumes de recursos hídricos, sobretudo águas subterrâneas – o Aquífero Guarani está presente exatamente na bacia do Paraná.
Os analistas deste mercado se dividem entre quem acha que é uma revolução energética e quem pensa que é ouro de tolo. Os ambientalistas, por sua vez, são unânimes: o fracking é uma prática nociva que precisa ser banida. Uma decisão judicial de 2017 proibiu a prática na área de ocorrência do Guarani. 386 cidades brasileiras baniram esse tipo de extração de seus territórios.
Atualmente, 46 municípios do Norte e Norte Pioneiro do Paraná, incluindo Maringá, se uniram contra a extração e o uso do gás de xisto. Muitas cidades pelo mundo acompanham a tendência, sendo que na Escócia (2015), Alemanha (2012), Bulgária (2012) e França (2011) a proibição já é completa.
Mineração
O candidato promete que o Brasil será um centro mundial de pesquisa e desenvolvimento em grafeno e nióbio para, segundo ele, criar um submarino nuclear. É preciso analisar por partes: o grafeno é um material ultrarresistente derivado do grafite que serve para fabricação de semicondutores, com uma ampla aplicação industrial. Descoberto apenas em 2004, suas primeiras fábricas foram criadas principalmente após 2010 (confira a lista de todos os fabricantes).
A primeira fábrica de grafeno do Brasil, a MG Grafeno, foi anunciada em 2016, por um consórcio envolvendo a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig), o Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear/Comissão Nacional de Energia Nuclear (CDTN/CNEN) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Antes disso, em 2013, a Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, já tinha inaugurado o primeiro laboratório de pesquisas sobre grafeno da América Latina, o MackGraphe, com financiamento R$ 20 milhões de Fapesp, CNPq, BNDES e Finep.
Nióbio
A história com o nióbio é diferente. O Brasil já é o centro do tema e domina a tecnologia de exploração e produção. Esse mineral é raro no mundo, mas abundante no Brasil – cerca de 98% das reservas conhecidas estão no país, 70% só no estado de Minas Gerais. É usado principalmente na indústria de eletrônicos e aeroespacial.
Enéas Carneiro, deputado federal morto em 2007, também aludia ao produto como a salvação da economia brasileira, mas a realidade é que esse mineral não é tão valioso porque tem substitutos, como manganês, titânio e vanádio. Por essa razão o Brasil não consegue elevar os preços, mesmo tendo quase o monopólio do fornecimento, com 94% da produção mundial.
Já a criação do submarino nuclear é uma longa novela brasileira, iniciada durante o regime militar, com constantes interrupções no fornecimento de verbas e que mais recentemente envolveu escândalos de corrupção. Não fica claro no texto como o protagonismo dos dois minerais citados destravaria essa história.
O candidato declarou à imprensa que seu plano é de fácil leitura e que programas longos são peças de ficção. Mas ao tentar fazer um documento de simples entendimento, sua equipe gerou um projeto raso, com propostas obsoletas e retrocessos.
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Cínthia Leone é jornalista, mestre e doutoranda em ciência ambiental pela USP. É formada em comunicação social pela Unesp de Bauru e em negociações internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas. Foi repórter da Aseessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp e atualmente realiza cooperação científica com o Instituto de Ciência e Tecnologia Ambiental da Universidade Autônoma de Barcelona.
Na imagem acima, o deputado Jair Bolsonaro, capitão reformado do Exército, candidato da coligação PSL-PRTB à Presidência da República. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil.
http://www.diretodaciencia.com/2018/09/26/bolsonaro-propoe-fechar-ministerios-de-meio-ambiente-e-ciencia-e-tecnologia/