Jus, o Direito é bem delimitado? Até mesmo a Estatística tem "correntes ideológicas", no caso a Bayesiana e a tradicional. Pode me falar um pouco das principais linhas do Direito? Suponho que haja algum grau de controvérsia sobre o que o Direito é e um grau maior ainda sobre o que ele deve almejar ser, não?
Bem delimitado em que sentido? Territorial, temporal, tipos de conflitos que se propõe a resolver, o que especificamente?
Quanto a correntes (entendimentos de juristas), o Direito é movido por correntes, daí porque se diz que o Direito é dinâmico. A sociedade é que cria as regras na verdade, faz pressões e os governantes não vêem outra opção que não seja criar as leis. Por exemplo, a Constituição não legitima a sociedade, ela é que legitima a Constituição. Tome o exemplo mais marcante, a Revolução Francesa.
Até a queda do Império Romano do Ocidente, ser livre significava participar das decisões da polis. Por este critério, escravos e mulheres não eram livres.
Com a queda, estabeleceu-se 4 classes: os senhores feudais, o clero, os nobres e os burgueses (significava pobres e ricos). Por questões de defesa, surgiram mais tarde os Estados nacionais na Europa, onde se instalaram os estados absolutistas. Ou se era Nobre, ou Clero ou Burguês. Foi bom por um período, mas com o tempo, na França, havia 200 mil integrantes da Nobreza e do Clero, e 6 milhões de Burgueses que se submetiam a eles. Houve muitos abusos, e a Revolução Francesa, com os ideais de Igualdade, Liberdade e Fraternidade, quiseram a separação de um poder absoluto, o que foi feito.
Nessa época surgiu - apenas - o conceito moderno de Liberdade, que significa "sai Estado". Criaram então a Constituição, produto dessa revolta, e o primeiro Código Civil, o Napoleônico.
Ocorre que esse liberalismo exagerado criou problemas. O contrato era lei entre as partes, não importava o conteúdo. Se alguém firmasse um contrato de escravidão, ele era válido. Se alguém firmasse um contrato de morte, ele era válido. Se alguém firmasse um contrato em que a hora trabalhada valia um centavo, ele era válido.
Tudo encaminhou-se até Karl Marx, que inventou o manifesto Comunista, e com ele, se estabeleceu o conceito moderno de Igualdade, que significa "sai Estado, mas imponha limites a quem é a parte mais forte". Com isso surgiram as obrigações do Estado de regular os ofícios, sindicatos, fornecer escolas, saúde etc.
O povo alemão é o mais racional do mundo, a meu ver. A imensa maioria dos grandes filósofos sai de lá. Esse povo altamente racional, baseado nesse conceito de Igualdade "sai Estado, mas imponha limites a quem é a parte mais forte", criou uma Constituição que prevê Estado de Direito, que no papel é muito bom. Os dirigentes da Alemanha tinham que se submeter às suas próprias leis, o líder era eleito, o trabalho, educação e saúde eram regulamentados. No entanto, mesmo com tal coisa, foram autores do holocausto.
Por conta disso, surgiu o conceito moderno de Fraternidade, que são os Direitos Fundamentais ou Direitos Humanos, basicamente o direito à dignidade humana. Criou-se o Estado Democrático de Direito. Esse "democrático" não tem nada a ver com eleições, mas com acolhimento dos Direitos Fundamentais. Portanto, Liberdade, Igualdade e Fraternidade modernamente significa "Estado, saia das relações particulares, mas imponha limites a quem é a parte mais forte, e garanta os Direitos Fundamentais".
O Brasil após a Ditadura abraçou os Direitos Fundamentais, e os juristas do mundo todo estão na verdade aprendendo ainda a lidar com esse conceito. A revolução que deu fim à Ditadura inseriu tais cláusulas na Constituição.
Em resumo: nossa Constituição é impregnada dessa corrente ideológica histórica.
Os outros ramos do Direito também o são. Conforme os movimentos sociais, muda-se a ideologia. O Direito Penal foi o maior alvo de revoluções nos últimos tempos.