Autor Tópico: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...  (Lida 15572 vezes)

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Offline JUS EST ARS

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Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Online: 20 de Outubro de 2008, 00:29:39 »


Não sou graduado em filosofia, mas tenho grande apreço pelo tema, especialmente pela lógica, silogismo, hermenêutica e dialética. Várias vezes fico em dúvida sobre questões que envolvem filosofia e fico sem saber a resposta por não saber nem por onde começar.

Vou colocando as perguntas aqui, da mesma forma que é o tópico de perguntas sem-vergonha sobre física. Conversei com o Dante e ele disse que se dispõe a ajudar.


1 - Qual a diferença entre moral e ética? É fácil diferenciar tal coisa quando se pensa em profissões (ética médica etc.), mas como diferenciar uma coisa da outra fora deste ambiente?

2 - Qual a linha divisória entre filosofia e ciência? O Big-Bang, por exemplo, é uma teoria científica, mas apresenta bastante objeções e controvérsias científicas, me parecendo que pende mais para uma filosofia que postulado científico. Como saber o que é o que?




Offline JUS EST ARS

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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #1 Online: 20 de Outubro de 2008, 23:46:36 »


Alguém? :)



Offline Luis Dantas

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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #2 Online: 21 de Outubro de 2008, 00:36:36 »
Não acredito que haja diferença entre moral e ética.  Alguns propõem que a moral é coletiva, imposta pela cultura, enquanto que a ética é individual.  Para mim isso só mostra que são a mesma coisa, entendida por perspectivas diferentes e possivelmente conflitantes.

Ciência é o resultado do método científico, e lida com conhecimento objetivo.  Por definição visa a ignorar informação subjetiva (definida por características do sujeito).  A filosofia é bem mais livre, e de fato não é necessariamente coerente sequer internamente.
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Offline Thufir Hawat

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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #3 Online: 21 de Outubro de 2008, 00:39:16 »
Não sei nada sobre a primeira pergunta, mas vou tentar responder a segunda, Jus.

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2 - Qual a linha divisória entre filosofia e ciência? O Big-Bang, por exemplo, é uma teoria científica, mas apresenta bastante objeções e controvérsias científicas, me parecendo que pende mais para uma filosofia que postulado científico. Como saber o que é o que?

A linha divisória entre ciência e filosofia é a capacidade de fazer previsões testáveis, de ser posta a prova experimentalmente.

Isso dito, é óbvio que muitas das perguntas que interessaram ou interessam à ciência nasceram na ou pelo menos também são de interesse da filosofia, mas a forma como cada uma das disciplinas encara essas perguntas, até como cada uma delas formula essas perguntas é fundamentalmente diferente. E conseqüentemente também o são as respostas que cada uma dá.

Grosseiramente, a ciência encara o mundo da seguinte forma: "Como?" Como os planetas se movem, como a matéria se comporta, como os seres vivos se organizam, como as reações químicas ocorrem, e etc e tal. Não há preocupação a respeito de se há um motivo, propósito, sentido por trás dos fenômenos naturais. Isso não quer dizer necessariamente que não há (ou que há), apenas que a ciência encara a forma como fenômenos ocorrem como independente dos eventuais propósitos (ou da ausência de) por trás deles. E pode-se debater essa questão o quanto se quiser do ponto de vista filosófico, o fato é que a ciência vem funcionando dessa forma muito bem por séculos.

Mas é claro que essa é uma visão pura e idealizada (e muito, muito fria) da Ciência como se quis que ela fosse, e não da ciência como é feita de fato (e essa é muito mais interessante, emocionante, fascinante, impressionante e outros antes). Muitos cientistas, acredito mesmo que a maioria deles, se interessa por ciência na busca por algum sentido, e alguns até chegam a encontrar esse sentido (ou pelo menos algo próximo dele) na esfera pessoal.

