Como o segundo turno para presidente pode devastar a ciência brasileira
Artigo na revista Nature defende que um dos candidatos é uma ameaça para o desenvolvimento da ciência no país.
Por João Pedro Henrique -out 10, 201817
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As eleições presidenciais brasileiras de 2018 tomaram conta do noticiário nacional e internacional. Com os resultados do primeiro pleito no último dia 7, que selou o segundo turno entre o deputado Jair Bolsonaro (PSL), e o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), a disputa do segundo turno promete ser ainda mais acirrada do que a realizada em 2014, na qual uma diferença de pouco mais de 3,5 milhões de votos separaram a primeira colocada, Dilma Rousseff e o segundo: Aécio Neves.
Entretanto, a votação do candidato do PSL Jair Bolsonaro no primeiro turno preocupou alguns dos mais importantes periódicos mundiais, principalmente devido ao histórico de declarações do candidato. Não poderia ser diferente com as revistas científicas. Ainda antes do primeiro pleito, a Nature, uma das mais respeitadas publicações do ramo, alertou em um artigo sobre a ameaça à ciência e ao meio ambiente brasileiro que o plano de governo de Jair Bolsonaro apresenta e fez um apelo ao eleitor brasileiro.
O plano de Jair Bolsonaro para o meio ambiente e a ciência
Jair Bolsonaro, deputado federal pelo Rio de Janeiro, começou a ganhar destaque no início da década. Sempre com declarações polêmicas sobre minorias, o presidenciável da extrema direita ganhou palanque nos últimos 4 anos, bastante motivado pelo cenário de descrença da população em geral com a situação política, econômica e social do país, e tenta agora, em sua primeira eleição presidencial, a cadeira máxima do executivo.
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Durante seus 28 anos como deputado federal, Bolsonaro militou ativamente para enfraquecer as regulamentações ambientais do país. Vale ressaltar que em 2011 votou a favor da reforma do Código Florestal, reforma esta que foi duramente criticada pela bancada ambientalista da época e que foi posteriormente aprovada com ressalvas pela então presidenta Dilma Rousseff. Em seu artigo a Nature relembra a declaração do presidenciável que pretende proceder com a saída do Brasil do Acordo Climático de Paris de 2015, acompanhando decisão tomada em junho de 2017 pelo presidente norte-americano Donald Trump, o qual também foi alvo de diversas críticas de ambientalistas e cientistas de todo o globo.
Nas duas páginas dedicadas às áreas de Inovação, Ciência e Tecnologia, de seu plano de governo intitulado O caminho da prosperidade, Bolsonaro critica o atual modelo de pesquisa do país e defende uma reforma dos currículos universitários, estes que “devem estimular e ensinar o empreendedorismo”, inserindo uma visão puramente mercantil no ensino superior.
Sobre a ciência, o programa defende que “A pesquisa mais aprofundada segue um caminho natural. Os melhores pesquisadores seguem suas pesquisas em mestrados e doutorados, sempre próximos das empresas”. Notemos entretanto, que Bolsonaro não aponta um significado para “pesquisa mais aprofundada”, assim como parece desconhecer a realidade do país, que conta com grande parte da pesquisa brasileira sendo realizada em instituições públicas.
O programa também aponta para uma possível participação do setor privado no financiamento de programas de pesquisa como uma alternativa. Todavia, como citaram os professores da UFRJ, Carlos Frederico Rocha e Tatiana Roque em entrevista ao jornal Nexo, essa não é, sozinha, a solução mágica para o problema da pesquisa que enfrenta o país. Não somente isso, um relatório publicado em 2012 por autoridades norte-americanas, apontou a importância do investimento público na área da ciência. Nos EUA, embora mais de 70% das atividades de pesquisa sejam realizadas no setor privado, apenas 13% desse trabalho é de pesquisa básica, setor onde se encontra o maior potencial para a inovação. Munido disso, o trabalho alerta que “O financiamento público é essencial para sustentar a excelência das instituições públicas de pesquisa que desempenham um papel significativo no sistema de inovação dos EUA”. No Brasil, o cenário não teria motivos para ser diferente, e em entrevista ao artigo da Nature, Luiz Davidovich, físico teórico e presidente da Academia Brasileira de Ciências, cita que o orçamento de CTI (Ciência, Tecnologia e Inovação) sofreu uma redução de aproximadamente dois terços em relação ao orçamento governamental de 2010.
Finalizando o seu programa para essa área, Jair Bolsonaro cita que “O Brasil deverá ser um centro mundial de pesquisa e desenvolvimento em grafeno e nióbio, gerando novas aplicações e produtos”. A obsessão do presidenciável pelo nióbio não é recente, todavia ele parece mais uma vez desconhecer os campos de pesquisa do país. Historicamente, o Brasil possui pesquisa bastante ativa e de referência mundial na área da medicina, com destaque para a FIOCRUZ e o polo médico de SP, na agricultura com a EMBRAPA, na área de Minas e Energia com a PETROBRAS e a VALE, e em diversas outras áreas de base das ciência naturais, biológicas e humanas nas Universidades, Institutos Federais e Institutos de Pesquisa espalhados pelo país. Notemos mais uma vez, que com exceção do pólo médico de SP e da VALE, todas as outras instituições são de financiamento público.
Sendo assim, em seu plano de governo, Bolsonaro aparenta desconhecer a realidade da ciência brasileira, assim como as tendências internacionais da importância dada ao investimento público nessa área. Seu programa não demonstra nenhum interesse no aumento dos atuais pífios 0,6% do PIB. Porém a mais grave ameaça é limitar a ciência brasileira a apenas um pequeno leque de especialidades, ameaçando a soberania nacional na produção de conhecimento, contribuindo para o aumento da fuga de cérebros e da submissão do país ao mercado e a indústria internacional.
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https://universoracionalista.org/como-o-segundo-turno-para-presidente-pode-devastar-a-ciencia-brasileira/