referencias que precisam ser lidas MESMO antes de questionarem e me acusarem de teoria conspiração , etc
1.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3105201001.htm2.
http://www.infectologia.org.br/default.asp?site_Acao=&paginaId=134&mNoti_Acao=mostraNoticia¬iciaId=170623.
http://super.abril.com.br/saude/verdades-inconvenientes-industria-remedios-622410.shtml4.
http://translate.google.pt/translate?hl=pt-BR&sl=es&u=http://www.sld.cu/galerias/pdf/sitios/infodir/medicos,_laboratorios_y_casas_comerciales.pdf&prev=/search%3Fq%3Dmedicos,%2Blaboratorios%2By%2Bcasas%2Bcomerciales%2B%2BEscena%2Baleg%25C3%25B3rica%2Ba%2Blas%2Brelaciones%2Bentre%2Blos%2Bm%25C3%25A9dic%26hl%3Dpt-BR%26biw%3D1143%26bih%3D705%26prmd%3Dimvns&sa=X&ei=uw2dULGlNoKi8ATCkoDQAw&ved=0CCIQ7gEwAA5. As relações corruptas entre médicos e laboratórios
Enviado por luisnassif, qua, 17/10/2012 - 08:28
Por Homb
Comentário ao post "Fórum Brasilianas discute indústria farmacêutica e da saúde"
Prezado Nassif, veja esta matéria que saiu na revista RADIS (nº 79 – Março de 2009) da Escola Nacional de Saúde Pública, sobre Laboratórios farmacêuticos e pesquisa clínica
Da Revista Radis
Laboratórios farmacêuticos e pesquisa clínica
Laços de Corrupção
A patologista Marcia Angell é catedrática do Departamento de Medicina Social da Harvard Medical School. Trabalhou por 20 anos na New England Journal of Medicine, que deixou em 2000 quando era editora-chefe. Seu último livro, de 2004, saiu no Brasil em 2007 (A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos, Record).
Na edição de 15 de janeiro da New York Review of Books(
www.nybooks.com/articles/22237) ela assina o artigo “Drug Companies & Doctors: A Story of Corruption”, no qual comenta três livros recentes sobre as relações entre companhias farmacêuticas e pesquisadores — relações corruptas, em sua opinião.
A Radis traduziu o artigo (ver a íntegra) — seu resumo está publicado abaixo — e o submeteu aos bioeticistas brasileiros Volnei Garrafa e Sergio Rego, para comentários sobre as graves denúncias da autora e sua eventual pertinência à situação brasileira.
O texto de Marcia informa que o senador republicano Charles Grassley, da Comissão de Finanças, decidiu investigar essas relações. “Ele não precisou procurar muito”, ironiza a autora, que cita logo o caso de Joseph L. Biederman, professor de Psiquiatria da Harvard Medical School — seu colega —, também chefe da psicofarmacologia pediátrica do Harvard’s Massachusetts General Hospital. “Graças a ele, crianças de 2 anos são diagnosticadas com desordem bipolar e tratadas com coquetel de drogas poderosas, muitas não-aprovadas pela Food and Drug Administration [FDA, a agência reguladora americana] para esta finalidade e nenhuma delas aprovada para crianças abaixo de 10 anos”.
Médicos podem usar drogas em finalidades diferentes, lembra, mas esse uso deve se basear em boas evidências científicas publicadas. Especialistas ouvidos pelo New York Times, porém, acharam os estudos de Beiderman precários e inconclusivos, relata Marcia. O senador descobriu que Beiderman recebeu US$ 1,6 milhão por consultoria e palestras entre 2000 e 2007 de laboratórios.
O “VALOR” DE UM PROFESSOR
Marcia cita também Alan F. Schatzberg, chefe da psiquiatria de Stanford e recém-eleito presidente da Associação Psiquiátrica Americana, que detém mais de US$ 6 milhões em ações da Corcept Therapeutics, empresa que ajudou a fundar e que testa o mifepristone, a droga abortiva RU-486, no tratamento da depressão psicótica. Schatzberg chefiava estudo subvencionado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH) que incluía testes da droga. Depois da denúncia do senador, a universidade substituiu o pesquisador, mas disse nada ter visto de errado no acordo.