Mas no fim das contas, se o resultado do trabalho do pesquisador for testável experimentalmente, reproduzível, falseável e mais blá-blá-blá epistemológico, o que ele fez é de fato ciência, não importam seus motivos para fazê-la. Ele pode estar errado, totalmente errado, mas em ciência só tem quem acerte porque muita gente antes erra e fica claro que deve-se procurar outro caminho. Errar não é problema em ciência, ruim mesmo é insistir no erro apesar de todas as evidências (e, pessoalmente, eu vejo essa como a maior diferença entre ciência e filosofia, desculpas aos amantes de filosofia no fórum).

Acho que é mais ou menos por aí. Ciência exige previsão (ou pelo menos retrovisão), precisão, teste experimental reproduzível, evidência. Filosofia é, em geral mais flexível, até porque encara questões, às vezes as mesmas que a ciência, de formas que podem levar à situações em que não há o que se testar. Mas nada disso implica que ciência é melhor que filosofia ou vice-versa. Depende do que se pretende para cada uma.

No caso do Big-Bang em particular, há algo que torna a distinção ainda mais complicada que é a tal da questão da "origem do universo", que obviamente interessa à filosofia.

De início, havia a esperança por parte de alguns cientistas que a teoria do Big-Bang fosse de fato uma teoria sobre a origem do universo. Mas a melhor compreensão da natureza em geral, as descobertas das forças nucleares, da relatividade geral e da mecânica quântica (e principalmente da incompatibilidade entre essas duas últimas) acabaram com essa esperança.

Hoje é consenso entre a maioria dos cientistas que a teoria do Big-Bang como compreendida atualmente não é sobre a origem do universo em si, mas sobre como (olha aquele "Como" aí...) se deu a evolução do universo a partir de um determinado momento algum tempo depois, muito pouco tempo depois, do suposto início do universo (ênfase em suposto aí, há quem proponha que não houve um início, ou pelo menos que nosso universo é cíclico de forma que o início pode ser apenas um entre intermináveis "inícios" e "fins" alternados).

EDIT:
Ainda bem que o Dantas colocou aquela segunda parte da resposta dele, senão esse post estaria ainda maior do que já está! :lol:
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Offline JUS EST ARS

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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #4 Online: 21 de Outubro de 2008, 00:45:02 »


Uma vez ouvi mais ou menos o seguinte sobre moral e ética:

- Os atos dos nazistas eram imorais. Matar judeus é imoral.

- Os atos dos nazistas era ético. Muito embora matar judeus seja imoral, não o era frente à ética nazista. Moral é conceito universal mais ou menos objetivo, ao passo que a ética varia de acordo com o contexto em que se está inserido. A ética é interna; a moral é externa.

Gostaria de saber se alguém já ouviu isso antes.

Ciência/filosofia:

Achei excelente, ciência é o resultado do método científico. Mas há várias ciências que não usam o método científico clássico, tal como sociologia, direito, economia, historia, psicologia, psiquiatria etc.

Já a filosofia, é mais livre, mas há métodos totalmente consistentes, como a lógica. De outro lado, há ramos totalmente zen.

Lógica me parece muito mais científico que psicologia, por exemplo. Como separar uma coisa da outra?




Offline Thufir Hawat

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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #5 Online: 21 de Outubro de 2008, 00:50:13 »
Ciência/filosofia:

Achei excelente, ciência é o resultado do método científico. Mas há várias ciências que não usam o método científico clássico, tal como sociologia, direito, economia, historia, psicologia, psiquiatria etc.
Aí é que está... tem quem discuta se realmente cabe o nome ciência à essas áreas do conhecimento, ou pelo menos à parte delas. O que não quer dizer, de maneira alguma, que elas são menos úteis ou importantes, apenas que não são ciência. Arte também não é ciência, e ninguém discute sua relevância. :)
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Offline JUS EST ARS

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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #6 Online: 21 de Outubro de 2008, 00:53:21 »


