Brasil: favelas obstruem projetos grandiosos para as OlimpíadasComo parte dos preparativos para os Jogos Olímpicos de 2016, que serão sediados aqui, autoridades celebraram planos para um "Parque Olímpico" futurista, composto de um parque à beira-mar e uma vila olímpica, vendendo-o como "uma nova parte da cidade".
Só havia um problema: as 4.000 pessoas que já viviam naquela parte da cidade, em uma comunidade que se encontra naquele local há décadas e que a prefeitura quer demolir. Recusando-se a deixar as suas moradias sem resistência e levando a sua luta para os tribunais e para as ruas, esses moradores têm sido um espinho na carne do governo há meses.
"As autoridades acham que progresso significa demolir a nossa comunidade apenas para sediar as Olimpíadas durante algumas semanas", disse Cenira dos Santos, de 44 anos, que é dona de uma casa na comunidade, conhecida como Vila Autódromo. "Mas eles não contavam com a nossa resistência."
Para muitos habitantes da cidade, sediar a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas em solo brasileiro é a expressão máxima da ascensão do país no cenário mundial, símbolos perfeitos das recentes proezas econômicas e da posição internacional do país.
Mas algumas das forças que possibilitaram a ascensão democrática do Brasil como potência regional - a expansão vigorosa de sua classe média, a independência de sua imprensa e as expectativas crescentes de seu povo - vêm importunando os preparativos para os dois eventos.
Nas obras dos estádios, operários, ansiosos para participar do surto de riqueza ao seu redor e fortalecidos pela histórica baixa na taxa de desemprego do país, estão pressionando agressivamente o governo por aumentos salariais.
Sindicatos já organizaram greves em pelo menos oito cidades onde os estádios para a Copa estão sendo construídos ou reformados, incluindo uma paralisação de 500 trabalhadores na cidade de Fortaleza, em fevereiro, e um movimento nacional, no qual 25.000 trabalhadores de obras para a Copa do Mundo ameaçam entrar em greve. Os atrasos nas construções estão alimentando problemas com a FIFA, a entidade que governa o futebol internacionalmente. O secretário geral da entidade, Jerome Valcke, disse recentemente que os organizadores brasileiros estavam atrasados, concluindo que eles "precisam acelerar o ritmo, e precisam dar um pontapé no próprio traseiro". O ex-ministro brasileiro do Esporte rebateu o comentário, afirmando que ele havia sido "ofensivo".
Enquanto isso, os moradores de algumas das favelas que correm risco de despejo estão se organizando e lutando por seus direitos, ao contrário do que ocorreu durante os preparativos para as Olimpíadas do 2008 em Pequim, onde as autoridades removeram com facilidade centenas de milhares de famílias da cidade para os jogos.
Os habitantes das favelas estão usando câmeras portáteis e redes sociais para divulgar as suas causas. Além disso, às vezes são ajudados pela imprensa vibrante e combativa do país, que, segundo alguns, é motivo de inveja para outros países da América Latina.
A imprensa e blogs criados recentemente não apenas prestaram atenção aos despejos, mas também têm atormentado as autoridades com a sua própria perseguição às alegações de corrupção que permeiam os planos para as Olimpíadas e a Copa.
"Esses eventos deveriam ser uma celebração das conquistas do Brasil, mas está acontecendo exatamente o contrário", disse Christopher Gaffney, professor da Universidade Federal Fluminense. "Estamos vendo um padrão traiçoeiro de ataques aos direitos dos pobres e de superfaturamentos que são um pesadelo."
A cultura política do Brasil tem contribuído para os atrasos, com casos de corrupção que envolvem autoridades de altos escalões do esporte.
Mas os despejos nas favelas causaram uma comoção maior nas ruas. Uma rede de ativistas de 12 cidades calcula que até 170.000 pessoas poderão ser despejadas antes da Copa do Mundo e das Olimpíadas. No Rio, os despejos estão ocorrendo em favelas por toda a cidade, inclusive na Favela do Metrô, perto do estádio do Maracanã, onde os habitantes que se recusaram a sair vivem em meio aos destroços das casas destruídas por tratores.