O caso mais notório, conta Marcia, foi o de Charles B. Nemeroff, chefe da Psiquiatria da Universidade de Emory, editor, com Schatzberg, do influenteTextbook of Psychopharmacology. Nemeroff chefiou por cinco anos estudo subvencionado pelo NIMH, de US$ 3,95 milhões — dos quais GlaxoSmithKline (GSK) pagava US$ 1,35 milhão para teste de suas drogas. Grassley comparou os registros da Emory aos da empresa: o professor omitira o recebimento de US$ 500 mil da GSK por palestras. Pressionado, prometeu nada aceitar acima de US$ 10 mil, mas em 2004 recebeu US$ 171.031 e declarou US$ 9.999.
Em carta de 2000 justificando sua participação no conselho de uma dúzia de corporações, Nemeroff apontou seu “valor” para a Emory: “Certamente os Srs. se lembram de que Smith-Kline Beecham Pharmaceuticals doou cátedra e é provável que Janssen Pharmaceuticals faça o mesmo. Além disso, Wyeth Pharmaceuticals-Ayerst financiou programa no departamento, e pedi o mesmo a AstraZeneca e Bristol-Myers [sic] Squibb. Parte da razão deste financiamento a nossa faculdade seria meu serviço nestes conselhos”.
Marcia calcula, pelos balanços anuais, que o gasto com médicos dos nove maiores laboratórios chegue a dezenas de bilhões de dólares. “A indústria ganhou enorme controle sobre o modo como os médicos testam e usam seus produtos”, diz. “Seus laços com catedráticos em escolas de prestígio afetam os resultados da pesquisa, o modo de praticar a medicina e até a definição de doença”. O fabricante, conta Marcia, patrocina estudos clínicos para demonstrar à FDA que sua droga é segura e eficaz — “mas geralmente em comparação a placebo”. Os resultados dos ensaios (pode haver muitos) são submetidos à FDA, e se um ou dois mostram eficácia sem risco grave, a droga é aprovada — mesmo se os outros forem negativos — para determinado uso.
É vedado ao laboratório propagar uso diverso, mas como o médico pode prescrever medicamentos “fora da bula”, depois que a droga está no mercado as empresas patrocinam ensaios para novos usos; e, já que não têm acesso direto a seres humanos para as pesquisas, precisam das escolas médicas. Lá têm contato com influentes professores, formadores de opinião que escrevem livros e artigos, lançam compêndios e guias, integram painéis consultivos da FDA, lideram associações profissionais e falam nos inúmeros jantares anuais sobre medicamentos. “Ter um Dr. Beiderman na folha vale cada centavo”, diz Marcia.
VAGAS E PERMISSIVAS
Décadas atrás, lembra ela, as escolas médicas não tinham relações financeiras extensas com a indústria. “Agora, têm acordos múltiplos e estão em difícil posição moral para impedir que seu corpo docente se comporte da mesma forma”, observa. Dois terços dos centros médicos acadêmicos têm participação em empresas que patrocinam pesquisa na instituição; dois terços dos chefes de departamento recebem pagamento de empresas farmacêuticas. “As normas sobre conflito de interesses variam muito, são geralmente permissivas e vagamente executadas”.
E as empresas exigem participar de todos os aspectos da pesquisa que patrocinam, podendo direcionar o estudo. Antes da década de 1980, recorda a autora, professores-pesquisadores eram responsáveis pelos trabalhos, mas agora os representantes da indústria concebem os estudos, analisam, escrevem os papers e decidem se e como publicar os resultados. “Às vezes, a faculdade apenas contrata mão-de-obra, fornece doentes e coleta dados segundo instruções da empresa”.
“Não surpreende que ensaios patrocinados publicados em revistas médicas favoreçam a droga dos patrocinadores”, denuncia a autora: os resultados negativos não são publicados, os positivos são publicados de formas ligeiramente diferentes e uma visão positiva é dada mesmo em resultados negativos. Revisão de 74 ensaios clínicos de antidepressivos mostrou que foram positivos 37 dos 38 estudos publicados. Mas, dos 36 estudos negativos, 33 não foram publicados ou o foram de forma a evidenciar um ângulo positivo.