Sem dúvida, se for concebido que o método científico é determinante para se ter uma ciência, creio que apenas as ciências naturais o seriam, eis que a única que o utiliza. Os outros seriam apenas métodos que eventualmente se utilizam de ciência:

Campos de estudo das ciências
Filosofia | Matemática

Ciências Naturais:
 Astronomia | Biologia | Geologia | Geografia | Física | Paleontologia | Química

Ciências Sociais:
 Antropologia | Comunicação | Direito | Economia | Educação Física | Educação | História | Lingüística | Política | Sociologia

Ciências Aplicadas:
 Administração | Agronomia | Arquitectura e Urbanismo | Computação | Design | Engenharia | Farmacologia | Medicina | Nutrição | Tecnologia | Museologia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ciência



Offline Thufir Hawat

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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #7 Online: 21 de Outubro de 2008, 00:55:42 »
É tão bom poder falar sobre isso com alguém que não é o Adriano que entende e não distorce o que a gente diz! :hihi:
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Offline JUS EST ARS

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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #8 Online: 21 de Outubro de 2008, 00:59:09 »


Hehehe :P

É isso aí parceiro, curto o tema mas me falta embasamento teórico, então sou um completo aprendiz aqui. Você trabalha com filosofia?



Offline Luis Dantas

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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #9 Online: 21 de Outubro de 2008, 00:59:40 »
Achei excelente, ciência é o resultado do método científico. Mas há várias ciências que não usam o método científico clássico, tal como sociologia, direito, economia, historia, psicologia, psiquiatria etc.

Parece, mas não é.  Muito da sociologia e da psicologia não é ciência.  Nesta última, praticamente só o behaviorismo e o cognitivismo se enquadram.  Falar em "psicanálise científica" é uma contradição direta de termos, por exemplo.

A maioria dessas disciplinas são acadêmicas, mas não são científicas, e só alegam sê-lo por uma questão de prestígio.  Muitas são basicamente ideológicas, como a Economia e o Direito.

Psiquiatria é uma especialidade médica.  Não é nada mais nada menos do que a medicina voltada ao tratamento de distúrbios emocionais e mentais.  É portanto uma tecnologia (aplicação do conhecimento científico) e não uma ciência.  Aliás, um dos maiores problemas da psiquiatria atual é que ela não consegue entender seu próprio objeto de estudo, tanto que andaram na moda (e talvez ainda estejam) "uniões profanas" de psicanalistas com psiquiatras para analisar certos casos mais difíceis.  Imagine, mitologia clínica (psicanálise) emparelhada com farmacêutica clínica (psiquiatria).  

Psicologia científica existe, mas é algo muito mais rigoroso, e por isso mesmo de aplicação em alguns sentidos mais restrita.

Direito, desculpe, mas não entendo como pode ter sequer a pretensão de ser científico.  É como querer que um quadrado tenha diâmetro.

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Já a filosofia, é mais livre, mas há métodos totalmente consistentes, como a lógica. De outro lado, há ramos totalmente zen.

Lógica me parece muito mais científico que psicologia, por exemplo. Como separar uma coisa da outra?

Um bom começo é saber demarcar os limites, guiando-se pelos métodos e pelos objetos de estudo ou escopos.  Infelizmente muitas vezes eles são indevidamente extrapolados.  Receio que um dos melhores exemplos, novamente, é o Direito, que é por definição apenas uma tecnologia, mas passou a ser visto como uma ciência (honestamente, não sei como isso pôde acontecer) ou mesmo como uma referência sagrada.
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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #10 Online: 21 de Outubro de 2008, 01:03:07 »
É isso aí parceiro, curto o tema mas me falta embasamento teórico, então sou um completo aprendiz aqui. Você trabalha com filosofia?
Não, Jus, sou físico. Na verdade nem isso, sou um futuo físico. Mas também curto o tema.
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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #11 Online: 21 de Outubro de 2008, 01:06:29 »
Receio que um dos melhores exemplos, novamente, é o Direito, que é por definição apenas uma tecnologia, mas passou a ser visto como uma ciência (honestamente, não sei como isso pôde acontecer) ou mesmo como uma referência sagrada.
Dantas, já leu "The Dosadi Experiment", do Frank Herbert? Acho que você vai gostar.
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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #12 Online: 21 de Outubro de 2008, 01:07:44 »


