2. O jogo entre esquerda e direita
Há uma conhecida técnica de manipulação psicológica usada para convencer alguém a tomar uma decisão que não queira, que seja prejudicial à pessoa ou contra suas convicções. Essa técnica é descrita por Pascal Bernardin em Maquiavel Pedagogo (Campinas: Vide Editorial, 2013, p. 20-31): trata-se de primeiro fazer, à pessoa que se quer convencer, um pedido exorbitante ou muito exagerado, explicitamente desvantajoso para ela, de modo que sua primeira reação ao pedido será de repulsa e recusa (somente 16% das pessoas aceitam de primeira, 84% não aceitam). Logo em seguida, após certa insistência com os 84% que se recusaram, faz-se um segundo pedido, agora mais atenuado, implicando ainda em desvantagem, mas uma desvantagem menor do que a do primeiro pedido, e o resultado: 76% das pessoas (que não haviam aceitado o primeiro pedido) aceitam o segundo pedido. O que ocorre é que essas pessoas, após terem negado o primeiro pedido inconveniente e insistente, acabam ficando com a resistência psicológica abalada e vulnerável à aceitação de um segundo pedido, que é apenas menos inconveniente em comparação ao primeiro. Obviamente, se o segundo pedido fosse feito primeiro, elas provavelmente não iriam aceitá-lo.
Tomemos um exemplo: algum funcionário de um condomínio vai à casa de alguém e diz que é preciso colocar uma placa de 3×2 metros na frente de sua casa, afirmando ser essa uma determinação do condomínio e respaldada legalmente. A primeira reação da pessoa é não aceitar uma vez que é um absurdo e um abuso. Logo em seguida, o funcionário oferece colocar uma placa menor, de 1×1 metro, e eis o que se segue: a maioria das pessoas acaba cedendo ao segundo pedido. Se o funcionário tivesse oferecido primeiramente a placa de 1×1 metro provavelmente não teria obtido o êxito que teve ao oferecê-la somente após ter oferecido uma maior.
Tomemos um segundo exemplo: uma pessoa quer pedir dinheiro a outra. Primeiro, ela pede de modo insistente e inconveniente R$10.000, e a pessoa a quem se fez o pedido se recusa, alegando não ter esse dinheiro ou não ter condições de emprestá-lo. Logo em seguida, após grande insistência e momentos constrangedores (que causam uma situação desconfortável e consequente desgaste psicológico naquele que se recusa a dar o dinheiro, devido ao conflito interno gerado entre perder um bem necessário à manutenção da sua vida – e não raro obtido com grande esforço e sacrifício – e frustrar uma amizade), pede-se R$1.000, de modo que a pessoa a quem se faz o pedido acaba cedendo, já desgastada psicologicamente por ter que ter negado o primeiro pedido. Além disso, o segundo pedido se apresenta aparentemente como razoável em comparação ao primeiro. Também, a realização do segundo pedido fará com que aquele quem faz o pedido inoportuno pare de atormentá-lo, apaziguando o conflito interno e afastando o desconforto. No entanto, há um ardil nesse procedimento: a primeira intenção de quem fez o pedido era conseguir apenas R$1.000. Se fosse pedido R$1 logo na primeira vez, a probabilidade de a pessoa recusar esse pedido como inconveniente seria bem maior. Um pedido moderadamente inconveniente tem muito mais chance, portanto, de ser aceito após a recusa de um pedido imoderadamente inconveniente.
Ou seja: um mal é facilmente mais aceito como segunda opção a um mal maior. Quando se quer convencer alguém a aceitar um mal, a melhor estratégia não é começar oferecendo diretamente esse mal, mas oferecê-lo após pressioná-lo a aceitar um mal aparentemente maior. Oferece-se o mal menor como solução de um mal maior.
As pessoas, pressionadas psicologicamente e inseguras para dizerem simplesmente não mais uma vez, acabam cedendo e caindo nesse ardil. A pessoa, ao receber a proposta atenuada logo após a mais radical, está com a resistência psicológica abalada por já ter que ter dito não uma vez, e, além disso, a segunda proposta pode parecer razoável, em comparação com a primeira.