É este o objeto do livro de Alison Bass, Side Effects — A Prosecutor, a Whistleblower, and a Bestselling Antidepressant on Trial, a história de como a gigante britânica GlaxoSmithKline enterrou provas de que seu antidepressivo Paxil era ineficaz e prejudicial a crianças. Ex-repórter do Boston Globe, Bass descreve o envolvimento de um cético psiquiatra acadêmico, um indignado subchefe do departamento de psiquiatria da Brown University (cujo chefe recebeu em 1998 mais de US$ 500 mil como consultor, inclusive da GSK) e um promotor-assistente de Nova York. O trio venceu a GSK, que em 2004 admitiu fraude na propaganda do Paxil e pagou US$ 2,5 milhões em indenizações — “fração dos US$ 2,7 bilhões das vendas iniciais”.
Há seis anos, quatro pesquisadores obtiveram na Justiça acesso a revisões da FDA de ensaios clínicos com placebo dos seis antidepressivos mais populares, aprovados entre 1987 e 1999 — Prozac, Paxil, Zoloft, Celexa, Serzone e Effexor. Em 80% dos casos, os placebos foram tão eficazes quanto os medicamentos. “Público e médicos de nada saberiam se não fosse o processo”, ressalta.
Além de placebo, a droga pode ser comparada a outro medicamento administrado em dose tão baixa que a do patrocinador parece mais poderosa. Ou droga para idosos é testada em jovens, para que os efeitos secundários apareçam menos. Outro desvio: comparar-se um novo medicamento a placebo, quando pertinente é a comparação com medicamento existente. “Em suma, é possível conseguir ensaios clínicos de qualquer maneira que se queira, e por isso é tão importante que os pesquisadores sejam desinteressados no resultado de seu trabalho”, defende Marcia.
Conflitos de interesse também moldam a prática médica, afirma. Num levantamento de 200 painéis de peritos que emitiram orientações práticas, um terço admitiu laço financeiro com a droga em exame. Dos 170 colaboradores da edição mais recente do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), da Associação Psiquiátrica Americana, 95 tinham vínculo financeiro com farmacêuticas, incluindo todos das seções sobre transtornos do humor e esquizofrenia. Nas comissões permanentes da FDA, muitos têm laços com a indústria.
Além disso, os laboratórios aperfeiçoaram novo método de expandir mercado: em vez de promover drogas para tratar doenças, promovem doenças para encaixar suas drogas. A “mercantilização da doença” é o foco dos livros de Melody Petersen, Our Daily Meds: How the Pharmaceutical Companies Transformed Themselves into Slick Marketing Machines and Hooked the Nation on Prescription Drugs (Sarah Crichton/Farrar, Straus and Giroux, 2008) e de Christopher Lane, Shyness: How Normal Behavior Became a Sickness (Yale University Press, 2007). Marcia se refere a fenômeno conhecido: a indústria dá a doenças antigas nomes graves e sonoros — e com abreviaturas. Assim, azia é agora “doença do refluxo gastroesofágico” ou DRGE; impotência é “disfunção erétil” ou DE; tensão pré-menstrual é “transtorno disfórico pré-menstrual” (TDPM), e timidez, “transtorno de ansiedade social”. São doenças que afetam pessoas normais, “assim, o mercado é enorme e facilmente expansível”. Essa estratégia, afirma Marcia, “não poderia ser implementada sem a cumplicidade da classe médica”.
“O CUSTO DO NEGÓCIO”
Melody Petersen, ex-repórter do New York Times, detalha as maneiras, legais e ilegais, de criação de remédios blockbusters (vendas anuais acima de um bilhão de dólares) e do papel dos formadores de opinião. No caso do Neurontin, aprovado para tratamento da epilepsia em casos específicos, a Pfizer pagou peritos acadêmicos para exaltar seu uso em doença bipolar, estresse pós-traumático, insônia, síndrome das pernas inquietas, sensação de calor, enxaqueca. Vendeu US$ 2,7 bilhões em 2003. No ano seguinte, declarou-se culpada de venda ilegal e pagou US$ 430 milhões. “O custo do negócio”, diz Marcia, pois Neurontin continua a faturar milhões.
O livro de Lane trata do rápido aumento do número de diagnósticos psiquiátricos na população americana. Dado que não há testes objetivos para doenças mentais e as fronteiras entre normal e anormal são frequentemente incertas, diz, novos diagnósticos ou ampliação de antigos”. Lane, professor de Literatura da Northwestern University, traça a evolução do DSM, a “bíblia” da psiquiatria, do modesto caderno de 1952 às atuais 943 páginas, referência para tribunais.