Citação de: Dantas
Direito, desculpe, mas não entendo como pode ter sequer a pretensão de ser científico.  É como querer que um quadrado tenha diâmetro.

[...]

Um bom começo é saber demarcar os limites, guiando-se pelos métodos e pelos objetos de estudo ou escopos.  Infelizmente muitas vezes eles são indevidamente extrapolados.  Receio que um dos melhores exemplos, novamente, é o Direito, que é por definição apenas uma tecnologia, mas passou a ser visto como uma ciência (honestamente, não sei como isso pôde acontecer) ou mesmo como uma referência sagrada.

Mudei ultimamente várias vezes de idéia sobre a natureza do Direito. Antes achava que era ciência, depois arte, depois ideologia, depois filosofia. Hoje acho que Direito é algo sui generis. Creio que só se pode colocá-lo como ciência para fins de classificação frente a outras carreiras universitárias. Mas ciência ele nunca será realmente. Vou colar algo de outro tópico aqui, com uma demonstração de como o método do Direito não é em nada científico:

Filosoficamente, nenhuma lei, em qualquer lugar do mundo, efetivamente proíbe uma conduta, apenas estabelece uma punição por sua violação. Essa dicotomia é sempre existente: se alguém roubar, irá preso, de maneira que se esse alguém estiver disposto a assumir o risco de ir preso, nada lhe impedirá de tentar roubar.

Em segundo, Direito lida com pessoas, interesses e idéias que em boa parte não fazem  parte da natureza, sendo criações dos homens, servindo essa questão do YouTube como um bom exemplo. Desta forma, não lida com valores absolutos. As soluções verdadeiro/falso das ciências exatas são possíveis porque lidam com objetos naturais. O Direito lida com soluções do tipo razoável, aceitável, proporcional, bom, justo (que equivaleriam a verdadeiro) e excessivo, abusivo, desproporcional, mau, injusto (que equivaleriam a falso).

Em terceiro, o Direito é ideal, no sentido de ser uma idéia que almeja se concretizar, mas que sabe ser utópico, e portanto, não plenamente realizável no campo da vida real.

Respondendo sua pergunta: a lei resolverá na medida do possível. Ninguém duvida que sempre haverá quem disponibilizará um download proibido. Isso é uma meta que o Direito almeja, sabendo desde sempre ser impossível. O que uma lei deve buscar é um meio de limitar ao máximo essa prática, encontrando um ponto de equilíbrio e entre o direito à informação e o direito à propriedade.

Há portanto, dois Direitos Fundamentais em conflito: o direito à informação e o direito à propriedade. A solução dada pelo YouTube servirá de modelo para esse raciocínio. Havendo colisão entre Direitos Fundamentais, a principal técnica de solução é a seguinte (sempre se pensando abstratamente, e cada passo sendo premissa para o seguinte):

1. Adequação. O modelo do YouTube é apta a solucionar o problema?
Sim. Em tese, o YouTube pode tanto disponibilizar qualquer informação quanto proteger a propriedade intelectual.

2. Menor ingerência. O modelo do YouTube é a forma menos gravosa para solucionar o problema?
Sim. Em tese, ele nem libera tudo nem bloqueia tudo. Ele não exige um prévio cadastro de quem deseja apenas assistir, só o exigindo de quem quiser incluir um conteúdo. Ele faz satisfatoriamente seu próprio controle de conteúdo, sem a necessidade de interferência de uma censura estatal.

