Tendo em conta que o tópico está em "Religiões, Crenças e Mitos", pode-se assumir que o tópico surgiu com determinadas intenções, mas acho que é mais produtivo realçar a parte científica da questão, isto é, o que acontece ao organismo quando a pessoa morre, principalmente no sistema nervoso. Acho que o Dbohr tem melhor experiência de ciência natural do que eu, e podia acrescentar e corrigir o que tinha dito sobre a experiência de quase-morte.
De qualquer modo, por estar interessado na crucificação romana, tinha investigado o tema há muito tempo, e deixo uma pequena estória de ficção que invento agora mesmo.
No início do primeiro século desta era, na Palestina havia surtos de revoltas contra o governo fantoche de Roma, uma imensidade de pretendentes messias e pregações apocalípticas. Eram erguidas algumas cruzes nos grandes montes de pedra, como no monte do Calvário, mas nas alturas de grande alvoroço havia fileiras de cruzes à saída das portas das cidades, ao longo das estradas.
Quando as questões eram meramente religiosas, as autoridades não se envolviam, e deixava o julgamento ser feitos pelas entidades religiosas da zona. No caso da Palestina, era feita reunida uma assembleia que julgava o criminoso religioso, apresentando pelo menos três testemunhas, é realizada uma votação e se for considerado culpado, em geral era morto por apedrejamento e o cadáver podia ser exposto pendurado num cadáver, como costume antigo.
Se envolvia política, o caso era resolvido pelas autoridades romanas.
Um criminoso político, um escravo rebelde de uma seita apocalíptica, foi preso pelas tropas do procurador da Judeia. Depois de julgado, foi vestido de palhaço, vexado e açoitado por um suplício. Foi forçado a percorrer nu pela estrada principal da cidade, saindo pelas portas de Efraim, transportando um "patibulum" nos ombros, com uma placa pendurada no pescoço, onde estava incrito o motivo pelo qual era condenado. Aos passar pelos muros da cidade, vê uma fileira de cruzes de várias formas. Há condenado que são devorados por animais enquanto vivos. Chacais despedaçam as pernas e os corvos debicam a parte superior, chegando a arrancar os olhos. Há quem dure mais de uma semana nas cruzes, há pregadores apocalípticos pendurados e revoltosos que cospem de cima. De longe é avistada a "stepis" erguida para colocar o condenado.
No seu destino, o "patibulum" é colocado no chão, e o condenado mira as outras cruzes com os seus moribundos, imaginando o seu próprio destino, sentindo frio e mirrando os seus genitais. Os soldados que o escoltaram agarram nos seus pulsos e forçam a posicionar-se sobre o "patibulum". Em geral são apenas usadas cordas para prender as mãos (os pregos são caros), mas esse é um caso especial. O carrasco tenta acalmar o condenado, apalpa o pulso sentindo o meio dos dois ossos e encrava um enorme cravo. O condenado, ao sentir o silvo de dor, cerra os olhos chorando, urra violentamente, urina e defeca. Quem já teve de fazer tratamentos dolorosos (eu tenho uma doença crónica com essa exigência), percebe o que se sente de seguida. Surge um medo intenso de repetir a dose, como uma fobia. O torturado gesticula o outro braço, como se pudesse escapar. Os que o seguram fazem mais força, e o corpo fica tenso. O carrasco tem menos cuidado com o segundo cravo, e rasga um osso do pulso.
É apoiada uma escada no "stepis" para colocar umas cordas no cimo, e o homem pregado pelos pulsos, é erguido e encaixado com a ajuda de uns pregos. O carrasco prega os pés pelos calcanhares, e vê algumas gotículas de urina a caírem. É atingido por um cuspo, e é insultado por alguém que está numa cruz maior (para as mortes mais lentas). Coloca uma pequena cadeira ao lado dessa cruz, e quebra as pernas daquele que insultou com uma moca.
O lugar parecia um manicómio, com ataques epiléticos, dementes, fanáticos, cruzes sujas de dejectos e uma lixeira com cadáveres de crucificados e animais necrófagos. Um simples ladrão chora e urina alucinado. Alguém dá a um crucificado um narcótico tóxico misturado em vinagre para tornar o suplício mais suportável. Alguns crucificado cerram os olhos e repetem trechos do Talmude para abstrairem-se da sua situação. Cinco corpos lívidos estão pendidos na cruz; alguém pica-os, e não há reacção. São retirados, e tiram os pregos daqueles que tiverem para reciclar. Um amigo de três deles pede os seus corpos. Os restantes são atirados para a lixeira e comidos pelos animais. Um dos amigos afinal estava vivo.
Façam a seguinte experiência: em pé, endireitem o corpo e estiquem bem os braços para cima. O abdómen retrai-se, há menos capacidade volumétrica para os pulmões e sente-se mais dificuldade para respirar.
O corpo do condenado está rígido como pedra e sua cara lívida como mármore. O ar na glote fica frio, sente-se um mal-estar semelhante a uma constipação, forma-se um líquido na pleura e o sofre distúrbios tubo digestivo. A pele fica ensopada de suor que refresca o corpo, e mais tarde torna-se amarelada e bexigosa. Sente-se desconfortável por falta de ar, por isso de vez enquando tenta-se elevar o corpo para respirar, o que é mais fácil se tiver um apoio para os pés. Também há desconforto por estar sempre na mesma posição, e de ter dificuldades em impedir que os corvos devorem a cabeça.
Chega o momento. Passado alguns dias, o escravo crucificado sofre de alucinações e começa a falar sozinho, com momentos de depressão e outros de euforia, muitas vezes sentindo-se esgotado. Passado quase uma semana, parece que está a dormir com os olhos e boca abertos, como um demente. Sente-se como se estivesse a sonhar, com olhos vidrados, secos e ramelosos, de pupilas diminutas e com a boca escancarada babando uma espuma branca. Tudo acontece como um sonho: é incapaz de raciocionar, misturando o absurdo com memórias. Parece que está a voar e vê a a figura da sua mãe. Repete gestos antigos e balbucia algo sobre a sua mãe. Surgem várias imagem psicadélicas, como faíscas e pontos brilhantes. A figura materna torna-se cada vez mais brilhante e mistura-se num túnel brilhante. Depois de perder a consciência, deixa de se mover, perde os reflexos, a respiração e os movimentos cárdio-vasculares. Morreu.