Segundo Marcia, Lane mostra que o DSM é mistura de política acadêmica, ambição pessoal, ideologia e, sobretudo, influência da indústria. “O que falta é evidência”. A timidez como doença psiquiátrica estreou sob a expressão “fobia social” no DSM-III, em 1980, considerada “rara”. Em 1994, no DSM-IV, tornou-se “transtorno de ansiedade social”, agora comum. De acordo com Lane, para impulsionar as vendas do Paxil, GSK promoveu a ansiedade social como “grave condição médica”. Em 1999, cartazes nas paradas de ônibus de todo o país mostravam gente triste e as palavras “Imagine ser alérgico a pessoas...”.
Alguns dos maiores blockbusters são drogas psicoativas. “A teoria de que as condições psiquiátricas resultam de desequilíbrio bioquímico é usada como justificativa para sua generalização, embora a teoria ainda tenha que ser provada”, fustiga Marcia. As crianças são alvos particularmente vulneráveis. Que pai ousa dizer “não” quando o médico afirma que seu filho está doente e recomenda tratamento com drogas?, pergunta. “Estamos em meio a aparente epidemia de doença bipolar em crianças, substituindo o Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH): este diagnóstico cresceu 40 vezes entre 1994 e 2003. “Essas crianças são tratadas com múltiplas drogas, quase todas com potencialmente graves efeitos secundários”.
“Simplesmente não é mais possível acreditar muito na investigação clínica publicada, ou confiar no julgamento de médicos renomados ou guias médicos”, lamenta Marcia: “Não sinto prazer nesta conclusão, a que cheguei lenta e relutantemente em duas décadas como editora em The New England Journal of Medicine”. Um resultado desse grave desvio é que os médicos aprendem a praticar medicina com uso intensivo de medicamentos, diz — médicos e pacientes acreditam que para cada doença ou desconforto existe uma droga. “A mais nova, a mais cara marca, imaginam, é superior às mais antigas ou aos genéricos, ainda que raramente haja prova disso, porque patrocinadores não comparam seus produtos com os mais antigos em doses equivalentes”, acusa.
Para a autora, é fácil culpar a indústria. TAP, Merck, Eli Lilly e Abbott enfrentaram processos, com custos insignificantes em relação aos lucros. Mas pode-se argumentar que a indústria cumpre seu papel. “Médicos, escolas e associações não têm tal desculpa, pois devem responsabilidade aos pacientes”.
A missão de escolas e hospitais universitários, que justifica seu estatuto de isenção fiscal, é educar a próxima geração de médicos, promover pesquisa cientificamente importante e cuidar dos integrantes mais doentes da sociedade, prega Marcia. Por mais condenáveis que sejam as práticas da indústria, “o comportamento de grande parte da classe médica é pior: as empresas não são de caridade”.
O CHEIRO E O DINHEIRO
Restaurar a integridade da pesquisa clínica e da prática médica, de acordo com a autora, implicaria mudanças na lei e na FDA e o afastamento da classe médica do dinheiro da indústria “quase totalmente”. Embora a cooperação indústria-academia dê importante contribuição científica, é geralmente na pesquisa básica, e não na clínica, ressalva — “e é discutível o enriquecimento pessoal do pesquisador”. Depois de tanta publicidade desfavorável, escolas e associações começam a falar de controle, mas se referem a “eventuais” conflitos de interesse, como se isso fosse diferente da realidade, e falam em “divulgá-los” e “geri-los”, não em proibi-los, critica. “Parece haver o desejo de eliminar o cheiro de corrupção, mantendo o dinheiro”. Se a classe médica não puser fim a essa corrupção “voluntariamente”, prevê a autora, perderá a confiança do público e o governo (não apenas o senador Grassley) imporá regulamentação. “Ninguém na medicina quer isso”.