3. Proporcionalidade. O modelo do YouTube mantém a essência dos dois Direitos Fundamentais em conflito?
Sim. Ele permite o acesso à informação disponibilizada pelos usuários, à informação sem proteção, e à informação protegida com o consenso do detentor dos direitos autorais. E bloqueia o acesso a material protegido.

Conclusão: o modelo do YouTube é uma boa solução desta questão. Esse modelo poderia ser usado como parâmetro em um julgamento de casos concretos, sendo que em tese, quanto mais se afasta dele, mais abusivo o site em questão será. A lei que protege os direitos autorais já existe, falta fiscalizar.




Offline Luis Dantas

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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #13 Online: 21 de Outubro de 2008, 01:09:01 »
O autor de Duna?

Interessante como a ficção científica costuma ter temas preferidos por autor.  Vernor Vinge tem dois que já identifiquei: os "saltos para o futuro" e o desastre que é o conflito armado.
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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #14 Online: 21 de Outubro de 2008, 01:11:24 »
Jus, o Direito é bem delimitado?   Até mesmo a Estatística tem "correntes ideológicas", no caso a Bayesiana e a tradicional.  Pode me falar um pouco das principais linhas do Direito?  Suponho que haja algum grau de controvérsia sobre o que o Direito é e um grau maior ainda sobre o que ele deve almejar ser, não?
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Offline Thufir Hawat

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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #15 Online: 21 de Outubro de 2008, 01:16:56 »
O autor de Duna?

Interessante como a ficção científica costuma ter temas preferidos por autor.  Vernor Vinge tem dois que já identifiquei: os "saltos para o futuro" e o desastre que é o conflito armado.
É, mas apesar de algumas semelhanças com Duna o tema básico é outro totalmente diferente. A trama nem é tão interessante o mais legal em "Dosadi" e nas outras histórias desse universo, é um povo em particular que têm uma visão ao mesmo tempo profundamente religiosa e , paradoxalmente, profana sobre o direito e as Leis. A ocupação mais nobre para um Gowachin é ser um legum, quase um advogado no mundo deles. Mas num tribunal Gowachin tudo e todos estão sob julgamento - o réu e seu defensor, a acusação, juízes, júri, até a platéia. E a coisa toda é um grande ritual religioso, no qual o mais importante é "respeitosamente desrespeitar" a Lei.
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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #16 Online: 21 de Outubro de 2008, 01:27:29 »


Uma vez ouvi mais ou menos o seguinte sobre moral e ética:

- Os atos dos nazistas eram imorais. Matar judeus é imoral.

- Os atos dos nazistas era ético. Muito embora matar judeus seja imoral, não o era frente à ética nazista. Moral é conceito universal mais ou menos objetivo, ao passo que a ética varia de acordo com o contexto em que se está inserido. A ética é interna; a moral é externa.

Gostaria de saber se alguém já ouviu isso antes.
Eu já ouvi exatamente o contrário. A moral varia de acordo com o contexto em que está inserido. Assim, seria anti-ético matar judeus, mas seria moral frente a moral nazista.

O que para mim faz mais sentido. É só pensar como o conceito do que é moral ou não varia conforme a época e a sociedade. Em muitos países islâmicos é imoral a mulher mostrar os cabelos, no Rio ela pode usar fio dental sem ser considerado algo imoral...
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Offline JUS EST ARS

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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #17 Online: 21 de Outubro de 2008, 01:42:24 »


Jus, o Direito é bem delimitado?   Até mesmo a Estatística tem "correntes ideológicas", no caso a Bayesiana e a tradicional.  Pode me falar um pouco das principais linhas do Direito?  Suponho que haja algum grau de controvérsia sobre o que o Direito é e um grau maior ainda sobre o que ele deve almejar ser, não?


Bem delimitado em que sentido? Territorial, temporal, tipos de conflitos que se propõe a resolver, o que especificamente?