O mesmo efeito psicológico ocorre não só em casos como os acima relatados, mas frequentemente em pedidos que implicam concessões morais ou de princípios, aos quais as pessoas podem ser submetidas. Isso gera, evidentemente, conflito interno, e uma tendência a apaziguá-lo num posicionamento anestésico, que busca “agradar ambas as partes”, conciliando a mentira com a verdade, não raro movidas pelo respeito humano, de modo a afastar o desconforto, fazendo concessões tidas por parciais.
Assim ocorre também com as correntes políticas hegemônicas na sociedade: após um grande período de corrupção da sociedade (como, por exemplo, aquele que foi promovido pela esquerda), as pessoas ficam cansadas da situação, indignadas, desgastadas psicologicamente, ansiosas e aflitas por uma solução. Surgem, então, aqueles (a direita) que se apresentam como opositores dessa corrupção e oferecem uma segunda opção para elas. As pessoas vulneráveis e ávidas por uma solução aceitam, então, o discurso desses “opositores”, e acabam aderindo a essa corrente política, sem se darem conta que as duas correntes fazem parte do mesmo jogo, e que, ao escolherem a segunda, estão colaborando para o jogo da primeira.
Aliás, costuma-se atribuir a seguinte afirmação a Lênin (líder da revolução comunista russa): “O fruto natural do comunismo é o anticomunismo. Antes que surja o anticomunismo, organizemos nós mesmos o anticomunismo”. Infelizmente, não temos a fonte dessa afirmação. Entretanto, “se non è vero, è bene trovato”. Ou seja, sabendo que o comunismo iria inevitavelmente produzir uma reação anticomunista, a medida mais astuta seria antecipar-se de modo a que eles mesmos – os revolucionários – organizassem essa reação (a “contrarrevolução”) ou, ao menos, delimitando de antemão os termos e condições em que ela deveria se dar, por meio de sua influência em setores hostis ao comunismo. A oposição entre esquerda e direita parece ser, de fato, uma briga de família, uma falsa oposição entre gêmeas dialéticas[1]. O general Golbery do Couto e Silva, ex-ministro chefe da Casa Civil do governo Ernesto Geisel na ditadura militar, costumava, aliás, comparar direita e esquerda com duas pontas de uma mesma ferradura:
“…em vez de se imaginar uma reta, com a esquerda numa ponta e a direita noutra, deve-se pensar numa ferradura, com a esquerda e a direita mais próximas entre si do que do centro. Isso explica porque, às vezes, elas agem em alianças táticas” (Diário do Congresso Nacional, de 03/04/1981, página 1581) [2].
Essa ferradura, pelo jeito, parece ter sido aquela que os governantes militares da ditadura usavam para darem seu coice na sociedade brasileira[3], enquanto combatiam o comunismo somente através do uso estúpido da força (o que só contribuiu para seu fortalecimento, ou seja, uma falsa solução ou solução agravante)[4], ao mesmo tempo em que promulgavam leis comunistas e anticatólicas, como a da reforma agrária e a do divórcio, além de tornarem a economia do Brasil mais estatizada do que a Tchecoslováquia e Iugoslávia quando estavam sob o poder da URSS. Não deixa de ser compreensível que alguém que use ferraduras realmente prefira “o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo”[5]. Afinal, cada um tende a preferir aquilo que mais lhe é semelhante.
Assim, os inimigos da Igreja conseguem ser eficazes no seu jogo, persuadindo os próprios católicos a colaborarem com ele ao escolher o que se apresenta como mal menor: Trump, nos EUA; Putin na Rússia e na direita européia, em geral; Le Pen ou o maurrasianismo, na França e entre os tradicionalistas europeus; a Lega Nord, na Itália; e, no Brasil, ao que tudo indica, a bola da vez é Jair Bolsonaro.