Pessoalmente, acredito que essas especulações são inúteis. A existência literal de lugares como céu, inferno e umbral não é uma questão importante o bastante para merecer mais do que uma nota de rodapé em qualquer prática espiritual séria: mesmo que existam, são redundantes. Reencarnação, então, nem se fala.
A questão não é tão simples assim. Imagine o caso de uma pessoa muito querida que fica tetraplégica e entrevada numa cama. Ela decide-se pela eutanásia, mas a decisão legal de fazê-la ou não depende de você. Neste caso, não só a crença, mas a verdade faz toda a diferença:
1. Se você acredita no nada, provavelmente praticaria a eutanásia sem titubear, pois respeita a vontade da pessoa e não teme conseqüências futuras;
2. Se você for católico ou evangélico, você provavelmente não praticaria a eutanásia porque creria que a pessoa iria para o inferno eterno, pois suicídio é considerado crime em praticamente todas as religiões. Quanto ao ato em si, sendo católico ou evangélico, você sempre poderia pedir perdão e ser salvo no final;
3. Se você for espírita você também provavelmente não praticaria a eutanásia, pois creria que por ela decidir abreviar a sua prova por covardia, ela teria que recomeçá-la outra vez um dia, o que significaria passar uma segunda vez por situação similar. E quanto a quem praticasse o ato, talvez tivesse que acompanhá-la mais uma vez no martírio.
E então? Qual decisão você tomaria? A verdade é uma só. E uma decisão errada teria como conseqüência: 1. que você mantivesse a pessoa viva por mais tempo contra a sua vontade, prolongando desnecessariamente o seu sofrimento. 2. que você condenasse alguém que ama ao inferno eterno. 3. que você condenasse a pessoa que ama e você próprio a mais tempo de sofrimento do que seria aguentar o curto restante de vida. E então, qual a decisão?
Vou responder agora como espírita e segundo a minha crença pessoal. Na verdade eu não posso apoiar a eutanásia, porque em meu entendimento isso só seria adiar um sofrimento que poderia ter término com um pouco mais de paciência. Mas também acredito que o grau de recompensa ou punição por algum ato variam segundo o grau de conhecimento e responsabilidade que a pessoa tem das coisas. Ora, um analfabeto vivendo no campo, isolado, que nunca teve a menor possibilidade de se instruir, não pode ser responsabilizado por uma decisão errada. Ignorância forçada não pode ser considerada crime. Também aquele que reflete profundamente, lê, troca idéias, analisa opiniões e possibilidades mas ainda assim, por certa ignorância, toma a decisão errada, tem uma culpa relativa e não pode ser responsabilizado na mesma intensidade que uma pessoa mais instruída.
Mas uma decisão importante dessas, tomada sem reflexão e de maneira errada, sendo que o material de pesquisa lhe era disponível, não tem justificativa. Não são todos, mas existem pessoas que se recusam a conhecer para depois poderem alegar que "não sabiam". Deixam dar vazão às suas paixões de maneira irresponsável e não querem saber o que será do amanhã, como se mais tarde pudessem excusar ignorância da lei. A lei humana não excusa ignorância dolosa. A Lei de Deus (se existir) com certeza também não é diferente. É como aquela velha desculpinha que damos para o guarda de trânsito quando excedemos o limite de velocidade: "eu não sabia que aqui não podia correr; eu não vi a placa...". Ignorância forçada é desculpável, mas ignorância consciente não.
Portanto, quando digo que não temos interesse em convencer ninguém é porque na realidade não nos faz diferença se você tomará ou não decisões erradas ao longo da sua vida, pois não somos nós que sofreremos as conseqüências por um possível erro seu. O máximo que fazemos é lamentar. O interesse em buscar a verdade, seja ela qual for, é de cada um, em seu próprio benefício. A nossa responsabilidade termina quando concluimos que fizemos todo o possível para que você tivesse pelo menos a nossa melhor opinião para analisar. Apresentamos um lado da possível solução do problema. Cabe a cada um analisá-lo, compará-lo com os outros lados, e procurar formar um julgamento consciente a respeito de tudo.
Portanto, é lícito e necessário buscarmos a solução desses problemas existenciais sim.
Um abraço.