Quanto a correntes (entendimentos de juristas), o Direito é movido por correntes, daí porque se diz que o Direito é dinâmico. A sociedade é que cria as regras na verdade, faz pressões e os governantes não vêem outra opção que não seja criar as leis. Por exemplo, a Constituição não legitima a sociedade, ela é que legitima a Constituição. Tome o exemplo mais marcante, a Revolução Francesa.

Até a queda do Império Romano do Ocidente, ser livre significava participar das decisões da polis. Por este critério, escravos e mulheres não eram livres.

Com a queda, estabeleceu-se 4 classes: os senhores feudais, o clero, os nobres e os burgueses (significava pobres e ricos). Por questões de defesa, surgiram mais tarde os Estados nacionais na Europa, onde se instalaram os estados absolutistas. Ou se era Nobre, ou Clero ou Burguês. Foi bom por um período, mas com o tempo, na França, havia 200 mil integrantes da Nobreza e do Clero, e 6 milhões de Burgueses que se submetiam a eles. Houve muitos abusos, e a Revolução Francesa, com os ideais de Igualdade, Liberdade e Fraternidade, quiseram a separação de um poder absoluto, o que foi feito.

Nessa época surgiu - apenas - o conceito moderno de Liberdade, que significa "sai Estado". Criaram então a Constituição, produto dessa revolta, e o primeiro Código Civil, o Napoleônico.

Ocorre que esse liberalismo exagerado criou problemas. O contrato era lei entre as partes, não importava o conteúdo. Se alguém firmasse um contrato de escravidão, ele  era válido. Se alguém firmasse um contrato de morte, ele era válido. Se alguém firmasse um contrato em que a hora trabalhada valia um centavo, ele era válido.

Tudo encaminhou-se até Karl Marx, que inventou o manifesto Comunista, e com ele, se estabeleceu o conceito moderno de Igualdade, que significa "sai Estado, mas imponha limites a quem é a parte mais forte". Com isso surgiram as obrigações do Estado de regular os ofícios, sindicatos, fornecer escolas, saúde etc.

O povo alemão é o mais racional do mundo, a meu ver. A imensa maioria dos grandes filósofos sai de lá. Esse povo altamente racional, baseado nesse conceito de Igualdade "sai Estado, mas imponha limites a quem é a parte mais forte", criou uma Constituição que prevê Estado de Direito, que no papel é muito bom. Os dirigentes da Alemanha tinham que se submeter às suas próprias leis, o líder era eleito, o trabalho, educação e saúde eram regulamentados. No entanto, mesmo com tal coisa, foram autores do holocausto.

Por conta disso, surgiu o conceito moderno de Fraternidade, que são os Direitos Fundamentais ou Direitos Humanos, basicamente o direito à dignidade humana. Criou-se o Estado Democrático de Direito. Esse "democrático" não tem nada a ver com eleições, mas com acolhimento dos Direitos Fundamentais. Portanto, Liberdade, Igualdade e Fraternidade modernamente significa "Estado, saia das relações particulares, mas imponha limites a quem é a parte mais forte, e garanta os Direitos Fundamentais".

O Brasil após a Ditadura abraçou os Direitos Fundamentais, e os juristas do mundo todo estão na verdade aprendendo ainda a lidar com esse conceito. A revolução que deu fim à Ditadura inseriu tais cláusulas na Constituição.

Em resumo: nossa Constituição é impregnada dessa corrente ideológica histórica.

Os outros ramos do Direito também o são. Conforme os movimentos sociais, muda-se a ideologia. O Direito Penal foi o maior alvo de revoluções nos últimos tempos.


Offline JUS EST ARS

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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #18 Online: 21 de Outubro de 2008, 01:48:46 »




Uma vez ouvi mais ou menos o seguinte sobre moral e ética:

- Os atos dos nazistas eram imorais. Matar judeus é imoral.