O artigo contém 19 notas, que podem ser consultadas na versão original (
http://www.nybooks.com/articles/22237)
Volnei Garrafa, professor e coordenador da Cátedra Unesco e do programa de Mestrado e Doutorado em Bioética da UnB, lembra que, depois das armas e das drogas ilegais, o mercado que mais movimenta dinheiro no mundo globalizado é o de medicamentos. “Em grande parte supérfluos ou substitutivos sem vantagens, como Marcia Angell vem denunciando desde 2000”, diz ele. “Se isso está acontecendo nos EUA, imagine-se aqui no Brasil...”
Em seus artigos recentes, que tem assinado com o professor da UFBA Claudio Lorenzo, colega também na UnB, Volnei costuma citar a frase do filósofo Jerome Ravetz, de Oxford, segundo a qual a pesquisa clínica, atividade amadora no século 18 e universitária no século 19, tornou-se atividade industrial no século 20. “Nosso país é um maná para essas pesquisas”, afirma. “O Rio, por exemplo, reúne os dois micromundos, a Zona Sul rica e a Baixada pobre, a um passo uma da outra”, o que facilita o trabalho dos laboratórios. Volnei tem participado do debate internacional em torno da “flexibilização” da Declaração de Helsinque, que regula a pesquisa com seres humanos, e salienta que a vulnerabilidade dos países pobres agrava ainda mais as já complexas relações entre indústria e instituições de ensino, criando o que se convencionou chamar de colonialismo bioético ou imperialismo moral.
Imperialismo moral, diz Volnei, é a tentativa de um país de impor a outro seus padrões. Isso se manifesta diretamente nos episódios recorrentes de ensaios clínicos multicêntricos dos países centrais em países pobres e periféricos, nos projetos que embutem um “duplo padrão” (double standard) ético nos testes com seres humanos — como se houvesse duas éticas. “Somente em 2008, cerca de 250 mil pessoas participaram como sujeitos de pesquisas multicêntricas no Brasil, que é um país periférico mas já conta, desde 1997, com um modelo nacional consolidado de regulação ética em pesquisas biomédicas”, ressalta.
A forma indireta de imperialismo moral, para Volnei, é o “treinamento” de pesquisadores na visão ética dos países ricos, tornando-os duplicadores de interesses centrais. Para o pesquisador Sergio Rego, professor de Bioética e Ética em Pesquisa na Ensp/Fiocruz e de Bioética na UFRJ e no IFF/Fiocruz, a situação brasileira é grave porque o país está cheio de gente disposta a aplicar pesquisa preparada no exterior sem nenhuma participação intelectual. “Nem precisam fazer campanhas sórdidas de convencimento: os salários são baixos e o conflito é muito maior por conta dessa vulnerabilidade”. Sergio, que é vice-presidente da regional RJ da Sociedade Brasileira de Bioética, lamenta que o país não tenha levantamento semelhante ao dos americanos. “Aqui também todos devem declarar seus conflitos de interesse, mas ou não se sentem obrigados ou não reconhecem sua situação de conflito.
Sergio, que edita a Revista Brasileira de Educação Médica, participa de uma lista internacional de discussão de editores médicos e o assunto em debate no momento é: se já é pacífico que os conflitos de interesse existem, até que ponto eles afetam os resultados da pesquisa e como controlar essa influência? Por exemplo, um pesquisador deve receber dinheiro diretamente em sua conta?
Essa discussão ainda é pouco desenvolvida em nosso meio, lamenta Sergio. Segundo ele, muitos pesquisadores dizem — “alguns à luz do dia” — que pesquisa aprovada nos EUA deveria ser automaticamente aprovada no Brasil, e que uma eventual não-aprovação prejudicaria o desenvolvimento da ciência no país. “Balela”, rebate. “Os interesses dos EUA ou dos financiadores das pesquisas não são necessariamente os mesmos da sociedade brasileira, mas se eles pagam pequenas fortunas por cada paciente com doença rara incluído no ensaio, como esperar que resistam?”
O uso de medicamentos extra-bula cria outra aberração: as relações promíscuas entre médicos, propagandistas farmacêuticos e farmácias. Há relatos de médicos que receberam visita de representante de laboratório informando que não estariam prescrevendo o medicamento corretamente. “Ora, isso significa que os laboratórios estão tendo acesso às receitas nas farmácias”, denuncia. “Fica em xeque o sistema como um todo”.
