Dráuzio entrevista um médico:
"Drauzio – Como você encara a legalização da maconha?
Carlini – Sou totalmente contra o uso e a legalização da maconha. No entanto, é necessário distinguir legalização de descriminalização. Quando falo em descriminalizar, não estou me referindo à droga. Estou me referindo a um comportamento humano, individual, que atinge o social. Quando falo em legalizar, falo de um objeto. Posso legalizar, por exemplo, o uso de determinado medicamento clandestino ou de um alimento qualquer desde que prove que eles não são prejudiciais à saúde.
Como a maconha faz mal para os pulmões, acarreta problemas de memória e, em alguns casos, leva à dependência, não deve ser legalizada. O que defendo é a descriminalização de uma conduta. Veja o seguinte exemplo: se alguém atirar um tijolo e ferir uma pessoa, não posso culpar o tijolo. Só posso criminalizar a conduta de quem o atirou. A mesma coisa acontece com a maconha. O problema é criminalizar seu uso e assumir as conseqüências da aplicação dessa lei.
Nos Estados Unidos, num único ano, 600.000 pessoas foram detidas e processadas por posse de maconha e o sistema de justiça americano acabou não fazendo outra coisa do que julgar jovens que, na maioria das vezes, não haviam cometido nenhum outro deslize e ficavam marcados por uma ficha criminal que os prejudicava na hora de conseguir um emprego, por exemplo, e de tocar a vida. Diante disso, vários estados americanos optaram por descriminalizar o uso da maconha. O mesmo fizeram o Canadá e alguns países da Europa, entre eles Portugal. O importante não é punir um comportamento. É corrigi-lo. Para tanto, deve existir um programa eficiente de prevenção e de educação para que a pessoa evite consumir essa ou qualquer outra droga.
Repetindo, sou contra o uso e a legalização, mas favorável à descriminalização da maconha.
Drauzio – Seguindo essa linha de pensamento, você também é contra a legalização do álcool, uma droga com impacto social pior do que o da maconha?
Carlini – Não sou contra a legalização do álcool porque vivemos uma situação de fato em que seu uso social é aceito e está consagrado. Os resultados da famosa Lei Seca americana já provaram que é impossível proibir o uso do álcool e que, se o fizermos, o tiro pode sair pela culatra.
Não acontece o mesmo com a maconha. A não ser em restritas áreas do mundo, seu uso marginal não é aceito socialmente. Legalizá-la significaria torná-la disponível e sujeita a campanhas de publicidade que estimulariam seu consumo. No entanto, não tenho dúvida de que, se ele continuar crescendo, a sociedade terá de enfrentar no futuro o problema da legalização, porque não adianta lutar contra algo imposto pelo comportamento da população em geral.
Por isso, no momento, é preciso empenhar todos os esforços para desenvolver um programa educacional eficiente visando a impedir o aumento do consumo e, quem sabe, até mesmo baixá-lo, já que muito jovem fuma maconha para transgredir a ordem estabelecida. De certa forma, parece que a transgressão faz parte da vida dos adolescentes. Numa conferência a que assisti recentemente na Universidade Federal de São Paulo sobre descriminalização ou não da maconha, um professor da Bahia colocou a importância da transgressão na formação da personalidade e citou Adão e Eva, os primeiros transgressores da lei, que não respeitaram a proibição divina e comeram a maçã proibida."