- Os atos dos nazistas era ético. Muito embora matar judeus seja imoral, não o era frente à ética nazista. Moral é conceito universal mais ou menos objetivo, ao passo que a ética varia de acordo com o contexto em que se está inserido. A ética é interna; a moral é externa.

Gostaria de saber se alguém já ouviu isso antes.
Eu já ouvi exatamente o contrário. A moral varia de acordo com o contexto em que está inserido. Assim, seria anti-ético matar judeus, mas seria moral frente a moral nazista.

O que para mim faz mais sentido. É só pensar como o conceito do que é moral ou não varia conforme a época e a sociedade. Em muitos países islâmicos é imoral a mulher mostrar os cabelos, no Rio ela pode usar fio dental sem ser considerado algo imoral...

Gostaria que algum filósofo resolvesse isso, porque eu sempre aprendi que é por conta da moral que se diz obrigado, se forma filas, se dá um sorriso, e não pela ética.




Offline Luis Dantas

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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #19 Online: 21 de Outubro de 2008, 01:50:46 »
Mas num tribunal Gowachin tudo e todos estão sob julgamento - o réu e seu defensor, a acusação, juízes, júri, até a platéia. E a coisa toda é um grande ritual religioso, no qual o mais importante é "respeitosamente desrespeitar" a Lei.

Que é a grande utilidade da religião: buscar o melhor equilíbrio possível entre a necessidade de expressar a individualidade e a de respeitar os limites impostos pela coletividade.

Essa é uma óbvia metáfora para a religião, sim.  Tem razão, provavelmente vou gostar.
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Em 18 de janeiro de 2010, ainda não vejo motivo para postar aqui. Estou nos fóruns Ateus do Brasil, Realidade, RV.  Se a Moderação reconquistar meu respeito, eu volto.  Questão de coerência.

Offline JUS EST ARS

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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #20 Online: 21 de Outubro de 2008, 01:56:16 »


Eu às vezes vejo o Direito como o único clero com poderes de dizer o bem e o mal concretamente. Quase como que uma evolução das religiões. Através das leis se sabe o que é ou não permitido (pecado), e que solução será dada ao seu problema concreto de alguém não te dar o devido (penitência para um e satisfação para outro).

Quase que uma religião cientificada.


Offline Hold the Door

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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #21 Online: 21 de Outubro de 2008, 01:57:40 »
2 - Qual a linha divisória entre filosofia e ciência? O Big-Bang, por exemplo, é uma teoria científica, mas apresenta bastante objeções e controvérsias científicas, me parecendo que pende mais para uma filosofia que postulado científico. Como saber o que é o que?
O chamado "big-bang", ou melhor, modelo cosmológico padrão, é um modelo científico baseado na teoria da relatividade geral e em dados empíricos, como o desvio para o vermelho e radiação cósmica de fundo de microondas. Com certeza é científica, não há nada de "filosófico" nisso.

O que ocorre são duas coisas:

O modelo pode até gerar discussões filosóficas. Mas isso foge ao modelo em si, não faz parte dele nem da sua discussão científica. Seria o mesmo que alguém discutir o significado filosófico das órbitas dos planetas serem elípticas e não circunferências perfeitas.

O modelo é mal entendido (o mais comum) e acabam tirando conclusões "filosóficas" a partir desse mal entendimento, ou tornando o próprio modelo uma filosofia mal feita.
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Offline Luis Dantas

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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #22 Online: 21 de Outubro de 2008, 01:57:59 »
Bem delimitado em que sentido? Territorial, temporal, tipos de conflitos que se propõe a resolver, o que especificamente?

Escopo e "missão".  Entendimento sobre o que o Direito é e o que está "destinado" a ser.

Definição das áreas conexas, e das tendências.  Por exemplo, há muita controvérsia sobre se a moral e a ética limitam o Direito, ou em vez disso o orientam ou são orientados por ele?  Ou ainda, se a sociologia e a economia são ou vão continuar sendo áreas conexas ou eventualmente serão guiados pelo Direito?