Na questão da supermedicação infantil a situação brasileira se assemelha à americana, afirma Sergio. “Estão intoxicando as crianças com anfetamínicos como se fossem a água com açúcar dos nossos avós”, protesta. E a mídia leiga ajuda. “O Fantástico, por exemplo, divulga essas pesquisas como se fossem respostas definitivas, as revistas semanais publicam matérias sobre novas drogas que se passam por reportagens”, reclama. “Botam notinha no pé dizendo que o repórter viajou a convite do laboratório, como se isso anulasse o conflito de interesses”. A Veja, em “reportagem” sobre um redutor de colesterol, enumerou “qualidades” da droga que não constavam do site do laboratório nos EUA — “se constassem, daria processo, pois não há evidência científica comprobatória”.
O deputado Colbert Martins (PMDB-BA), que é médico, apresentou em 2003 o controvertido Projeto de Lei nº 2.473, que “dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos”. A proposta conseguiu desagradar a quase todos porque “amarra” a pesquisa no país, mas Volnei Garrafa gostaria de mais debate a respeito. Tempo hábil há: o projeto passará ainda por duas comissões (Ciência e Tecnologia e Constituição e Justiça) antes de ir ao plenário da Câmara.
COM LEI OU SEM LEI?
O texto, de 24 páginas, estabelece que pesquisa é todo procedimento cuja aceitação não esteja consagrada na literatura científica — o que eliminaria os testes com “me-too drugs” (drogas “eu também”) que, segundo Marcia Angell, são feitos apenas para que a indústria recrie patentes.
Volnei concorda com vários pontos do projeto. Em dezembro, ao falar num seminário internacional em Roma sobre crimes em ensaios clínicos, promovido pelo Unicri (United Nations Interregional Crime and Justice Research Institute, organismo da ONU com sede em Turim que analisa este tipo de abuso), defendeu, como o projeto de Colbert, que a pesquisa “busque métodos terapêuticos, preventivos ou diagnósticos relacionados com a resolução de problemas de saúde prioritários para as populações dos países participantes” e que se permita “a transferência de tecnologias e a formação de competências em práticas avançadas de investigação que contribuam com a independência do país na produção de conhecimentos”.
Somente nestas condições, diz ele, as pesquisas podem ser chamadas de cooperativas. É mínino o número de investigações conduzidas por multinacionais com o objetivo de produzir medicamentos que atendam necessidades epidemiológicas de países pobres, como malária, doença de Chagas ou esquistossomose, “pois os ganhos financeiros não compensam”.
Volnei quer mais: a regulamentação do financiamento em geral, porque não é só laboratório que corrompe. Ele está certo. Recentemente, a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto denunciou pesquisa sobre asbestose ambiental de pneumologistas da USP, da Unifesp e da Unicamp, financiada pelo Instituto Brasileiro de Crisotila, que é da indústria brasileira do amianto. O projeto nem passou pelas comissões de ética das instituições (Radis 78).
Sergio acha o projeto desnecessário, pois a regulamentação nele prevista já existe como resolução do Conselho Nacional de Saúde. “O controle deveria prosseguir com a Conep, o CNS e a Anvisa”, propõe. “Se é para haver uma lei, que ela determine que para se realizar pesquisa é obrigatório o cumprimento da regulamentação existente no país sobre o tema, e se estabeleçam as punições”.
Marisa Palacios, pesquisadora da UFRJ nas áreas de bioética, saúde mental e trabalho, não leu esse artigo em especial de Marcia Angell, mas conhece a autora e, principalmente, a temática a que ela se dedicou. Tanto que planeja estudar essas complexas relações seguindo o trajeto do dinheiro, como entra na universidade, como circula. Seu objetivo é levar a instituição a pensar no assunto e estabelecer uma política sobre o tema, porque é inaceitável que a indústria continue a desenhar a pesquisa e a controlar seus resultados.
A ideia que vem desenvolvendo é que um órgão regulador do Estado, como a Anvisa, lance o edital para o ensaio que se queira empreender, as universidades se apresentem e a vencedora trabalhe no interesse da população. “Não há saída, o que está em jogo é a credibilidade da pesquisa”, ressalta. “O conflito de interesses existe e é preciso discuti-lo”.
http://174.142.210.16/blog/luisnassif/as-relacoes-corruptas-entre-medicos-e-laboratorios6. Tem muito mais do que vcs e eu imaginam