Os despejos estão acordando fantasmas do passado em uma cidade com uma longa história de destruição de favelas inteiras, como ocorreu nos anos 1960 e 1970, durante a ditadura militar no país. Milhares de famílias foram deslocadas de favelas nas áreas valorizadas à beira mar para a distante Cidade de Deus, que inspirou o filme de 2002.
À medida que o Rio se recupera de um longo período de declínio, alguns dos novos projetos são muito bem-vindos, como um elevador para uma favela em Ipanema, ou os novos teleféricos para o Complexo do Alemão. As autoridades também insistem que os despejos, quando considerados necessários, estão sendo efetuados de acordo com a lei, e que as famílias estão recebendo indenizações e casas novas.
"Ninguém é reassentado sem um bom motivo", disse Jorge Bittar, secretário municipal de habitação do Rio de Janeiro.
Mas alguns moradores de favelas acusam as autoridades de contribuir com as já consideráveis desigualdades. O boom econômico do Brasil tem levado a despejos por todo o país, às vezes em situações não relacionadas aos jogos. Em cidade após cidade, moradores de favelas muitas vezes só descobrem que suas casas serão demolidas quando são elas literalmente marcadas para remoção.
Em Manaus, a maior cidade da Amazônia, moradores encontraram as iniciais BRT, referentes a um novo sistema de transportes, pintadas a spray em suas portas, indicando que suas casas seriam demolidas. Em São José dos Campos, uma cidade industrial, uma ação violenta de despejo de mais de 6.000 pessoas em janeiro capturou a atenção do país, quando forças de segurança invadiram uma comunidade e entraram em confronto com moradores armados com pedaços de pau.
No Rio, muitos dos moradores que correm risco de despejo vivem na Zona Oeste, onde a maioria das instalações das Olimpíadas estarão localizadas e onde as favelas persistem em meio a um território que mais parece o sul da Flórida, com condomínios decorados com palmeiras e shopping centers.
"As leis brasileiras estão se adaptando aos jogos, e não os jogos às leis", disse Alex Magalhães, professor de direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Organizações formadas por moradores de favelas também estão usando as leis e as redes sociais, em um país com o segundo maior número de usuários do Twitter, depois dos Estados Unidos.
Uma das batalhas mais agressivas envolve a Vila Autódromo, a comunidade que o governo quer destruir para abrir caminho para o Parque Olímpico.
"A Vila Autódromo não conta com nenhuma infraestrutura", disse Bittar, o secretário de habitação. "As ruas são feitas de terra. A rede de esgotos desemboca diretamente na lagoa; é uma área absolutamente precária."
Muitos dos moradores de Vila Autódromo discordam. Alguns têm casas espaçosas que construíram com as próprias mãos. Goiabeiras lançam sombras sobre os quintais. Algumas garagens abrigam carros, um sinal de ascensão em direção à crescente classe média brasileira.
Os moradores levaram a sua batalha para a internet, denunciando o governo municipal do Rio por pagar a duas empreiteiras mais de US$ 11 milhões pela terra para o reassentamento dos moradores de Vila Autódromo; as duas empresas haviam doado dinheiro para a campanha de Eduardo Paes, o prefeito da cidade. Paes negou qualquer irregularidade, mas rapidamente cancelou a compra dos terrenos.
Mesmo assim, as autoridades afirmam que pretendem remover a comunidade para abrir espaço para estradas ao redor do Parque Olímpico, fazendo com que os moradores sejam obrigados a improvisar novas estratégias de resistência contra o despejo. "Somos vítimas de um evento que não desejamos", disse Inalva Mendes Brito, que trabalha como professora em Vila Autódromo. "Mas, se o Brasil aprender a respeitar a nossa escolha de permanecer em nossas casas, talvez as Olimpíadas sejam algo para realmente celebrarmos."
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