A questão mais espinhosa provavelmente é: o Direito deve buscar crescer ou deve tentar se tornar desnecessário e irrelevante?  Na minha opinião o maior dilema do Direito é essa última questão, pois no meu entendimento o Direito tem por obrigação moral almejar sua própria extinção.  Como o Budismo... :)
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Offline Luis Dantas

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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #23 Online: 21 de Outubro de 2008, 02:02:46 »
Eu às vezes vejo o Direito como o único clero com poderes de dizer o bem e o mal concretamente. Quase como que uma evolução das religiões. Através das leis se sabe o que é ou não permitido (pecado), e que solução será dada ao seu problema concreto de alguém não te dar o devido (penitência para um e satisfação para outro).

Quase que uma religião cientificada.

Receio que muitos, inclusive na Associação de Magistrados Espíritas, também pensam assim.

Deve estar claro a essa altura que eu desaprovo enfaticamente essa postura.  Para todos os efeitos práticos, isso não é diferente de uma recriação do sistema de castas do Hinduísmo, com os Bacharéis em Direito compondo a casta dos Brâmanes.  Isso talvez tenha sido útil e necessário seis mil anos atrás.  Hoje, é um retrocesso com um custo sócio-econômico inaceitável.  Escolhas éticas não podem ser terceirizadas, a não ser para efeito humorístico ou satírico.
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Offline JUS EST ARS

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Re: Perguntas sem-vergonha sobre filosofia...
« Resposta #24 Online: 21 de Outubro de 2008, 02:10:44 »


Bem delimitado em que sentido? Territorial, temporal, tipos de conflitos que se propõe a resolver, o que especificamente?

Escopo e "missão".  Entendimento sobre o que o Direito é e o que está "destinado" a ser.

Definição das áreas conexas, e das tendências.  Por exemplo, há muita controvérsia sobre se a moral e a ética limitam o Direito, ou em vez disso o orientam ou são orientados por ele?  Ou ainda, se a sociologia e a economia são ou vão continuar sendo áreas conexas ou eventualmente serão guiados pelo Direito?

A questão mais espinhosa provavelmente é: o Direito deve buscar crescer ou deve tentar se tornar desnecessário e irrelevante?  Na minha opinião o maior dilema do Direito é essa última questão, pois no meu entendimento o Direito tem por obrigação moral almejar sua própria extinção.  Como o Budismo... :)



O Direito se sabe utópico. Mas também se sabe necessário enquanto houverem conflitos entre seres humanos.

Houve época, até bem pouco tempo atrás, que no Brasil era irrelevante ao Direito a moral e a ética. Foi uma época de juspositivismo extremado, só valia o que estava na lei. Os criadores da lei (legisladores) eram os únicos que deviam se preocupar com valores éticos e morais, e uma vez criada a lei, isso era inquestionável. A Constituição só se preocupava com questões de organização do Estado, e a lei era soberana entre as relações de particulares. A lei era um dogma inafastável.

Hoje, com os Direitos Fundamentais colocados de forma abstrata na Constituição, e servindo como guia principiológico que se sobrepõe à lei, o jusnaturalismo tempera em muito a lei. Só se segue a lei justa.

Por exemplo: antes furtar R$ 1,00 ou um milhão resultava em cadeia, a pena só era atenuada. A lei diz que furtar é crime e ponto final. Hoje, se analisa da seguinte forma: "a lei protege bens jurídicos. O patrimônio pessoal é o objeto protegido pelo tipo penal do furto. Como um real não afeta o patrimônio de ninguém, sendo irrelevante, não se pode punir com cadeia uma agressão irrelevante. Portanto quem furta um real deve ser absolvido". Nenhuma lei diz isso, é culpa do direito à dignidade, conceito abstrato que norteia a aplicação da lei, e em última análise, da moral e ética.




 

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